“Leitora Alice Carneiro, de Guimarães: ‘Estranhei não encontrar na edição de 13 de Maio qualquer referência à manifestação organizada pelo Partido Comunista Português no Porto, no dia 12. A página 12 registava a notícia de uma outra manifestação, igualmente ocorrida no Porto, na baixa da cidade, nesse mesmo dia, na qual terão participado 400 pessoas, o que denota atenção relativamente à importância de informar os leitores sobre movimentos de contestação ocorridos na segunda cidade do país. (…) Terão desfilado entre o Campo 24 de Agosto e a rua de Santa Catarina 10 mil pessoas, numa manifestação ordeira mas animada, na qual o objectivo era também ‘protestar contra as medidas do Governo, que não servem as pessoas’ (notícia da página 12). (…) Não compreendo, por isso, como puderam ignorar a manifestação do PCP (…)’.
Leitor Gaspar Martins, do Porto:’[Venho] manifestar a minha estranheza por não ver na edição de 13 de Maio (…) uma só linha sobre a manifestação que percorreu a baixa do Porto e encheu a rua de Santa Catarina, promovida pelo PCP com intervenção do seu secretário-geral. Mas uma outra, com reduzida participação, mereceu figurar numa desenvolvida reportagem de quatro páginas. Considero a omissão pior que reportagem tendenciosa ou deturpadora (…)’.
Leitor Alan Gomes, de Lisboa: ‘Segundo o Público, a manifestação contra a fusão/extinção de freguesias levou mais de 100 mil pessoas ao centro de Lisboa no final de Março. Também segundo o Público, a manifestação dos ‘indignados’ do passado sábado [12.05] levou três mil pessoas ao centro de Lisboa. E contudo, tanto na sua edição papel como online, o Público dedicou muito mais recursos e espaço à manifestação com três mil participantes que à manifestação com cem mil. (…) Percebo que os critérios jornalísticos não se medem ao quilo. (…) Mas pergunto: porquê? Porquê fazer uma cobertura extensiva de uma pequena manifestação e praticamente ignorar um protesto pelo menos 30 vezes maior? (…)’.
Antes de qualquer reflexão sobre estas mensagens, devo corrigir dois aspectos factuais: a peça dedicada às manifestações ditas de ‘indignados’, no Porto e em Lisboa, ocupava três colunas de uma página na edição do passado domingo, e não as quatro páginas referidas pelo leitor portuense; a concentração contra a extinção de freguesias referida pelo leitor lisboeta foi objecto de uma notícia destacada, com chamada à capa, na edição de 1 de Abril.
Quanto à matéria comum às três reclamações, já aqui a abordei na sequência de um protesto do PCP contra a omissão noticiosa de iniciativas partidárias. O PÚBLICO destaca, noticia ou omite referências a acontecimentos deste tipo de acordo com critérios editoriais que cabe aos seus leitores julgar. Para além de limitações de recursos e de espaço (no caso da edição impressa), decidirá de acordo com uma noção de interesse público no quadro do seu projecto jornalístico. As omissões de iniciativas partidárias são naturalmente muitas, e é natural que os comunistas, que serão os principais promotores de acções de rua, se sintam mais afectados do que outros. Importa é que, no conjunto, essas decisões não afectem a lógica de equilíbrio exigível a um diário independente de informação geral.
No caso das manifestações do passado dia 12, e não tendo obtido em tempo útil qualquer comentário dos responsáveis editoriais às críticas dos leitores, atrevo-me a presumir, com base em precedentes, que terão julgado de maior interesse jornalístico a iniciativa dos ‘indignados’, pela relativa novidade do fenómeno, e considerado mais rotineiro o desfile promovido pelo PCP. São escolhas naturalmente discutíveis, mas a maior (e no caso única) aposta na cobertura do protesto não vinculado a partidos tem pelo menos uma justificação legítima: os desfiles dos ‘indignados’ em Lisboa e no Porto, que se terão revelado de envergadura inferior à esperada pelos seus promotores, inscreviam-se numa jornada de luta internacional (à qual o jornal dedicou as tais quatro páginas), que teve forte impacto em diversas paragens, e em especial em Madrid e outras cidades espanholas.
Os factos mostram, porém, que os critérios editoriais que tendem a privilegiar a novidade e uma tónica mais cosmopolita devem ser temperados por um maior cuidado no agendamento e avaliação editorial. De facto, se a baixa do Porto foi atravessada no mesmo dia por duas manifestações de protesto contra medidas governamentais, se uma juntou escassas centenas de pessoas e a outra reuniu largos milhares, não se presta um bom serviço informativo nem se faz uma leitura atenta da realidade dedicando uma reportagem à primeira e ignorando totalmente a segunda. A própria diferença numérica entre as duas concentrações era, em si mesma, notícia relevante.
O jornal e o ministro: questões por esclarecer
Numa nota ontem divulgada na última página do jornal, a direcção do PÚBLICO acusou o ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, de ter dirigido ameaças — classificadas como uma pressão ‘inaceitável’ — ao jornal e a uma das suas jornalistas, que tem acompanhado o chamado ‘caso das secretas’. Segundo se lê nessa nota, Relvas ameaçou nomeadamente, em telefonema para a redacção, que iria ‘divulgar detalhes da vida privada da jornalista’ em questão.
Em causa terá estado, segundo informações que começaram a ser divulgadas ao fim do dia de anteontem em vários meios de comunicação on line, uma tentativa do governante para impedir a publicação de uma notícia sobre o seu relacionamento com o ex-dirigente dos serviços secretos Jorge Silva Carvalho, acusado pelo Ministério Público de crimes de corrupção, abuso de poder e violação do segredo de Estado. Depreende-se da nota ontem divulgada que essa notícia acabou por não vir a público, por não conter, segundo a direcção do jornal, ‘informação nova’.
As ameaças atribuídas a Relvas, e entretanto desmentidas pelo seu gabinete, são de grande gravidade. O que resulta da narração feita pelos responsáveis editoriais do PÚBLICO é um membro do governo — por sinal o que tem responsabilidades na área da comunicação social — acusado de práticas de chantagem, no âmbito do que se apresenta como uma tentativa de obstruir a liberdade de informação.
Notícias entretanto divulgadas por outros órgãos de comunicação referem visões divergentes no interior do jornal sobre o modo como o PÚBLICO lidou com este caso. Foram tornados públicos comunicados internos com críticas trocadas entre o Conselho de Redacção e a Direcção. Julgo que, em nome da relação de confiança com o jornal, os leitores têm direito a um completo esclarecimento dos factos e das perplexidades suscitadas pelo que sobre eles se escreveu.
Pela minha parte, não me pronunciarei sobre este tema antes de obter as informações que considero indispensáveis a um escrutínio rigoroso. Procurarei fazê-lo nos próximos dias, antes de regressar a este espaço. Até lá, parece-me útil partilhar com os leitores algumas das minhas próprias dúvidas e perplexidades. Como por exemplo:
A doutrina defendida na nota da direcção do PÚBLICO (‘não reagir ou denunciar publicamente ameaças ou pressões’) é aceitável face a um caso como o que afinal acabou por descrever, ‘devido ao debate entretanto gerado’?
A avaliação que levou os responsáveis editoriais a concluírem que não deveriam abrir por sua iniciativa a excepção que admitem a essa regra (divulgar ‘pressões’ apenas ‘quando existam violações da lei’) é adequada face à natureza das ameaças atribuídas a Miguel Relvas?
Como deve ser interpretada a informação (ausente da nota da última página, mas acrescentada à versãoon line na noite de anteontem) de que ‘o ministro pediu (…) desculpa ao jornal’, tendo em conta que o seu gabinete desmentira pouco antes, de forma categórica, quaisquer ‘ameaças ou pressões’ (informação que o PÚBLICO ontem não referiu)? Pediu desculpa de quê?”