Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Violência contra as mulheres

Aborto é uma questão de saúde pública, de polícia ou de religião? A matéria do jornal O Estado de S. Paulo (“Faltam centros de aborto legal onde há mais violência contra a mulher”, de 19/3/2012) mostra que um dos aspectos mais trágicos dessa história – a violência contra mulheres – deveria merecer tanta atenção (de juristas, religiosos e profissionais de saúde) quanto a descriminalização do aborto. E da imprensa deveria merecer mais atenção ainda. Segundo o jornal:

** 38.540 estupros foram registrados no país em 2011, contra 33.912 em 2010;

** 9.890 estupros foram registrados em São Paulo em 2010. O estado de São Paulo tem 11 serviços para o aborto legal;

** 4.467 estupros foram registrados no Rio em 2010. Existe um serviço para aborto legal no estado;

** 2.076 estupros foram registrados em 2010 na Bahia. Existe apenas um serviço de aborto;

** 52,6 estupros por 100 mil habitantes foram registrados em Roraima em 2010 – a maior taxa registrada no País. Roraima não tem serviço de aborto legal.

Mas mesmo onde existe o serviço, o aborto não é garantido, como afirmou a ministra Eleonora Menicucci, da Secretaria de Política para Mulheres, porque médicos se recusam a fazer o aborto, alegando objeção de consciência.

Outra entrevistada pelo jornal, a professora Débora Diniz, do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília, vai além:

“A objeção de consciência é um dos problemas. Há centros que muitas vezes se dizem aptos a prestar esse tipo de atendimento, mas não dispõem nem de profissionais habilitados nem de estrutura necessária.”

A imprensa deveria participar dessa luta

Enquanto o Ministério Público Federal investiga a eficiência no atendimento às mulheres vítimas de violência sexual, notícias da semana passada mostram que até as soluções mais simples – como a pílula do dia seguinte – não podem ser usadas devido à burocracia:

“Quase uma década após o início da distribuição da pílula do dia seguinte no SUS, o acesso a ela ainda é precário. Além da escassez, o principal entrave é que as unidades de saúde exigem receita para dar o contraceptivo. Muitas vezes, porém, não há médico para assinar a prescrição no momento em que a mulher procura o posto de saúde. Uma consulta com o ginecologista chega a demorar dois meses. A pílula só previne a gravidez se ingerida até 72 horas após o ato sexual. Nas farmácias, as mulheres compram o remédio sem receita por preços que variam entre R$ 9 e R$ 23 a cartela com dois comprimidos. A droga tem tarja vermelha, o que exige prescrição. As adolescentes sofrem ainda mais dificuldade para obter a pílula. Embora diretrizes do Ministério da Saúde garantam o direito à privacidade e ao sigilo de suas informações, muitos postos exigem a presença de pais ou responsáveis para liberar o contraceptivo de emergência.

“A discussão sobre aborto ganhou destaque quando a comissão de juristas criada pelo Senado para elaborar o novo Código Penal aprovou um anteprojeto que prevê, entre outros pontos, a ampliação dos casos em que o aborto é legal. Pela proposta, não é crime a interrupção da gravidez até a 12ª semana quando, a partir de um pedido da gestante, o “médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições de arcar com a maternidade” (Folha de S.Paulo, 9/3/2012).

Mas a verdade é que, se a liberação – ou não – do aborto provoca discussões intermináveis – com direito a artigos de religiosos e juristas –, a violência contra as mulheres continua sendo um assunto esporádico e sem maior repercussão.

Não seria o caso de a imprensa entrar de fato no assunto e cobrar do governo o que mais pode ser feito para evitar que as mulheres continuem sendo as grandes vítimas? Jornais e revistas femininas deveriam participar dessa luta. E propor soluções para o atendimento às vítimas da violência sexual e às vítimas da impossibilidade de escolher entre criar ou não uma criança gerada contra sua vontade.

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[Ligia Martins de Almeida é jornalista]