“Sob o título ‘Estudantes vão fazer mais exames numa semana’, este jornal anunciou no passado dia 16 de Fevereiro, na sua edição para a Internet: ‘Três ou quatro exames nacionais realizados numa única semana. Esta é a consequência de todos os candidatos a exame no ensino secundário terem de os fazer na 1ª fase’ (conforme fora dias antes determinado, para as provas obrigatórias, pelo Ministério da Educação e Ciência). A abrir a notícia, afirmava-se explicitamente que, ‘em vez de dois exames nacionais numa semana, a maioria dos alunos do ensino secundário terá agora de fazer três ou quatro no mesmo espaço de tempo’.
Nada disto é verdade, como frisaram alguns leitores descontentes com a falta de rigor da informação publicada. Um desses leitores, Francisco Queirós, de Paredes, conta que tentou nesse dia alertar por telefone a redacção do PÚBLICO para que fosse corrigida a notícia, mas não logrou ser atendido nem obteve melhor resultado através do ‘sistema de mensagens gravadas’. Na reclamação que enviou, sustenta que ‘o cabeçalho da notícia não é verdadeiro (…), alarmando mal e de forma sensacionalista’ os destinatários da informação.
‘Os alunos do ensino secundário’, esclarece, ‘ realizam exames nacionais no fim do 11º ano e no fim do 12º ano’. Dá o exemplo do curso de Ciências e Tecnologias (o mais concorrido), para o qual há exames no final do 11º ano em duas disciplinas (Biologia/Geologia e Física/Química) e em outras tantas (Português e Matemática) no fim do 12º. ‘Assim’, acrescenta, ‘todos os candidatos a exames que estejam a frequentar o 11º ano de escolaridade apenas podem realizar dois exames. No 12º ano, em princípio, também só realizam dois exames. Pode suceder, é certo, que tendo reprovado nos exames do 11º venham a repeti-los no fim do 12º. Mas esta reserva não se aplica a todos os alunos; é improvável, de resto, que tendo reprovado em dois exames do 11º ano conseguissem transitar para o 12º ano de escolaridade’.
Enquanto este leitor tentava sem êxito alertar para os erros que detectara na peça do PÚBLICO Online – que lá permanecem, inalterados, desde a manhã de 16.02 até à hora a que escrevo –, outros procuravam fazê-lo, com igual insucesso, através da caixa de comentários que acompanha as notícias da edição on line. Logo ao início da tarde desse dia, João Pereira, de Óbidos, sublinhava também que os estudantes do secundário são submetidos no final de um ano lectivo a apenas dois exames nacionais: ‘Um aluno (…) realiza no 11º ano dois exames a disciplinas específicas e mais nenhum’, enquanto um aluno do 12º, por exemplo na área de Línguas e Humanidades, ‘realiza o de Português e o de História (e mais nenhum)’. Ressalvando que um aluno pode submeter-se a mais do que dois exames nacionais ‘se for do 12º ano e quiser melhorar as suas classificações das disciplinas do 11º’, concluía ser ‘completamente falso’ o que ‘se diz no corpo da notícia’ – isto é, que ‘a maioria dos alunos do ensino secundário terá agora de fazer três ou quatro no mesmo espaço de tempo’.
Bastaria, de facto, ter em conta o peso numérico dos examinandos do 11º ano no conjunto dos alunos do secundário sujeitos às provas nacionais, e o facto de a estes não se aplicar a hipótese de poderem querer melhorar a classificação obtida em exames anteriormente efectuados, para se perceber que a frase de abertura da notícia não poderia ser verdadeira. Se a este dado se acrescentar uma incógnita – o número de alunos do 12º que irá procurar essa melhoria de nota, que poderá ser significativo, nada permitindo porém concluir que sejam todos ou sequer a maioria –, perceber-se-á que não tem fundamento a afirmação de teor conclusivo destacada no Público Online, segundo a qual as novas normas decididas pelo ministério, ao tornarem obrigatória a inscrição na 1º fase, levariam os candidatos a terem de se apresentar a ‘três ou quatro exames nacionais realizados numa única semana’.
Com as novas regras para o calendário de exames – que o ministro Nuno Crato justificou com a necessidade de não ‘prejudicar o processo de entrada no ensino superior e o funcionamento das escolas’ –, os alunos que estão a finalizar o ensino secundário deixam de facto de poder optar por prestar as provas na 1ª ou na 2ª fase, ficando esta agora reservada aos que procurem superar uma reprovação ou conseguir a tal melhoria classificativa. Como se pode depreender dos comentários de leitores à notícia, a alteração divide fortemente as opiniões no meio educativo. Aos que a defendem e consideram que contribui para uma ordenação justa no acesso ao ensino superior, opõem-se principalmente os que tentam, através da repetição de exames, ascender nessa ordenação, com destaque para os participantes na conhecida e ultra-competitiva corrida anual às elevadíssimas médias exigidas neste país para o acesso aos cursos de Medicina. E há ainda quem critique o facto de as regras terem sido alteradas a meio do ano lectivo e não antes do seu início.
Trata-se, portanto, de um tema polémico, actual e relevante, que justificava a atenção do jornal, mas que foi lamentavelmente enquadrado em pressupostos errados na notícia do Público Online. Perceber como sucedeu permitirá identificar algumas falhas recorrentes no plano da organização editorial. A notícia, motivada por queixas de associações estudantis contra as novas regras para os exames, começou por ser publicada, em três curtos parágrafos assinados pela jornalista Clara Viana, na edição de 16.02 do jornal impresso. É uma peça em que não figuram as afirmações erróneas atrás citadas, que foram acrescentadas na versão mais alargada publicada a seguir na edição para a Internet. No entanto, a frase de abertura (‘Em vez de dois exames nacionais numa semana, muitos alunos do ensino secundário terão agora de fazer três ou quatro no mesmo espaço de tempo’) peca por alguma imprecisão. O termo ‘muitos’ não define com rigor o universo considerado, e a fórmula ‘terão agora de fazer’ sugere uma obrigação que não existe.
Com as alterações introduzidas na versão colocada on line, que não foram dadas a conhecer à autora da peça original, a imprecisão transformou-se em erro. Passou nomeadamente a ler-se que ‘a maioria dos alunos do ensino secundário terá agora de fazer três ou quatro [exames numa semana]’ onde na edição impressa se escrevera ‘muitos alunos (…) terão agora de fazer (…)’. ‘É diferente’, concorda Clara Viana, que acrescenta: ‘Lamento estas alterações a uma notícia que mantém a minha assinatura’.
Quanto ao título, quase idêntico nas duas versões, a jornalista considera que ‘está certo, porque não se afirma que são todos os estudantes’ [que ‘vão fazer mais exames numa semana’]. Eu penso que o facto de ser, nesse sentido, verdadeiro, não o torna menos enganoso. Quem, não conhecendo o assunto, lê a frase ‘Estudantes vão fazer mais exames numa semana’, a encabeçar uma notícia sobre novas regras que se aplicam a todos os examinandos, é naturalmente levado a crer que o título se refere ao universo de ‘todos os estudantes’. A editora que alterou a peça para a edição on line, Bárbara Wong, reconhece por seu lado ter feito uma leitura inadequada da notícia publicada na edição impressa e apresenta ‘desculpas aos leitores’, que nunca pretendeu ‘induzir em erro’.
Julgo que este caso revela diversas fragilidades na organização editorial e recorda a importância de respeitar alguns procedimentos, como os seguintes:
– Alterações substantivas aos textos dos jornalistas, no plano dos factos ou da interpretação, não devem, por norma, ser feitas sem o seu conhecimento. Quem seguiu um assunto e escreveu sobre ele tem à partida mais condições para evitar enganos e esclarecer dúvidas. Subscrevo a conclusão de Clara Viana na explicação que me enviou: ‘Este episódio mostra que não é, no mínimo, aconselhável mudar textos sem falar antes com os autores dos mesmos’.
– Por maioria de razão, um texto alterado num aspecto significativo não deve ser publicado com a assinatura de quem não participou na alteração. Em caso de erro, como aconteceu, é a reputação profissional de quem assina que é atingida. É a quem subscreve a peça que se dirigem normalmente as reclamações dos leitores.
– A mais-valia resultante de esclarecimentos feitos pelos leitores através das caixas de comentários às notícias on line não deve ser desperdiçada. Neste caso, como em situações anteriores, vários contributos surgidos logo após a publicação foram ignorados. No PÚBLICO, os comentários dos leitores passam por um crivo editorial. Não se compreende que as mensagens que apontam erros ou dão esclarecimentos úteis sobre os temas noticiados não sejam encaminhadas para jornalistas e editores dos textos em causa. Nenhuma redacção tem mais conhecimentos do que a comunidade dos seus leitores.
– Uma vez confirmados, os erros apontados devem ser corrigidos. Neste caso, não só isso não aconteceu como o Público Online ainda promoveu um inquérito, pedindo a opinião dos leitores acerca do número (errado) de exames que os estudantes do secundário teriam de fazer em poucos dias.
– A articulação entre as duas edições, em papel e on line, não pode ser descurada.
Dada a relevância do tema e o seu interesse para muitos leitores, bem como a possível confusão gerada por esta notícia, seria útil que o PÚBLICO voltasse a abordar, de modo mais esclarecedor, as alterações efectuadas ao calendário dos exames do ensino secundário. Informando com rigor e confrontando interesses e opiniões.”