Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Extra scientia nulla salus ou extra ecclesiam nulla salus

Se procurarmos a alocução latina acima, ela nunca foi usada. É uma adaptação da afirmação sobrenatural feita pelo catolicismo de ‘Fora da igreja não há salvação (?)’ usada no título de artigo publicado neste Observatório por Moisés Viana, jornalista, poeta e autor de Louvores e preces a Maria, nossa Mãe e Tempo de Esperança e Realização, pela Paulus Editora. A Paulus Editora pretende ser uma editora multimedial a serviço do Evangelho. No dia 20 de agosto de 1914, padre Tiago Alberione concretizou um sonho alimentado por anos: fazer algo por Deus e pelos homens do novo século, nos relata a Wikipédia, a enciclopédia livre. Deu então início, juntamente com um grupo de estudantes, à Escola Tipográfica Pequeno Operário, que logo veio a ser chamada de Pia Sociedade de São Paulo: uma instituição religiosa com a missão de evangelizar (converter [alguém] à religião, pregando o Evangelho, difundindo a palavra constante do Evangelho – a doutrina cristã, a palavra proferida por Cristo) com os meios multimídia.

Queixa-se Moisés Viana (não falar depreciativamente dos outros [Levítico, 19:16]) da revista: ‘Percebe-se uma característica interessante da revista, onde os discursos e símbolos assumem uma posição ideológica, filosófica, exposta através das linguagens usadas: palavras, figuras, símbolos e infográficos.’ Mas não foi este também o objetivo e os meios usados pela fundação do padre Tiago? Onde se encontra o pecado nisto? Qual o objetivo do catolicismo em difundir santinhos e estátuas de gesso de figuras míticas ricamente coloridas dentro dos templos proibidas na Bíblia: não fazer um ídolo para outros (Levítico, 19:4); não fazer formas humanas nem com propósitos decorativos (Êxodo, 20:20); não tornar uma cidade idólatra (Êxodo, 23:13); incendiar uma cidade que passou a praticar idolatria (Deuteronômio, 13:17). Vê-se que a superficialidade é abordada pelos alegados emissários atuais. A ciência vai ao fundo das alegações religiosas, não ficando nas apregoações de milagres e curas sem comprovação, como desejam. A qual dos Deuses a ciência deveria se curvar, dos milhares existentes? Apenas ao que o jornalista escolheu ser devoto?

Informar sem proselitismo

Refere o jornalista que um amigo seu, professor de geografia, informou-o pelo MSN Messenger (antigamente alegavam que tinham sido pelos anjos) sobre a reportagem de capa da revista Superinteressante do mês de dezembro de 2007, pois o mesmo ficou preocupado com a forma pela qual essa revista tratou um tema: ‘Sexo na Igreja’. O porquê o mesmo o informou, ele não relata. Nós podemos criticar uma notícia errada, mas não uma informação fornecida. Afinal, casos de pedofilia praticados décadas atrás – sendo finalmente pagas as indenizações das penas – são lidos seguidamente em revistas e jornais não de divulgação científica. E os casos atuais mostram que não houve uma proteção da fé para os que praticam, e muito menos medidas eficazes de quem deveria ter tomado atitudes para proteger o seu ‘rebanho infantil’. O inusitado talvez sobre o tema é o comportamento da Igreja católica sobre o assunto. Tentar proteger o faltoso e execrar a vítima. Houve um excelente documentário da BBC sobre o assunto, por sinal. Incluindo casos brasileiros e as perseguições de quem quis relatar os abusos. Não possui nenhuma novidade o assunto, a não ser a persistente falha da religião de prevenir estas faltas morais em seus sacerdotes e dos praticantes para se tornarem pessoas melhores via pela fé como alegado.

Mas o nosso articulista religioso pesquisou nas últimas vinte e quatro edições as capas das mesmas (suponho que a matéria do sexo não motivou divergência, pois não comentou o que estaria errado no seu conteúdo). Encontrou oito capas sobre fatos que não se pode dizer que não existam razões para serem divulgadas: fatos históricos, alegações sobrenaturais e o contraste entre o criacionismo fundamentalista a ciência. A maioria talvez despertada pelo sucesso do romance de Dan Brown sobre o segredo do Código Da Vinci. E como o catolicismo se fez ‘verdade’ pela intolerância, eliminação de todas as formas de fé e crenças divergentes pela espada e pelo fogo, é evidente que a nossa história se relaciona principalmente à sua influência e à sua existência. Não existem motivos para se silenciar sobre a realidade histórica do passado. É outro grupo que pede que se esqueça o que fizeram, disseram e prometeram. Querem novo campeonato, bola no centro e tudo novo a partir do zero, como se nada tivesse ocorrido nestes dois mil anos que precisássemos saber. Não é este mesmo o objetivo do jornalista, informar o público sem fazer proselitismo?

Verdade e fantasia

O que é a salvação para ele não foi esclarecido, para poderem as suas palavras ser mais bem abalizada na sua crítica ao conhecimento científico e o saber emanado por ele. Lembro Sigmund Freud (1856-1939), com a frase com a qual termina o livro Futuro de uma ilusão: ‘Não, nossa ciência não é uma ilusão. Mas uma ilusão seria supor que aquilo que a ciência não nos dá, possa ser obtido fora dela.’

Se a salvação se refere a salvar a alma para a vida eterna, a miríade de crenças e fórmulas mágicas, as mais difundidas foram impostas a ferro e fogo, e as apregoadas (quando minoria) livremente no mundo, provam a necessidade para quem deseja realmente saber qual tenha a chance de ser verdadeira, fora do poder econômico conseguido pela arrecadação do dízimo, deveria ser um trabalho para a ciência e pelos que almejam conseguir este tipo de salvação com uma análise honesta e ampla. Será que só porque foi criada em determinada crença ou seita ela vira esta fórmula mágica? Afinal, para quem acredita pode ser a diferença entre penar a vida eterna e a salvação para um dos vários tipos de paraíso alegados e improváveis de existirem. Pagar o dízimo crendo que Deus precisa disto neste vasto Universo pode ser a melhor maneira de estar sendo enganado apenas. Ele passou muito bem por milênios para agora precisar de templos dourados cheios de contribuintes. Mas é impossível deixar de questionar, a religião nos salva do que mesmo para que o jornalismo ou a ciência se omita? ‘Todas as religiões são a verdade sagrada para quem tem a fé, mas não passam de fantasia para os fiéis das outras religiões’, diria Isaac Asimov.

Opressão do falso

No entanto, se salvação se refere à ignorância, às doenças, à prevenção das mesmas, a uma vida mais sadia, a proteção contra desastres naturais, a não temer a montanha, o fogo, a noite e a escuridão, então a religião não forneceu jamais esta proteção fora da ilusão. Mas inegavelmente a ciência tem fornecido respostas para melhorar a qualidade de vida das pessoas e a proteção e recuperação da saúde, apenas para mostrar as mais essenciais para as pessoas que vivem sem a real compreensão da ciência no seu dia-a-dia, a mais das vezes sem perceber que tudo isto não foi criado ao acaso e que foi conseguido com muito esforço pela engenhosidade humana. Por que cortar cabelo (Levítico, 19: 27.), raspar a barba e o preconceito com a menstruação (Levítico, 15:19-24) acabou? Porque o conhecimento científico demonstrou a normalidade do ato e a fisiologia dos mesmos. O livro do Levítico, 25: 44, estabelece que se podem possuir escravos, tanto homens quanto mulheres. Permissão Dele. Mudou de opinião ou fizeram Ele mudar? Mas esta é mesmo a função da imprensa e do jornalismo, informar? Cabe a quem alega provar o contrário, não mandar calar.

Queixa-se o autor que ‘o discurso de Superinteressante torna-se palco de uma luta e assume um caráter de configuração ideológica anti-religiosa’. Nada de novo no comportamento do Catolicismo nestes dois mil anos de censura e da criação da Santa (vejam só) Inquisição, o Inquisitio Haereticæ Pravitatis Sanctum Officium e do Index Librorum Prohibitorum, com o objetivo de perseguir os que não concordavam com sua pregação e proibir seus leitores para não perder o seu rebanho servil. Afinal, possui a mesma inúmeras mídias apenas voltadas para pregar livremente a sua ‘verdade’ para a salvação. E quantos autores hoje considerados clássicos, estiveram proibidos pelo Index, quantos foram ameaçados ou até mortos pela opressão do falso? Do tragicamente falso.

A santa falta do saber

A ciência não se coloca com possível de responder às questões ‘morais, sociais, filosóficas, existencialistas e religiosas’. Esta foi uma promessa da religião, fato porque até hoje religiosos se negam a considerar o evolucionismo, pois lhes afetam a fé. São estas questões que se usam do conhecimento científico para serem formuladas e teorizadas. Dela se tira à possibilidade de ser e de fazer, e para ela, a vontade se desenvolve a tecnologia possível, para dentro de filosofia de um povo, se conseguir atingir os seus objetivos políticos. Foi o que a Igreja fez com o conhecimento científico que adquirira ao construir os instrumentos de tortura da Santa Inquisição – balcão de estiramento; cadeira das bruxas; cadeira inquisitória; cadeira inquisitória menor; caixinha para as mãos; despertador; cavalete; cegonha; esmaga-cabeça; esmaga-joelho; esmaga-polegar; esmaga-seios; forquilha do herege; garrote vil; guilhotina; machado, entre outros. A desculpa que foram os homens, e não a religião ou Deus, não modifica em nada, pois justamente o que alegam os crentes de fé, que a religião é essencial para melhorar as pessoas. Ora, a pedofilia e os exemplos históricos mostram que não serviram mais do que outras práticas civilizadoras. Se tudo isto não bastasse, devemos aceitar calados absurdos como um Deus encarnado ser morto pelo povo que Ele havia escolhido (em detrimento de outros) para salvar as pessoas que ele não tinha escolhido? Mais ainda, que o Mesmo ressuscitou e subiu aos céus em carne e osso (para fazer o que com ela lá)?

Alegar que religião é uma manifestação humana que se encaixa como expressão necessária à vida e existência, a religião com um caráter essencial na humanidade, não passa de um valor particularíssimo do autor. Tanto que os que escrevem a revista não consideram isto e continuam vivendo. Não são monstros ou alienígenas. Sem considerar enorme quantidade de pessoas descrentes que continuam cumpridoras de seus deveres e amam suas comunidades e semelhantes. Que são ateus e as que nem pertencem a nenhuma religião. O fato de que um grande número de pessoas ter sido obrigado a ser educada neste sistema de crenças diversas com este objetivo mítico, porque nunca tiveram chance de pensar de forma livre e diferente, não as fazem melhores do enorme contingente de pessoas que não crêem. Os crentes Maias e Astecas, os seguidores de Assur, Marduk, Thor, Ganesh, Ápis, Orus, Amom, Zeus, Afrodite, Júpiter, Imhotep (são milhares) e os atuais, contam com algo mais do que a ilusão de um mundo imaginário? Será que estão livres do que padecem os animais? Doenças, fome, calamidades, secas e terremotos por contarem com esta proteção? Não, apenas a ilusão.

Por fim, cita Wittgenstein: ‘Sentimos que, mesmo que todas as possíveis perguntas científicas tenham tido respostas, os nossos problemas vitais ainda não foram nem tocados’ [Tratactus Logico-Philosophicus – 6.52]. Um argumento ad ignorantia, pois só podemos saber se foram tocados depois, não antes, quando se ignora tudo. Ou, simplificando, o ignorante sabe mais por ter se mantido na mais profunda santa falta de saber? Nada do que seja função da imprensa fazer.

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Médico, Porto Alegre, RS