O vazamento das fotos da atriz Carolina Dieckmann na internet teve um efeito inesperado: ajudou a destravar a discussão sobre a regulamentação da lei cibernética no Brasil, que estava emperrada no Congresso há mais de 12 anos.
Um acordo político possibilitou que o projeto de lei que tipifica crimes virtuais (PL 2.793/11) fosse votado na última terça na Câmara dos Deputados, com a contrapartida de ser aprovado o PL 84/99, conhecido como “Lei Azeredo”, na comissão de Tecnologia -faltarão as comissões de Constituição e Justiça e de Segurança Pública.
Ficou acordado que o projeto relatado pelo deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG) será aprovado na próxima reunião da comissão -o que deve acontecer nesta quarta- sem seus pontos mais polêmicos. O projeto chegou a ser rotulado de “AI-5 Digital” por ativistas defensores da liberdade na rede. Dos 22 artigos aprovados no Senado em 2008, restarão apenas cinco.
Em seguida, será a vez do Marco Civil da Internet, que está em consulta pública.
A proposta, do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que nem sequer estava na pauta e que ainda passava por ajustes, foi incluída para votação pelo presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS), e aprovada.
“Nós estávamos costurando um aperfeiçoamento, mas não deu tempo”, diz Teixeira. “As pequenas correções podem ser feitas no Senado. Não vejo nenhum prejuízo.” Para ele, é preciso corrigir o tempo de duração das penas.
Teixeira diz que não foi atropelado pelo caso da atriz. “O projeto foi amplamente discutido no governo. O caso da Carolina, que aconteceu depois, repercutiu e contribuiu para a aprovação.”
Após ser alterado e aprovado no Senado, o PL volta à Câmara para análise das alterações. Se aprovadas na Câmara, o projeto de lei segue para sanção presidencial e passa a valer após 120 dias de sua publicação no diário oficial.
Para o relator do PL 84/99, Eduardo Azeredo, a proposta do seu colega foi aprovada por questões políticas.
“Foi usada a força do governo para a aprovação”, diz Azeredo. “Nós já vínhamos conversando para chegar a um consenso. Vamos fazer uma aprovação múltipla.”
Ele diz não se sentir traído. “Meu objetivo é que o Brasil tenha uma lei de crimes cibernéticos. Estou safisfeito.”
“Só estamos esperando a aprovação do Marco Civil”, diz Teixeira. “Os três vão ser aprovados em conjunto.”
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Lei pode criminalizar inocentes se aprovada, dizem especialistas
A redação do PL 2.793/11, aprovado na Câmara na última terça (15), pode punir de maneira injusta pessoas que trabalham com segurança digital, dizem especialistas.
Por julgar criminosos não só o autor de invasões mas também quem cria o programa usado para realizá-las, o artigo 2º do projeto pode prejudicar, por exemplo, quem produz os chamados “exploit kits” -ferramentas que demonstram a vulnerabilidade de um sistema a fim de aprimorar sua segurança.
Pablo Ximenes, pesquisador de segurança da informação da Uece (Universidade Estadual do Ceará), diz que o PL pode lhe trazer problemas.
“Metade do que eu faço profissionalmente se tornaria crime. Essa criminalização pode atrasar a tecnologia brasileira em um campo extremamente estratégico, que é a segurança da informação”, diz Ximenes, que foi premiado duas vezes pelo Google por demonstrar falhas no Gmail.
Ximenes propôs alterações no PL ao deputado João Arruda (PMDB-PR), um dos relatores, que diz, “a princípio”, ser a favor da mudança -que ocorreria no Senado.
Sérgio Amadeu da Silveira, pesquisador de cibercultura na UFABC (Universidade Federal do ABC), também faz ressalva. “Uma lei de tipificação penal [como a proposta] tem que definir ações de grande perigo para a sociedade. Ela não pode fazer criminalizações generalizadas.”
Lacuna preenchida
A especialista em direito digital Patricia Peck diz que o PL preenche uma lacuna na lei brasileira. “Ela é essencial, porque no direito penal não se pode fazer analogias. Até agora não tínhamos nenhum crime virtual definido.”
Peck diz que, se aprovada, a lei complementa o chamado Marco Civil da Internet (PL 2.126/2011), atual bandeira de ativistas da liberdade na web.
O Marco Civil, que está em discussão na Câmara, trata dos principais direitos e dos deveres de usuários na internet. Atualmente, ele passa por audiências públicas.
Alterações podem ser propostas no site da Câmara (is.gd/wikilegis). (LS E YG)
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Aprovação mostra consenso na urgência de conter delito on-line
Nelson de Sá
Falar em pressa ou creditar só ao furto das fotos de Carolina Dieckmann a aprovação do projeto 2.793 e o acordo para aprovar o desidratado projeto 84 é exagero. Os dois movimentos refletem o crescente consenso de que não é mais possível adiar a criação de normas legais para conter crimes cometidos por meio da internet.
Entre os vários sinais da urgência da nova legislação, a fabricante de software de segurança Symantec destacou, no relatório anual de ameaças à internet divulgado no início deste mês, que “a atividade maliciosa originada de computadores no Brasil levou o país ao primeiro lugar na América Latina em 2011 e ao quarto em nível mundial”.
O próprio Congresso já vinha atropelando a discussão dos projetos específicos. Dois anos atrás, por exemplo, aprovou como crime no Código Penal a pedofilia na internet. Mas agora, no episódio envolvendo a atriz de televisão, ainda sem a tipificação prevista no projeto 2.793, o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro precisou apelar para a equiparação do crime a furto de imagem.
A origem do projeto 84 é de mais de uma década atrás. E o 2.793 surgiu um ano atrás, quando parlamentares como Luiza Erundina (PSB), que resistiam ao projeto anterior, muito abrangente na definição do que é crime na internet, se convenceram de que era preciso apresentar uma alternativa no âmbito do direito penal, não só civil.
Até o general José Carlos dos Santos, do (CDCiber (Centro de Defesa Cibernética) do Ministério da Defesa, que vai monitorar digitalmente a Rio+20 daqui a um mês sem ter um arcabouço legal em que se basear, não escondeu em entrevista recente sua expectativa por um desfecho para a discussão que paralisa a ação do Estado.
Repete-se agora, com a aceitação de um acordo pelo petista Paulo Teixeira e pelo tucano Eduardo Azeredo, o que se viu no ano passado na aprovação do projeto 116, que tramitou por uma década em meio a pressões de todos os lados, até alcançar uma redação que agradasse do ex-ministro José Dirceu à Rede Globo, passando pelas teles.
A exemplo do que aconteceu então, quando o acordo desagradou atores de menor influência, como a Band, também agora se levantam vozes contrariadas. Parte delas poderá ser atendida nos próximos passos dos projetos no Congresso, inclusive do Marco Civil da Internet, mas parte já ficou para trás, por se opor por princípio à criminalização de ações on-line.
Mais do que apressada, na verdade, o risco maior agora é que a legislação já nasça ultrapassada, sem responder aos novos campos, como a computação em nuvem. [Nelson de Sá é articulista da Folha de S.Paulo]
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[Lucas Sampaio e Yuri Gonzaga, para a Folha de S.Paulo]