A oratória teve origem na oralidade, ou seja, na comunicação mediante sons convencionais emitidos pela boca. A escrita viria depois.
Nas Confissões, Santo Agostinho traduz admiração por Santo Ambrósio, capaz de ler em silêncio, sem emitir os sons das palavras. Os costumes da época somente admitiam a leitura em voz alta. A leitura silenciosa viria depois.
Na esfera do sagrado, a fala com os entes superiores, Deus, Maria, santos e anjos, denominava-se oração.
Também constituíam orações os discursos apologéticos aos donos do poder, reis, príncipes, nobres e clérigos.
Desde os seus primórdios, a retórica, a partir do sentido etimológico, refere-se à palavra falada. Tratava-se de uma regulamentação da oratória. Tinha por finalidade convencer e persuadir, façanha a que se juntou a intenção de deleitar. No apagar da Idade Média, a retórica se associou à poética, penetrou na arte e induziu-a ao excesso de ornato. Cumpria ao orador, por meio da abundância de palavras sonoras, dissimular a ausência de substância.
Bem falar
Mas a oratória, percorrendo inumeráveis tendências, desde os gregos e os romanos, estratificou-se na grande arte da comunicação e persuasão, entre os seres humanos. Tornou-se instrumento indispensável à propagação de ideias filosóficas, religiosas, políticas, militares e até da própria convivência cotidiana. Concebe-se hoje que, a cada papel desempenhado pelo indivíduo, no complexo contexto da vida de relações, corresponde uma elocução específica, adequada a cada situação. Tudo provém da necessidade de transmitir a palavra e o pensamento.
Na tradição da oratória, sagrada ou profana, cuidava-se de impostar a voz do orador e adestrá-lo a bem pronunciar os vocábulos, a fim de que a mensagem chegasse aos ouvintes na sua integridade, sem interferências ou equívocos.
Modernamente, com o avanço da tecnologia eletrônica, dispensa-se o atributo da oratória em altos brados, ruidosa, com a finalidade de ser ouvida à distância por todos. É que a retórica da eloquência abrandou-se, sofreu mudança estilística graças ao tom coloquial, como se as palavras fossem ditas em confidência, na intimidade de um ambiente fechado e exclusivo. O ambiente ideal da comunicação deixou de assemelhar-se a um comício, para equivaler a um comércio afetivo de emoções. Daí nascer a oratória afetiva, pela qual se interessa de modo especial João Meireles Câmara, experiente tribuno e didata, autor de vários estudos sobre a matéria e agora de Oratória e Comunicação Intimista (São Paulo: Editora RG, 2012).
João Meireles Câmara recapitula a longa história das noções que ilustraram a oratória e a retórica, relata experiências bem logradas dos cursos que ministrou e dá testemunho da trajetória do Mutirão Cultural da União Brasileira de Escritores/SP a partir de 1998, sempre com o propósito de propagar a democracia cultural, humanista, por intermédio da palavra falada, apoiada em fatores comunicativos como postura, linguagem corporal e gesticulação. Todos reconhecem que, na modernidade, a expansão da publicidade, se contribuiu para a mercantilização de todos os comportamentos, levando à reificação dos valores, por outro lado legou-nos a preocupação com a linguagem, que deve ser clara, acessível e elegante. Portanto, instauradora da eficiência e da beleza nos atos de informação.
Para os escritores, cuja atividade não se desloca da preocupação estética, bem falar se equipara, no plano das interações, a bem escrever, pois aspiram a comunicar-se e a entender-se nos altiplanos da inteligência humana.
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[Fábio Lucas é escritor e ensaísta]