Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mais recuos do que avanços

No início de julho passado, fiz uma breve avaliação do setor de Comunicações durante o primeiro semestre de 2007, publicada neste Observatório sob o título ‘Balanço provisório de um semestre inusitado‘. Seis meses depois, constato que talvez não houvesse motivos para o otimismo revelado.

Apesar da alta probabilidade de se cometerem equívocos graves nesses balanços periódicos, reconheço que eles são também uma oportunidade para avaliar comparativamente se houve ou não avanços e que perspectivas se podem ter em relação ao futuro. Desta forma, selecionei dois conjuntos de temas (fragmentados, para facilitar a análise, e não necessariamente os mais importantes) sobre os quais arrisco avaliações pontuais neste final de ano. A primeira, organizada por ordem alfabética, está aí embaixo. A segunda virá na próxima semana.

1. Concentração da propriedade

A tendência à crescente concentração da propriedade, com todas as implicações em relação ao controle da informação em escala global, continua. A compra do grupo Dow Jones (que edita, dentre outros, o Wall Street Journal) pela News Corporation, anunciada em agosto, talvez tenha sido a transação mais significativa dessa tendência ao longo de 2007.

No Brasil, pelo menos dois fatos emblemáticos reforçam a tendência: a compra pelo grupo da Rede Record – leia-se, Igreja Universal do Reino de Deus – das rádios Guaíba AM, Guaíba FM, TV Guaíba e jornal Correio do Povo, de Porto Alegre e a aquisição da Fernando Chinaglia Distribuidora pelo grupo Abril. Esta, se aprovada pelo Cade do Ministério da Justiça, significará o monopólio de facto na área de distribuição de revistas.

Por outro lado, a compra de operadoras de TV paga e provedores de internet por operadoras de telefonia confirma a tendência de concentração em empresas multimídia da distribuição, e eventualmente da produção, de conteúdos audiovisuais.

2. Concessões de radiodifusão

Apesar dos resultados concretos, até agora, serem mínimos, a boa nova é a Subcomissão Especial da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, que analisa ‘mudanças nas normas de apreciação dos atos de outorga e renovação de concessão, permissão ou autorização de serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens’, presidida pela deputada Luiza Erundina (PSB-SP). A subcomissão já aprovou novo Ato Normativo que regula a tramitação dos processos de concessão e renovação de concessões na CCTCI e parte do relatório final da relatora, deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG), que sugere, dentre outras medidas, alterar a Constituição para esclarecer a proibição de que políticos, no exercício de mandato eletivo, sejam concessionários do serviço público de radiodifusão.

No final do ano, noticiou-se que a Casa Civil estaria – pela primeira vez – exigindo do Ministério das Comunicações um conjunto de documentos para referendar a renovação de concessões de TV que venceram em 2006 e 2007, o que incluiria as cinco concessões da TV Globo (Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Recife), a TV Bandeirantes (em Belo Horizonte), a TV Record (Rio de Janeiro), a SBT (Rio de Janeiro) e outras sete emissoras. É ver para crer.

3. Digitalização

As esperanças da digitalização da radiodifusão, alimentadas durante anos pelos movimentos sociais envolvidos na democratização das comunicações e confirmadas temporariamente pelo Decreto 4901/2003, que criou o SBTVD-T, não se realizaram. Em julho, afirmei: ‘Parece que a disputa entre aqueles que querem aumentar a pluralidade dos emissores na radiodifusão e os que pretendem perpetuar o poder dos atuais concessionários ainda não se encerrou’.

Com o início das transmissões digitais de TV, no dia 2 de dezembro, entra em vigor a consignação de mais seis MHz para cada um dos atuais concessionários e parece não haver dúvida de que as enormes potencialidades que a digitalização oferece, sobretudo para a multiplicação dos concessionários, não serão aproveitadas nem na TV nem no rádio.

4. Inclusão digital

Esta é uma área em que estamos avançando e onde perspectivas promissoras se abrem para a democratização das comunicações. Tanto no que se refere à implementação de políticas públicas, como ‘Computador para Todos’, quanto no acesso possibilitado por telecentros de programas como os ‘Pontos de Cultura’.

A pesquisa TIC Domicílios, realizada pelo Comitê Gestor da Internet, indica que, em 2005, a proporção de domicílios com computadores era de 16,91% e, em 2006, o índice aumentou para 19,63%. Dados da Consultoria IT Data, revelam que foram vendidos 10 milhões de computadores este ano. Esse número representa um crescimento de 23% em relação a 2006. Além disso, o projeto ‘Um Computador por Aluno’ (UCA), do MEC, promete fornecer 150 mil laptops para 300 escolas do seu piloto em até 120 dias após a conclusão do pregão eletrônico que estava sendo realizado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) na terceira semana de dezembro.

Paralelamente, segundo dados do Ibope/NetRatings de setembro, a internet contava com 20,1 milhões de internautas domiciliares ativos, navegando em média 22 horas por mês na web.

5. Interpretações legais

Dois fatos merecem registro especial: um alimenta a esperança de que membros do Judiciário estejam atentos ao enorme poder que a mídia exerce nas sociedades contemporâneas; outro revela uma interpretação polêmica do Ministério Público Federal (MPF) das normas que regem o controle, por políticos, de concessões de radiodifusão.

Primeiro, o voto do ministro Cezar Peluso, no Tribunal Superior Eleitoral, em setembro, sobre o pedido de cassação do mandato da senadora Rosalba Ciarlini (DEM-RN), acusada de abuso do poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação. Ele se valeu de, pelo menos, dois argumentos fundados nos estudos de mídia e esse, certamente, não é um fato comum nos julgamentos das instâncias superiores do judiciário brasileiro. Além disso, o ministro Peluso levantou, implicitamente, importantes questões: seria democrática a disputa entre um candidato que não tem, ou tem pouco acesso à mídia, e outro que conta com o apoio maciço da mídia controlada por ele próprio ou por seus correligionários? O horário gratuito de propaganda eleitoral, garantido por lei, seria suficiente para corrigir essa assimetria, sobretudo em eleições para cargos majoritários, como os de senador, governador e presidente da República?

Segundo, a interpretação do MPF. Em seis ações civis propostas na Justiça Federal, em julho, pela anulação das concessões de rádio a políticos que votaram nas sessões da CCTCI que renovavam suas próprias concessões, o MPF interpreta que a Constituição ‘coíbe apenas a participação dos parlamentares na gestão das empresas concessionárias do serviço (de radiodifusão)’, e permite, inclusive, ‘a celebração de contratos com o ente público, desde que obedeçam a cláusulas uniformes’.

6. Rádios comunitárias

Essa é uma área crítica onde os problemas se avolumam e não se encaminham propostas efetivas de solução.

Não houve qualquer avanço na regulação das RadCom. Elas continuam regidas por uma lei segregacionista e sofrem repressão constante da Anatel e da Polícia Federal de maneira totalmente assimétrica em relação à fiscalização exercida sobre as concessionárias comerciais privadas de rádio.

Por outro lado, pesquisa parcialmente financiada pelo Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor), e publicada neste Observatório (‘Rádios Comunitárias: Coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004) – As autorizações de emissoras como moeda de barganha política‘, arquivo PDF 1,72 MB), revelou como o próprio processo de autorização das RadCom está contaminado pela política partidária e por outras ilegalidades. Entre as 2.205 rádios autorizadas entre 1999 e 2004, existiam vínculos políticos em 1.106, ou 50,2% delas, distribuídas em todos as regiões do país. Foi também identificado um número considerável com vínculos religiosos: 120, ou 5,4% do total. E, finalmente, comprovou-se a existência de duplicidade de outorga em 26 ou 1,2% das associações ou fundações comunitárias.

7. Regulação da radiodifusão

O CBT completou 45 anos e mais um ano termina sem que o país tenha a esperada – e mais do que necessária – Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa.

Tramitam no Congresso Nacional projetos de regulação setorial, representando interesses identificáveis dos principais atores que disputam o mercado de comunicações. O substitutivo do relator de um desses projetos (o Projeto de Lei 29/2007), já aprovado na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, provocou uma forte reação liderada pela Associação Brasileira de TV por assinatura (ABTA). No início de dezembro, foi lançada a campanha ‘Liberdade na TV’, contra o que a ABTA chama de ‘imposição de cotas de conteúdo na programação e no empacotamento de canais pagos’, tendo sido criado um site que tem como objetivo ‘mobilizar os assinantes do serviço, que pagam a conta e terão sua liberdade de escolha limitada’.

8. Sistema público de comunicação

Este ano ficará marcado pelo nascimento da Empresa Brasil de Comunicação (EBC/TV Brasil), resultado da fusão da Radiobrás com a ACERP/TVE, mais a TVE do Maranhão e o canal digital de São Paulo (por enquanto). Sua conformação final dependerá do texto que surgir da MP 398/07, que já recebeu 133 emendas e, segundo o próprio relator, deputado Walter Pinheiro (PT-BA), deverá ser alterado, pelo menos em relação à definição de fontes de financiamento, às regras para publicidade e à composição do Conselho Curador.

Apesar das críticas que podem ser feitas ao processo de sua implantação – e são muitas –, a TV Brasil representa um avanço: existe agora uma televisão que institucionalmente se define como pública e a disputa para definir o que é uma TV Pública se desloca agora para a sua prática.

Por outro lado, não existe argumento capaz de justificar a total marginalização, pelos condutores do projeto da TV Brasil, dos movimentos sociais que lutam pela democratização da comunicação (alguns, há décadas), dos pesquisadores (acadêmicos ou não) que têm contribuído para a produção de conhecimento na área e dos trabalhadores da comunicação não-comercial. Esses setores participaram, inclusive, da preparação e da realização do I Fórum Nacional de TV Públicas, realizado em maio. Essa marginalização paradoxal e contraditória exclui do âmbito da TV Pública (até agora) exatamente aqueles cuja legitimidade para representar o interesse público seria a menos questionável.

9. Participação da sociedade civil

Duas ações importantes expressam o trabalho das organizações da sociedade civil ao longo do ano: o Encontro Nacional de Comunicação, realizado em maio, com o apoio das Comissões de Direitos Humanos e da CCTCI da Câmara dos Deputados; e o lançamento, em outubro, da Campanha por Democracia e Transparência nas Concessões de Rádio e TV, sob o mote ‘Concessões de rádio e TV: quem manda é você’ [www.quemmandaevoce.org.br]. Essas iniciativas mostraram que os ‘não-atores’ históricos estão organizados e articulados.

Fatos posteriores, no entanto, sobretudo em relação ao encaminhamento dado à realização da Conferência Nacional de Comunicação e ao projeto da Empresa Brasil de Comunicação, revelaram que pouco (ou nada) mudou na real correlação geral de forças do setor. Os movimentos sociais continuam sem voz e sem representação efetiva na tomada de decisões e na execução das políticas públicas das comunicações.

10. Transparência do Ministério das Comunicações

O cadastro com os nomes dos sócios das emissoras de rádio e de televisão do país – ao qual o público havia tido acesso, pela primeira vez, em novembro de 2003 – desapareceu do site do Ministério das Comunicações. Um ‘recadastramento’ dos concessionários foi anunciado em agosto para ser concluído no prazo de 60 dias. Mais de dois meses se passaram, mas o púbico continua sem acesso ao cadastro geral de concessionários.

O Ministério das Comunicações, que já mantinha em segredo os contratos de concessão do serviço público de radiodifusão, voltou, a partir deste ano, a tratar como segredo de Estado também o cadastro de concessionários. [Continua na próxima edição]

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)