O programa Pânico mudou de emissora e vem oferecendo à Band boa audiência no domingo à noite. O esquema da atração não mudou quase nada. Só as panicats, mas a gente nem percebe muito, pois o “perfil corporal” é o mesmo. Desde seu lançamento na Rede TV, em 2003, o Pânico abre ao público seus estúdios, seus bastidores, imita personalidades, persegue celebridades e ironiza os elementos que constituem o imaginário televisivo. O programa se propõe a fazer um discurso crítico e anuncia seu desejo de ser diferente em meio à uniformização dos programas de humor na TV, mas está sujeito à mesma estrutura que supostamente deseja revelar e criticar.
Será que além de fazer rir, o Pânico possuiria alguma outra finalidade e um discurso realmente subversivo e anárquico? Ou estaria o programa desempenhando um papel ideológico que banaliza o cidadão e a sociedade, apelando apenas para a catarse, camuflando uma estrutura constituída por elementos que, ao invés de criticar e acenar para a realidade, reproduzem relações distorcidas e alienantes?
Somos testemunhas de um tempo em que a TV, além de vender mercadorias, vende a si mesma como atração, entretenimento; um tempo em que as imagens, as ideias e os pensamentos são exibidos explicitamente, mas correm os riscos da distorção em função do imaginário, que é como vivemos mentalmente a estrutura e nos relacionamos com as condições reais da existência. Assim, “a TV, ideologia refeita em entretenimento, alivia a dor da realidade à medida que a nega”, nas palavras de Eugenio Bucci.
“TV é assim mesmo”
Um dos segredos do Pânico, programa segmentado entre jovens das classes A e B, é trazer à tona vivências, memórias experiências televisivas, musicais, sociais e econômicas. Em outras palavras, o programa está imerso na cultura. Pela cultura que, na definição do semiólogo francês Roland Barthes, inclui as memórias, saberes e conhecimentos adquiridos no decorrer da história, somos remetidos às “citações sem aspas”, aos textos que compõem a nossa trajetória e nos ajudam a constituir a nossa forma de sentir o mundo. O mesmo autor afirma que a forma bastarda da cultura de massa é a repetição vergonhosa: repetem-se os conteúdos, os esquemas ideológicos, a obliteração das contradições, mas variam se as formas superficiais: há sempre livros, emissões, filmes novos, ocorrências diversas, mas é sempre o mesmo sentido. Cultura não é apenas aquilo que se repete, mas, sobretudo, aquilo que se mantém no lugar.
Traçando uma relação entre esse conceito de cultura, o que podemos observar no Pânico na Band, percebemos que as produções televisivas que nos marcaram, bem como as celebridades e personalidades que habitam esse mundo, vivem intensamente dentro de nós, de forma que, como num círculo permanente, a TV faz o sentido, o sentido faz vida, que por sua vez faz a televisão, num círculo de auto-referencialidade marcado pela repetição.
O programa abole a complexidade dos atos humanos, negligenciando a toda e qualquer explicação. Pelo riso, a realidade se reduz ao anedótico. A contingência é transformada em eternidade, o que aparece muito bem no tratamento dado aos temas de relevância social e interesse público; o que pode parecer uma crítica termina por induzir a uma síntese que não existe, visto que não foi deflagrado o conflito. Pânico não questiona realmente o paradigma televisivo, mas trilha os mesmos caminhos por que outros já passaram, dando apenas novas cores ao mesmo, pois, na síntese do discurso mítico do programa, está implícita a afirmação de que a “TV é assim mesmo”.
Do prazer à fruição
Pânico na Bandou Pânico na TV, não importa em que emissora ou em que tempo, nos mantém como voyeurs, num espaço controlado, com a valorização dos efeitos de excitação em escala crescente. Para tanto, utiliza um texto de conotação sexual, o corpo feminino desnudo, gestos histriônicos. Há pouca novidade. O programa é refém de seu próprio discurso.
Pelo caráter humorístico, se o programa quiser, assim como outras produções televisivas, pode teimar, ou seja, ir ao revés, deslocar-se para onde não se é esperado. Todavia, o poder gregário presente na audiência e nas relações econômicas pode bloquear essa trajetória ou mesmo ratificar e reproduzir o próprio deslocamento, de modo que aquilo que seria capaz de gerar uma ruptura acaba, pela repetição, voltando-se contra a própria intenção original. Essa insistência repetitiva leva à saturação, como ocorre nas telenovelas, humorísticos e reality shows. Quando o deslocamento acontece, temos um bom programa de TV, assim como o texto de fruição, que nos faz levantar a cabeça, olhar, ouvir e pensar em outras coisas, tomar atitudes.
Precisamos passar do estágio do prazer para o de fruição, do mostrar as imagens para o pensar sobre o que vemos. Será que pode nos ajudar nesse desafio, Pânico na Band?
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[Alexander Goulart é jornalista e doutor em Comunicação]