Enquanto a CPMI do caso Cachoeira é desviada do seu foco e atropelada pelo revanchismo do senador Fernando Collor de Melo contra a imprensa que o derrubou, um repórter-cinegrafista do SBT escancarou com a sua câmera a armação de uma formidável pizza para blindar o governador Rio, Sérgio Cabral, e, em seguida, os seus colegas Marconi Perillo (PSDB) de Goiás e Agnelo Queiroz (PT), do Distrito Federal.
E agora, o que dirão os corifeus antimídia? Houve violação da intimidade do deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), foi quebrado o sigilo da correspondência, praticou-se o denuncismo marrom? O cinegrafista do SBT, Joaquim Alves dos Santos, não forçou a entrada no recinto, olhou em volta e registrou a informação que lhe parecia relevante. Merece ganhar um prêmio de jornalismo televisivo. E um substancial aumento no salário.
O deputado Vaccarezza cometeu um triplo atentado: ao decoro parlamentar, ao idioma e, o mais grave, à busca da verdade (ver aqui o flagrante do SBT). Sofrerá alguma punição ou advertência? Avacalhou uma instituição republicana, colocou-se ao lado da corrupção (no caso das investigações sobre a empreiteira Delta) e, para salvar as aparências, pedirá para deixar a CPMI por força dos inúmeros compromissos como representante do povo. Seus pares o perdoarão.
Se o trabalho dos jornalistas tiver que passar pelo crivo dos políticos não teremos mais repórteres atuando livremente. E os Vaccarezza continuarão no ramo das blindagens.
Censura togada
É despropositada a tentativa de levar o jornalista Policarpo Jr., da Veja, para depor na CPMI, porque aparece em ligações telefônicas acertando com Carlos Cachoeira a publicação das matérias sopradas pelo contraventor. O jornalista infringiu normas deontológicas, o teor das conversas configura uma convivência e camaradagem impróprias, mas não há crime.
Já os jornalistas da News Corporation de Rupert Murdoch chamados a depor no Inquérito Leveson estavam indiciados pela polícia – e alguns com passagens pelo xilindró. Trata-se de uma diferença que precisa ser estabelecida, sobretudo em momentos de exacerbação partidária, quando neófitos em matéria de observação da mídia avançam o sinal sem importar-se com as consequências de submeter a imprensa ao furor vindicativo de políticos.
A brilhante argumentação do presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Maurício Azedo, na edição televisiva deste Observatório (15/5/2012) deve ser examinada com atenção (ver “A gênese de uma aberração”). Convocar jornalistas para depor em CPIs é uma exorbitância que põe em risco a nossa fragilíssima liberdade de expressão. Não esqueçamos que hoje os mais frequentes e mais poderosos censores são os magistrados acusados de vender sentenças ou favorecer políticos. Se o Legislativo associa-se à caça aos jornalistas, nosso jornalismo está ferrado.
Acusações sem provas
É preciso reconhecer que os desempenhos recentes da revista Veja são desabonadores. Altamente desabonadores. Mesmo quando as denúncias têm consistência e produzem consequências, a postura e a linguagem da revista estão longe do que seria recomendável numa publicação qualificada.
A Folha de S.Paulo deu um piparote e derrubou Antonio Palocci sem perder a compostura. Este é o paradigma do jornalismo cirúrgico: investigar muito antes de publicar. E quando publicar uma infração não é preciso se igualar aos infratores.
Quando Veja derrubou Fernando Collor de Melo com apenas uma matéria de capa (em maio de 1992; em julho seguinte, a IstoÉ jogou a pá de cal), o ressentimento contra o caçador de marajás era tão grande que nenhum jornalista, crítico ou político teve a coragem de questionar os procedimentos relacionados com a entrevista do irmão, Pedro Collor. Temeridade sob o ponto de vista jurídico e irresponsabilidade sob o ponto de vista editorial. [Este observador comentou o assunto na coluna que então mantinha na revista Imprensa.]
O delirante irmão não apresentou provas, nem a revista deu-se ao trabalho de buscá-las. Mandou brasa. Valia tudo com o respaldo popular. Felizmente Veja acertou. E se não tivesse acertado?
Vinte anos depois da imprudente façanha, o semanário parece acostumado com a linguagem desabrida e as acusações sem provas. Esqueceu que o aval para investir contra um presidente doido e trapaceiro não valia para sempre.
Quem guarda?
Este desdobramento jornalístico do Escândalo Cachoeira comprova a urgência para a adoção de uma série de medidas autorreguladoras nos moldes do que está sendo discutido neste momento na Inglaterra no Inquérito Leveson, que investiga os crimes cometidos pela quadrilha Murdoch.
A implementação e fiscalização dos códigos de conduta não podem ficar restritas à esfera empresarial e seus inevitáveis conflitos de interesse. Jornalistas não podem ficar alheios, são os operadores da deontologia, carregam o ônus de avaliar cada palavra, ideia ou matéria que produzem.
A autorregulação da imprensa faz parte do contrato social. Ou como disse lorde Brian Leveson em 14/11/2011, na primeira audiência pública da sua comissão:
“A imprensa oferece um meio essencial para fiscalizar todos os aspectos da vida pública. Essa é a razão pela qual qualquer fracasso da mídia nos afeta tão profundamente. No coração desse inquérito, portanto, pode-se ler uma única pergunta: ‘Quem guarda os guardiões da liberdade de manifestação?’”