Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Os caminhos da pequena imprensa independente

 

Os royalties do pré-sal, um dos vetores do desenvolvimento do país, poderá causar um forte impacto na economia de diversas cidades do litoral brasileiro entre o Espírito Santo e Santa Catarina. Mas a pequena imprensa destas localidades também será beneficiada com os royalties que podem triplicar nos próximos anos? Para comemorar os 14 anos do Observatório da Imprensa na TV Brasil, o programa exibiu uma edição especial na terça-feira (1/5) dedicada à mídia regional. O programa ouviu a opinião de representantes da imprensa de Campos e Macaé, no Rio de Janeiro; de Vitória, no Espírito Santo e de Santos e São Sebastião, no litoral paulista. Entrevistou também especialistas em Comunicação e Publicidade. A equipe do programa percorreu cerca de 3 mil quilômetros e gravou 17 entrevistas em ao longo de três meses.

Alberto Dines gravou o editorial que abriu o programa em um navio petroleiro da Petrobras. Dines explicou que o fato de o pré-sal estar próximo aos locais onde estão instalados os maiores grupos de comunicação do país – nas regiões Sul e Sudeste – não garante que a população será bem informada. “A grande imprensa precisa de uma pequena imprensa e ela, sim, pode ser a fiscal da sustentabilidade. Uma pequena imprensa local precisa ser reflexo de uma economia ativa, movimentada, sem interesses espúrios forçando o noticiário para um lado ou para o outro”, alertou. A sentinela da sustentabilidade do projeto do pré-sal e de outros polos de desenvolvimento futuros, na opinião de Dines, será sempre uma pequena imprensa ágil, livre e, sobretudo, independente.

Atualmente, o petróleo é responsável por 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e o percentual pode dobrar em oito anos. O economista Sérgio Besserman chamou a atenção para a necessidade de um planejamento voltado para o desenvolvimento humano: “Se a gente pensar só em crescimento do PIB desses municípios, em dinheiro estritamente, é garantido que eles vão ter uma aceleração nos próximos anos muito grande. Nada garante os anos que virão depois. Mas nós sabemos que o desenvolvimento não é só isso, é também o desenvolvimento social”.

A chave para responder a essa questão, na avaliação do economista, é o conhecimento. “Aproveitar esse afluxo de recursos, investimentos e maximizar as oportunidades de acessar conhecimento daquela população. Qualidade de ensino público é, obviamente, um dos fatores centrais, mas não se esgota aí. É fazer aquela sociedade valorizar o conhecimento, toda ela – nas escolas, os pais, os fornecedores de serviços, o motorista de táxi – para atrair centro produtores de conhecimento”.

Sem confiança

O economista Cláudio Paiva ressaltou que a experiência tem mostrado que a divisão dos royalties do petróleo é inadequada: “A pulverização desses recursos para os municípios necessariamente leva à corrupção, ao recurso que vai para o ralo, porque os municípios não têm capacidade institucional para o planejamento das ações. Há malversação desses recursos públicos, [em] projetos faraônicos”. Paiva argumentou que é preciso haver um controle social rigoroso sobre a aplicação desse dinheiro. Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), acredita que a população local não é bem informada sobre os números reais dos royalties do petróleo: “Esse pulo da produção, três vezes maior, vai também gerar três vezes mais dinheiro para os municípios e estados. Independente do Congresso Nacional aprovar uma nova distribuição, diferente da atual, vai haver mais recursos nos municípios e estados”.

O principal problema da imprensa regional brasileira, na avaliação do jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, é resultado da demora para que locais mais distantes dos grandes centros urbanos se transformassem em comunidades capazes de manter um jornal vibrante e independente. “Com exceção de alguns poucos títulos, nos polos de desenvolvimento do país, até 15, 20 anos atrás era raríssimo encontrar um jornal de alcance estadual ou de região dentro de um estado que fosse capaz de sobreviver apenas com a sua receita de circulação e de publicidade”, afirmou o jornalista.

Um exemplo do enfraquecimento da imprensa do interior é o destino do jornal Monitor Campista. Publicado durante 175 anos no norte fluminense, o jornal parou suas rotativas em 2009. De acordo com os Diários Associados, grupo que controlava o Monitor, o fechamento foi causado por questões econômicas. Para o professor Vítor Menezes, da Uniflu, há também componentes políticos. “O Monitor Campista era um jornal que conseguia se colocar de modo mais digno com relação às questões políticas locais. Houve manifestação na porta do jornal, houve uma ou outra voz se rebelando contra a perda, que não é só uma perda para o jornalismo, é uma perda histórica, é uma perda cultural. Mas não foi muito além disso em uma cidade com orçamento de R$ 2 bilhões e uma região que se diz promissora em termos empresariais, econômicos. Esse jornal não pareceu fazer falta a uma sociedade dessa”.

De acordo com o professor, parte da população campista não vê a imprensa como uma instituição relevante. “A gente tem uma imprensa aqui muito polarizada. Eu acho que isso é muito comum na imprensa regional, onde os veículos de comunicação se comportam como correias de transmissão das disputas políticas locais. Às vezes, a gente identifica de forma mais açodada questões financeiras ligadas ao falecimento dos jornais, mas também não temos tido uma sociedade que cobre a sobrevida desses jornais. Não é só dinheiro que faz jornalismo. É a vontade da sociedade em manter as suas instituições e manter também o jornalismo no papel que ele deve ser desempenhado”, avaliou Vitor Menezes. A imprensa regional acaba se atendo a responderdisputas de interesse local que, muitas vezes, não têm interesse jornalístico.

O panorama se reflete em Macaé, cidade que cresceu no lastro do petróleo a partir dos anos 1970 e tem alto índice de concentração de riqueza. “Existiamgrupos de imprensa, na época, que também eram jornais pequenos, provincianos, que se tornaram conglomerados. Essa concentração de poder, de dinheiro, na mão desses políticos, fez com que a imprensa se tornasse viciada porque tudo passou a girar em torno do dinheiro”, disse André Luiz Cabral, fundador do jornal Expresso Regional.

“A imprensa de Macaé hoje é uma imprensa em que a gente não pode confiar. Eu falo isso como jornalista, o que me dá uma tristeza muito grande. Ver em jornais, rádios, blogs, páginas em redes sociais, pessoas autoproclamadas jornalistas e até jornalistas mesmo com um certo nome de tradição na região, se venderem, se corromperem, inventarem mentiras, pessoalizarem processos políticos, adjetivarem matérias e usarem tantos artifícios que não condizem com jornalismo”, lamentou Cabral.

Segredo de Polichinelo

Em São Sebastião a imprensa também enfrenta dificuldades estruturais. Henrique Veltman, que foi proprietário do jornal Imprensa Livre entre os anos de 2001 a 2006, classifica o litoral paulista como um deserto de ideias e de competências:“Eu tive uma repórter em Caraguatatuba que era pós-graduada pela Universidade de Taubaté e era absolutamente analfabeta. É um exemplo clássico do que a gente tinha lá. O jornal é de um puxa-saquismo… São muito pouco interessados no bem-estar da população local. Muito pouco consistentes, mal escritos, textos ruins, conteúdo de má qualidade. Às vezes aparece uma coisa boa, mas é sem querer. Às vezes aparece um carinha escrevendo direitinho. E há os colaboradores locais. Então o cara, o advogado, o dono da mercearia diz: ‘Ah, eu fiz uma poesia para o aniversário da minha mãe’. ‘Então, bota lá’.Proust impera no litoral: estamos todos em busca do tempo perdido”.

O Observatório discutiu a controversa relação da pequena imprensa com o poder local. Barbosa Lemos, diretor geral da Rádio Campos Difusora, admitiu que a mídia do interior não se mantém sem o apoio do poder: “Ninguém consegue, em sã consciência, fazer um jornalismo, um rádio, eminentemente independente. Existe, sim, comprometimento. Sem comprometimento você não sobrevive, não tem como”. José Roberto Mingnone, gerente de programaçao da Rede Sim, de Vitória, completou: “A gente não tem condições de ter essa independência por umas questões lógicas. Precisamos ser independente, mas tem que chegar com o pires na mão”.

André Cabral explicou que há um ciclo vicioso nessa relação entre política e mídia em cidades pequenas. “Quem está no poder quer continuar no poder, não quer sair de jeito nenhum. Todo mundo que fala contra ele, ou contra o que ele está fazendo, ele vai tentar neutralizar de alguma forma. Se não consegue comprar aquele cidadão, faz um acordo financeiro para a aquela pessoa mudar o discurso. O governante vai ao comerciante e fala: ‘Você vai anunciar nesse jornal? Esse jornal é meu inimigo’”.

Para a imprensa do interior, não é fácil manter-se à parte das lutaspelo poder protagonizadas por políticos. “Os veículos, como não são feitos em Marte, são feitos dentro de um determinado contexto histórico e econômico, eles também são parte dessa disputa. Eles se submetem a um determinado cenário e quando menos percebem já não estão mais fazendo jornalismo direito. Estão fazendo nas Redações material quase publicitário dos interesses do dono do veículo ou do padrinho político ou do eventual patrocinador daquele determinado veículo. Enfrentar essas coisas é difícil porque passa por uma questão de sobrevivência econômica”, explicou o professor Vitor Menezes.

Esta relação torna-se ainda mais complicada em pequenas cidades por conta de laços de amizade dos donos de jornais com políticos. “É muito fácil você encontrar os governantes, encontrar os grandes anunciantes, você ser amigo”, disse Márcio Delfim, gerente de comercialização e marketing do jornal A Tribuna, de Santos. Vitor Menezes explicou que um veículo de comunicação do interior não olha uma prefeitura como um agente público que deve ser cobrado, mas sim como uma fonte de recurso e um anunciante em potencial.

“Como ser independente em um cenário desse?”, questionou Vitor Menezes, professor da Uniflu. Ele explicou que há uma interdependência entre a mídia regional e os políticos com variações históricas e também uma interpenetração – porque, no Brasil, alguns grupos poderosos de mídia regional são controlados por famílias de políticos tradicionais.

O Observatório mostrou a luta do jornal capixaba Século Diário contra o ex-governador Paulo Hartung e grandes empresas que podem estar ameaçando o meio ambiente no Espírito Santo. José Rabelo, coordenador de conteúdodo jornal, contou que a publicação já sofreu mais de 40 processos: “Nós sempre denunciamos irregularidades dos grandes grupos. Quando eu digo grandes grupos, estou falando da Daicros, que hoje é Fibria, a Samaco, a Vale, as grandes mineradoras. A partir do momento em que assumimos essa bandeira de jornalismo denuncista, a gente criou inimigos. E depois a gente vai ter que pagar essa conta. Por um lado, eles não tinham interesse em anunciar conosco. Nós tivemos até alguns momentos em que eles procuraram o jornal querendo restabelecer o canal de comunicação, mas com aquela proposta: ‘A gente anuncia com vocês e vocês aceitam acabar com as matérias contra nós, que denunciam as irregularidades da nossa empresa’”.

As pressões contra a pequena imprensa chegam à violência física, como ocorreu no jornal Imprensa Livre. De acordo com Henrique Veltman, após uma série de denúncias contra o prefeito Juan Garcia, a prefeitura de São Sebastião decidiu parar de publicar editais no jornal. Em seguida, passou a fiscalizar com maior rigor os comerciantes que anunciavam no Imprensa Livre. “Culmina que em determinada madrugada entra um grupo de bandidos e ataca uma das impressoras. Não destruíram, mas provocaram danos e ameaçaram o pessoal. Havia dois redatores no jornal e botaram arma na cabeça deles. Parece segredo de Polichinelo, todo mundo sabe, quem, onde, quando e como, mas nada aconteceu”. Depois desse episódio, Veltman decidiu vender o jornal para o grupo político ligado ao prefeito.

Universalização da liberdade

Uma das principais queixas dos veículos regionais é a falta de publicidade, que acaba comprometendo a independência. Na avaliação de parte dos entrevistados, os políticos locais querem interferir na linha editorial do jornal em troca de publicidade. Já as grandes empresas e o poder público federal têm preconceito com os jornais do interior e preferem publicar os anúncios apenas em jornais de circulação nacional ou em emissoras de rádio ou TV das capitais.

O vice-presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP),Armando Strozenberg, explicou que os veículos regionais apresentam características diferentes e nem sempre é fácil identificar se um jornal tem credibilidade junto à população local. As informações passadas pelos jornais para os escritórios de representação contratados para fazer a ponte com as agências de publicidades nem sempre correspondem à realidade: “São poucos os veículos que, de fato, podem ter suas próprias equipes fazendo a sua própria venda. E esses escritórios de representação só aceitam veículos quando eles atendem a determinado pormenores ou a um sistema que eles têm de aferição, que lhes permite dizer: ‘Não posso vender gato por lebre’”. Para Strozenberg, a “grande doença” da mídia brasileira são os jornais “bissextos”, que não têm periodicidade regular e os preços não constam em tabelas públicas. São receptáculos de anúncios criados para funcionar como um negócio qualquer e não para serem lidos.

O jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva explicou que é preciso que as comunidades gerem riquezas capazes de manter os jornais com publicidade para que eles possam ser independentes do poder local: “Uns dos segredos, na minha opinião, da força da imprensa norte-americana, e da democracia norte-americana, é o fato de que desde o início do país a imprensa regional existiu e foi forte. À medida em que os trens eram construídos e levados para o resto dos Estados Unidos, eles eram sempre acompanhados por jornalistas. Então, os jornais eram capazes de se sustentar com relativa independência em relação ao governo porque as comunidades locais geravam riqueza capaz de se manter o jornal por meios de anúncios e de publicidade”.

A mídia local e a nacional são complementares, na opinião de Lins da Silva. “A imprensa regional trata, evidentemente, com mais amplitude e mais profundidade dos problemas daquela comunidade local, enquanto a imprensa nacional trata das grandes questões do país. Portanto, se você tem uma imprensa nacional forte e uma imprensa regional forte, você tem um cidadão bem informado capaz de participar das decisões mais importantes da sua comunidade e do seu país”.

Venício Lima completou: “A mídia independente, autônoma, forte, é fundamental para o desenvolvimento da própria democracia. Porque, do ponto de vista tanto republicano quanto liberal, seria uma mídia que permitisse a universalização da liberdade de expressão que iria garantir a formação da opinião pública de fato democrática – e nós não temos isso no Brasil”.

***

[Lilia Diniz é jornalista]