Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A mídia sabe como as crianças morrem

Vimos em todas as emissoras de TV, ouvimos em todas as estações de rádio, revisitamos em todas as revistas da semana e em sites. O menino João Hélio morreu no dia 7 de fevereiro. Imagens reiteradas e comentários insistentes alimentaram um surto de ira. Em breve, restará uma vaga lembrança nossa e a inapagável dor da família.

No Brasil, diariamente, morrem crianças de todas as classes sociais, em grandes centros urbanos ou longe deles, pelos motivos mais terríveis. João Hélio foi arrastado pelo carro dirigido por assaltantes. Outras crianças morrem atingidas por balas perdidas. Outras morrem no ventre materno, vítimas do aborto, ou são abandonadas em lixeiras assim que nascem. Morrem bebês em maternidades de quinta categoria. Outras crianças morrem na piscina ‘segura’ de um prédio ou clube. Nossa revolta será sempre pouca e impotente para evitar novas mortes horríveis.

Indignação sem fôlego

A mídia sabe de que modo nossas crianças morrem. Registra, divulga e vira a página. Nós lemos, ficamos sinceramente horrorizados, e tocamos a vida.

Morrem crianças dilaceradas por cães ferozes cujos donos se orgulham de ter essa ‘arma’ em seu quintal. Morrem crianças em desabamentos causados por chuvas fortes, as mesmas chuvas de todos os anos e que, todos os anos, causam desabamentos…

Há poucos dias, 14 de fevereiro, em Ponta Grossa, uma garota de dois anos e meio, já hospitalizada, morreu porque não foi removida a tempo para a UTI. Quantas crianças morrerão por falta de assistência médica, Brasil afora? Nossa indignação ficaria sem fôlego se soubéssemos de tudo.

A violência gerada pelas violências

Em março de 2005, uma menina de 2 anos, no Rio de Janeiro, foi estuprada pelo padrasto e faleceu. Mas quantas outras sobrevivem, marcadas para sempre pela hediondez de um pedófilo?

No mesmo ano de 2005, um garoto de 5 anos foi picado mortalmente por jararacas escondidas na piscina de bolinhas de um Mc Donald’s, em Goiânia. Mera fatalidade? Quem tem filhos sente um frio na espinha.

Crianças do mundo inteiro. A Unicef afirma: a cada hora morre uma criança torturada pelos próprios pais. A cada cinco segundos, informa a ONU, uma criança morre de fome em algum lugar do planeta.

Potencializada pela mídia, a morte de João Hélio produziu angustiada solidariedade. Contudo, basta informar-se melhor para constatar o quanto nossas crianças estão e continuarão à mercê da violência. Da violência gerada por outras violências.

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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br