Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Eclipse jornalística

Todos se lembram quando o maior demagogo da história capitalizou as dificuldades financeiras para envenenar o povo alemão com as quimeras da vingança.

Aí seguiu o fechamento do parlamento, a mordaça na imprensa, a adesão do grande capital e a submissão das forças armadas. Os judeus estavam na primeira fila do ódio do Füher, depois viriam os ciganos, os negros… Era a marcha da insanidade. Como é odioso o preconceito e a que ponto pode chegar!

Li perplexo o ataque que a Folha fez no editorial "Pescaria fisiológica" (4 de abril) ao Ministério da Pesca e Aquicultura e a mim, o ministro, há apenas 28 dias no cargo.

Cabe primeiro, quanto a compra das lanchas, resgatar a verdade do entulho de mentiras e injúrias. São boas e necessárias, e isso foi escrito na ata de recebimento das lanchas por oficiais da Marinha. Convenhamos, ninguém entende mais de barco que eles. Demoraram a entrar em uso? Sim. Mas nem todas.

Em visita a Campo Grande, conversei com o coronel Matoso, do Batalhão Florestal, que disse usar diariamente a lancha para reprimir a pesca predatória no Rio Paraguai.

Do mesmo modo, os técnicos do BNDES consideram o potencial de produção de pescado do Brasil, sobretudo na aquicultura, um segundo pré-sal. Irrelevante, portanto, não é o ministério -é o editorial.

Promoção do preconceito

Fosse apenas essa a crítica, paciência, porque se entende a imprensa, mesmo com as suas demasias.

O que não se entende é que a Folha procure detratar a pessoa do ministro por ser "bispo evangélico e cantor gospel", como se isso me desqualificasse a priori.

E a partir daí, cada letra de cada palavra do editorial, cada palavra de cada linha e cada linha de cada parágrafo escorrem a baba envenenada do preconceito. Na sanha implacável do insulto, insinua que a prática de colocar minhoca no anzol é um imperativo técnico-científico para o exercício do cargo de ministro da Pesca e Aquicultura.

Ora, como se o ministro da Defesa atirasse de canhão, o dos Esportes fosse atleta ou o Serra, quando na Saúde, soubesse aplicar injeção.

O problema, contudo, não é a minhoca. O problema é o "bispo evangélico". Isso por si só já basta para, em uma trama cerebrina, a Folha maldar que barcos e bispos se compram com o dito fisiologismo do PT.

Ora, devagar. Que o jornal tenha a sua concepção de governo e o perfil de quem deve ou não participar do ministério, é natural e devemos respeitar, ainda que os 77% de aprovação da presidenta, mesmo depois de ter nomeado um ministro evangélico sem o consentimento e a aprovação prévios da Folha, mostrem o contrário.

O que devemos repudiar é que, em plena Semana Santa, o jornal use de sua verve para promover o preconceito contra os evangélicos e, por tabela, contra a liberdade de culto e a livre expressão do pensamento.

Distante da democracia

Comportamentos do gênero, sabemos pela história, se extravasam sempre na intolerância, na truculência, na opressão e no ódio.

E já não é de hoje que a Folha assume o melancólico papel de vanguarda de uma imprensa facciosa e inimiga jurada dos evangélicos. Como agora nessa espécie de libelo do Santo Ofício da Inquisição.

Será esse o papel da Folha? Capitalizar a indignação popular por supostos escândalos ainda investigados pelo TCU para envenenar seu público numa cruzada contra evangélicos em uma luta fratricida sem ideal, sem nobreza e grandeza?

Que lamentável eclipse jornalístico, tão distante das tradições democráticas que fizeram da Folha o maior jornal do país.

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[Marcelo Crivella é ministro da Pesca e Aquicultura]