Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Falta de ética no andar de cima

 

Reportagem publicada pela editoria de Ciência na edição de quarta-feira (29/2) da Folha de S.Paulo informa que um estudo conduzido por psicólogos na Universidade da Califórnia em Berkeley concluiu que indivíduos com status social elevado têm maior probabilidade de se tornarem menos éticos.

O trabalho, baseado na observação do comportamento de grupos de pessoas diante de situações rotineiras – quando se oferece, por exemplo, a oportunidade de levar vantagem ou obter mais do que os demais –, mostrou que aqueles que se consideram integrantes das camadas mais altas da sociedade tendem a ultrapassar a barreira do eticamente aceitável, comumente movidos pela cobiça.

O resultado da série de sete experimentos foi publicado na edição eletrônica da revista PNAS, ligada à Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, e indica que pessoas da chamada elite social se comportam com menos ética do que indivíduos das classes consideradas menos favorecidas.

Novas classes médias

Os comportamentos analisados incluem se apropriar de bens alheios, falsear informações a seu favor, trapacear para aumentar suas chances numa disputa, mentir durante negociações e apoiar comportamentos semelhantes no trabalho ou nos negócios.

Os mais ricos também apresentam uma tendência a minimizar as necessidades alheias ao mesmo tempo em que aceitam como normais suas próprias ambições.

Uma pesquisadora brasileira especializada em evolução do comportamento humano, consultada pela Folha, se declarou “abismada” com os estudos da equipe liderada pelo psicólogo Paul Piff, que deve completar em maio seu PhD em Psicologia Social.

Piff tem se dedicado a estudos sobre a psicologia das classes sociais pela observação em ambientes naturais e experimentos controlados em laboratório. Em suas conclusões, ele toma cuidado para não produzir uma condenação generalizada dos ricos e o consequente endeusamento dos mais pobres, mas o resultado dá o que pensar, principalmente porque há um importante componente de autopercepção como elite entre os indivíduos que se comportam com menos ética.

Uma das questões que a reportagem pode suscitar, por exemplo, é o comportamento de indivíduos que, em todo o mundo, parecem contar com maior impunidade quanto mais alto seu status social.

Num país como o Brasil, onde um grande contingente de cidadãos passa pelo processo de ascensão social, vindo a integrar as chamadas novas classes médias, é possível observar quanto dessa percepção de status pode vir a produzir comportamentos menos éticos até mesmo entre aqueles que estão longe de serem considerados ricos.

De olho nas elites

O estudo reportado pela Folha e o resumo disponível no site da PNAS indicam que a percepção de status privilegiado tem influência nesse tipo de comportamento; portanto, é legítimo supor a possibilidade de que a disposição para “levar vantagem” esteja ligada a uma sensação de diferenciação em relação aos demais.

Por outro lado, o estudo pode fornecer elementos interessantes para a análise do comportamento das elites econômicas e políticas, que parecem não se importar com os mais essenciais requisitos para a convivência social.

A cobiça desenfreada, identificada como ponto de impulsão desse tipo de comportamento, também está presente, por exemplo, nas ações de empresários e investidores milionários que não conseguem seguir as normas gerais e passam a vida entre os cadernos de negócios e as páginas policiais. Da mesma forma, é possível fazer uma comparação com os grupos privilegiados dentro de instituições específicas, como o poder Judiciário.

Ainda nas edições de quarta-feira, os principais jornais do país dão espaço para nova manifestação da corregedora nacional do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon, sobre comportamentos não éticos entre magistrados. Durante audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a corregedora declarou que os juízes decentes não podem ser confundidos com “a meia dúzia de vagabundos infiltrados na magistratura”.

Ela levantou um aspecto típico das dificuldades em julgar desembargadores, juízes de segundo grau, ao afirmar que eles costumam ser simpáticos e sociáveis – o que acaba inibindo a ação dos magistrados honestos. Ao se referir a uma “crise ética” que, na sua opinião, estaria afetando a magistratura, a corregedora toca, de alguma forma, no tema da pesquisa publicada pela Folha.

Os jornais de quarta-feira induzem o Brasil a pensar se não seria o caso de vigiar melhor suas elites.