Saturday, 16 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Telejornal cria “parceria”

No sábado (12/5), durante a cobertura da CPI do Cachoeira, o Jornal da Band cometeu o que me pareceu uma impropriedade jornalística. Depois de informar que a Justiça mandou quebrar o sigilo bancário de Cachoeira e bloquear todo seu patrimônio, o âncora disse que a diretoria da empresa Delta foi trocada. Então, foi apresentada uma entrevista com o controlador-geral da União. O entrevistado afirmou que os contratos da Delta foram suspensos e que a empresa não poderá realizar obras do PAC ou participar de concorrências públicas mesmo que devolva dinheiro recebido irregularmente ou que sofra modificações na sua diretoria, composição societária ou denominação social. O jornalista chamou então a Delta de empresa parceira do PAC realizado pelo governo.

No dicionário didático Ensino Fundamental, edições SM, 3ª edição, a primeira definição para o vocábulo parceiro é: “Pessoa com a qual se estabelece uma parceria”. Já a palavra parceria é definida como “união ou colaboração de duas ou mais pessoas ou entidades na realização de atividade: O projeto foi realizado como uma parceria entre várias empresas”.

De tudo que tem sido noticiado sobre o escândalo do Cachoeira, podemos concluir que empresa (Delta), político (Demóstenes Torres) e criminoso (Carlinhos Cachoeira) podem ser parceiros e que empresa, criminoso e jornalistas (Veja) podem ter estabelecido uma parceria. Mas até o presente momento, nenhum documento, gravação telefônica ou evidência financeira em poder da Polícia Federal ou da CPI indica que o governo seja parceiro do Cachoeira ou que a Delta seja parceira do PAC. Mesmo assim, esta parceria foi criada pelo Jornal da Band.

Uma CPI da mídia?

A má-fé neste caso me parece evidente. Os jornalistas da Band sabem que o governo idealiza projetos e autoriza sua implementação após o Congresso criar a respectiva dotação orçamentária. Sabem também que a execução de obras públicas depende da realização de uma imensa quantidade de atos administrativos por órgãos da administração pública federal. No caso do PAC, cada uma das obras foi precedida de concorrência pública, com publicação prévia de edital especificando a obra, condições mínimas de execução e prazo para apresentação de propostas. Somente depois do julgamento das propostas, a vitória foi adjudicada ao vencedor de cada concorrência mediante a celebração de contrato entre a União e o vencedor.

A implicação da Delta no escândalo do Cachoeira já acarretou a suspensão dos contratos de obras públicas federais da empresa. Portanto, ao contrário do que disse o jornalista da Band, o governo não é nem pode ser considerado parceiro da Delta. Além disto, a empresa foi contratada para realizar obras após vencer concorrências públicas, e não em razão de manter uma parceria com o PAC. A matéria exibida em 12/05/2012 pelo Jornal da Band foi tendenciosa e criou uma inexistente ligação entre o PAC, o governo e o escândalo do Cachoeira.

Por que os jornalistas da Band produziram esta matéria distorcida? A única interpretação que me ocorre é a de que o clã Saad estabeleceu algum tipo de parceria com a oposição. Já sabemos que o clã Civita se tornou parceiro do Cachoeira através das matérias plantadas na Veja pelo criminoso em favor da oposição. Além de ser transformado no mosqueteiro da probidade pela Veja, Demóstenes Torres também foi muito elogiado pelo Jornal da Band antes de cair em desgraça. A parceria da Veja, Demóstenes e Cachoeira já merece ser investigada.

Ao atuar como parceira da oposição em 12/05/2012 a Band pode ter apenas exercitado a liberdade de imprensa. Mas se esta parceria tinha a finalidade obscura de constranger o deliberadamente o governo para beneficiar de alguma maneira membros da oposição implicados no escândalo, a Delta ou o próprio Cachoeira, o abuso é evidente. Neste caso, além de investigar Veja, os parlamentares da CPI do Cachoeira deveriam começar a prestar mais atenção ao Jornal da Band. Talvez uma CPI da mídia seja necessária.

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Tabelinhas jornalísticas

Na terça-feira (8/5), o Jornal da Band levou ao ar uma reportagem sobre os meninos que participam das “peneiras” da Portuguesa. O encarregado de observar os garotos foi entrevistado, alguns garotos e seus pais também. A matéria esclarece que o número de candidatos escolhidos é muito pequeno em relação àqueles que procuram o clube. O repórter lembrou dos tempos em que ele mesmo participou da peneira na Portuguesa. Cafu, ex-jogador profissional e ex-lateral da seleção brasileira, foi entrevistado e disse que foi várias vezes recusado em “peneiras” e aconselhou os garotos a serem insistentes.

CartaCapital também veiculou uma matéria sobre o assunto. Mas o enfoque da revista foi outro: a exploração de meninos pelos clubes paulistas, fato que já resultou numa ação civil pública movida pelo MP paulista (ver aqui). Nenhuma informação que consta desta matéria foi referida na reportagem do Jornal da Band.

A produção, edição e difusão de reportagens televisivas não tem o mesmo timing que o jornalismo escrito. O telejornalismo pode ser feito ao vivo, mas pode também exigir bastante tempo para a reunião imagens, informações e entrevistas, bem como para que tudo isto seja editado e, mais importante, veiculado no telejornal. O tempo do telejornalismo é, de certa maneira, mais escasso do que o espaço de que dispõem os periódicos escritos para produzir e divulgar reportagens. Mesmo que as redes de televisão, revistas e jornais tenham migrado para a internet, onde o espaço e o tempo são virtualmente ilimitados, o telejornalismo continua sendo um processo de produção de notícias que requer mais recursos técnicos e material humano.

A experiência do olheiro

O material coletado e divulgado pela Band em 08/05/2012 sobre os meninos que sonham com o futebol profissional é interessante. Os fatos divulgados pela CartaCapital na reportagem citada também são relevantes. A denúncia de exploração infantil foi feita em 2011; portanto, poderia ter sido explorada pelo telejornal. Poderia e ainda pode, pois o Jornal da Band esclareceu que fará uma série de reportagens sobre o assunto durante esta semana. Portanto, somente ao fim da série de reportagens do Jornal da Band ficaremos sabendo se CartaCapital furou o telejornal ou se o telejornal escolheu não veicular aspectos obscuros do processo de produção de jogadores mirins no estado de São Paulo.

A referida matéria do telejornal da Band enfatiza a imensa concorrência entre os garotos. O responsável pela “peneira” que foi entrevistado disse que sabe distinguir um garoto com potencial de um que não tem futuro no futebol. Assegurou o experiente olheiro que quando o garoto pega a bola e levanta a cabeça para ver onde estão seus colegas para poder passá-la os observadores já têm condição de saber que ele pode vir a ser um craque. Se o garoto abaixar a cabeça e seguir em frente, como se fosse um touro, não tem futuro no futebol, completou.

No futebol e no jornalismo

A concorrência entre veículos de comunicação é essencial. Um veículo pautar o outro faz ou deveria fazer naturalmente parte do processo de circulação das notícias. No passado, a revista Veja era constantemente citada no Jornal Nacional. Se não estou enganado isto ocorreu pouco antes da queda do ex-diretor do DNIT, já no governo Dilma (somente nos últimos dias ficamos sabendo que a queda daquela autoridade interessava à quadrilha do Cachoeira e que a informação foi plantada na revista Veja a pedido do criminoso). CartaCapital, pelo que sei, nunca foi citada pelo Jornal da Band ou pelo Jornal Nacional. Esta semana, o Jornal da Band tem uma excelente oportunidade para inovar. E o Jornal Nacional terá a oportunidade de quebrar uma tradição recorrendo, não à Veja, mas à CartaCapital, para mostrar ao respeitável público aquilo que o Jornal da Band ainda não mostrou. Veremos o que vai ocorrer.

No futebol, os futuros craques levantam a cabeça para passar a bola. No jornalismo ocorre o oposto, os craques é que têm que levantar a cabeça para receber a bola ou furar a concorrência. Tabelinhas nos gramados rendem gols, carreira, fama e fortuna. No campo jornalístico, as tabelinhas podem render mais informação, menos distorção e, sobretudo, alguns avanços sociais. Mas também podem gerar lucros para esquemas criminosos, como vinha ocorrendo. Neste caso, o meio não é a mensagem, mas certamente escolhe a sua.

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[Fábio de Oliveira Ribeiro é advogado, Osasco, SP]