Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ética, verdade e objetividade

O jornalismo é uma forma de conhecimento que tem um papel central na compreensão de homens e mulheres sobre o mundo que os cerca. Ajuda-os a entender seu entorno, uma sociedade cada vez mais complexa à qual eles e elas não têm mais acesso no seu dia. Nesse sentido, podemos dizer que o jornalismo contribui para construção da realidade cotidiana. É função de jornais, rádios, TVs e internet, que trabalham com a informação, possibilitarem que cidadãs e cidadãos possam, através dos mais diversos olhares do campo jornalístico, perceber, entender e intervir sobre o mundo que os cerca.

Dentro desse contexto, o jornalismo é uma atividade profissional de mediação, resultado de uma organização pública ou privada; seu produto, a notícia, é sempre um bem público, que se decide a interpretar a realidade social e mediar entre os que fazem o espetáculo da cobertura diária e o público, cidadãos e cidadãs que precisam dessa interpretação para ajudá-los a entender o dia-a-dia.

Socializar a discussão

Considero muito importantes as diversas práticas de circulação da informação. No entanto, nem tudo é jornalismo Os blogs, por exemplo, são páginas pessoais, diários, produzidos por vários agentes na rede. Longe estão de ser jornalismo. A afirmação de que cada cidadão e cidadã é um repórter resulta de uma incompreensão do jornalismo como um campo de conhecimento. Os blogs são relatos que não tem condições de trabalhar com duas características que são da essência do jornalismo: a contradição e o conflito. São práticas que se aproximam do jornalismo. Não podemos dizer que um terapeuta, ou um psicólogo, é um médico. Mas, eles desenvolvem atividades que dentro de uma perspectiva bem ampla se aproxima da medicina. Os blogueiros cumprem uma função central que é a de socializar a informação. Não se exige deles o rigor do método que é central para o campo jornalístico.

O jornalismo, a ética, a objetividade e a verdade jornalística estão imbricados no rigor do método jornalístico. Não entender isso é distanciar-se do que é jornalismo, algo que é cada vez mais comum hoje. O jornalismo é uma atividade profissional que nem futebol ou política, sobre os quais todo mundo tem uma opinião formada. Ótimo do ponto de vista da socialização da discussão. No entanto, o que observo de uma maneira geral é que é preciso avançamos e refletirmos mais sobre o papel do jornalismo nas sociedades democráticas.

A verdade possível

Não tenho a pretensão de ser dono da verdade. No entanto, faço algumas ponderações para discutirmos de uma maneira menos ingênua. Afinal, o que é jornalismo? Por que o método é central para essa atividade? É central porque o dever do jornalismo é se aproximar da verdade. Da verdade possível, pois não cabe ao jornalismo uma preocupação filosófica da verdade.

No seu dia-a-dia o jornalista procura se aproximar da verdade dos fatos. Nesse processo, com certeza há uma série de lacunas e vazios que estarão presentes na notícia. Como dar conta do fato na totalidade? Todo acontecimento é singular. Qual o campo do conhecimento que tem condições de reproduzir a realidade? É isso que os críticos do jornalismo querem. Considero que alguns são ingênuos e outros agem de má-fé. O que o campo jornalístico pode fazer é se aproximar da realidade dentro do rigor do método que vai permitir a objetividade, a verdade possível, que será sempre uma postura ética.

Respeito e dignidade

Como enfatizei, o rigor do método é central para o jornalismo. Ele garante a objetividade e a verdade que resultam numa postura ética. Como é possível isso? Na investigação jornalística, é preciso uma descrição correta dos fatos. Publicar unicamente informações cuja origem se conhece ou, senão, acompanhá-las das reservas necessárias; não suprimir informações essenciais; não alterar textos, nem documentos; e retificar uma informação publicada que se revele inexata.

Esses procedimentos, apresentados de uma forma resumida, devem fazer parte do cotidiano do jornalismo. Na medida em que um jornalista procura ser objetivo, se aproximar da verdade dos fatos, ele está tendo uma postura ética em sua atividade. Ele está imbuído de algo que é central no jornalismo: o respeito intransigente ao ser humano, a dignidade no tratamento com homens e mulheres.

A ética e o método

O jornalista que seja tentado a abrir mão do rigor do método, esquece o respeito ao outro, vítima, testemunha, parente, e espezinha o respeito que deve a si mesmo: não é mais que um instrumento – um meio! – da informação. Está reduzido à função que o campo jornalístico lhe atribui. É prisioneiro do determinismo da reificação, da qual seu próprio cinismo não é capaz de o libertar. Se há rigor no método, a notícia se aproxima da objetividade e da verdade dos fatos garantindo uma postura ética do jornalismo diante da realidade dos acontecimentos.

Esse artigo toma por base, e algumas vezes reproduz de forma literal, frases do livro Jornalismo e Verdade : para uma ética da informação, de Daniel Cornu, publicado em 1999 pelo Instituto Piaget, de Lisboa. Essa obra tornou-se uma espécie de ‘bíblia’, que leio e releio volta e meia para pensar o jornalismo. Recomendo como leitura para todos e todas jornalistas e para aqueles que se preocupam com a ética no jornalismo.

Sem dúvida, compartilho das idéias de Daniel Cornu. A ética é da essência do jornalismo e podemos chegar a isso com o rigor do método. Confesso uma saudável inveja pelo que o autor escreveu, mas a possibilidade de disseminar as questões que coloca me faz feliz. Reflitamos sobre a responsabilidade do jornalismo, em particular numa sociedade como a nossa, com grandes abismos sociais.

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Jornalista, vice-coordenador do PPGCOM/UFPE