A World Press Photo é uma organização independente sem fins lucrativos, fundada em 1955 na Holanda. Tem como objetivo promover o fotojornalismo profissional no mundo. Com o correr dos anos, a WPP transformou-se em uma plataforma livre para os fotógrafos, onde divulgam seus trabalhos e trocam informações. Para atender a esses objetivos, a organização faz um concurso anual de fotojornalismo e as imagens premiadas passam a fazer parte de uma exposição itinerante que percorre 40 países.
O número de fotos enviadas para a seleção gira em torno de 40 mil por ano; os jurados que fazem a escolha são fotógrafos, diretores de jornais e agências, estes últimos tentando pensar com a cabeça de um leitor. O prêmio é de 10 mil euros (pouco menos que 30 mil reais), quase nada, mas em termos de carreira representa um enorme prestígio.
A exposição dos trabalhos do ano passado foi feita no dia 9 de fevereiro e o premiado com a foto do ano foi o estadunidense Spencer Platt, da Getty Images, apresentando um instantâneo conseguido no primeiro dia do cessar-fogo entre Israel e o Hezbollah. Faz ver um contraste gritante em que quatro moças estão num fulgurante automóvel conversível, que parece estar preso entre as ruínas causadas pela guerra, e uma delas tapa o nariz para não sentir o bafio da morte.
Guerra e morte
Dessa exposição, fotógrafos italianos levaram cinco prêmios. Paolo Pellegrin, da agência Magnum, 1º lugar na categoria general news single; a foto é de 6 de agosto do ano passado e foi tirada na cidade de Tiro (Líbano). É o próprio Paolo quem fala sobre ela.
‘Ouvimos uma explosão, corremos para a rua e chegamos de carro ao lugar onde tinha caído um míssil. Estava tudo deserto. Vi um homem que se arrastava pelo chão, morrendo. Saí do carro e caiu outro míssil. A explosão também nos atingiu com estilhaços e sangramos no rosto. O homem que estava no chão agora já não se movia e nos afastamos. Depois, voltei para trás, nem sei por que – talvez tonteado pela adrenalina, ou talvez por não ter forças para fugir, não sei dizer. Tudo aconteceu em poucos segundos. O segundo míssil tinha feito saltar o homem no que restava de uma calçada. Eu o vi de bruços e com um braço arrancado, mas ainda não estava morto. Tirei algumas fotos. Naquele momento apareceu outro homem que me gritou para ir embora, para não fotografar. Acredito que tanto ele como o atingido fossem do hezbollah e eles nunca querem ser fotografados. Veio a ambulância e levou o homem, que ainda respirava e pouco depois morreria no hospital. Quanto ao morto, não consegui saber quem era.’
A burocracia para fotografar
Quem será a mulher libanesa sentada numa escada semi-destruída fotografada por David Monteleone, 1º lugar na categoria spot news? Ele trabalha na agência Contrasto e responde:
‘Quem sabe? Só sei que estava grávida, desesperada porque não encontrava uma via de fuga. Estava bloqueada, como tantos outros, na aldeia de Rmesh, fronteira com Israel. Não tinham nada: nem comida e nem água. Encontrando-se perto da fronteira, não corriam o perigo de ser bombardeados, mas estavam num beco sem saída. A mulher ali na escada, fomos muitos que a fotografamos. Teria conseguido ter o filho? Que fim terá levado? Nunca o saberemos.’
Lorenzo Cicconi Massi também trabalha na agência Contrasto e levou o 3º lugar na categoria sports features. Sua foto foi feita na China. Um monte de crianças que cabeceiam bolas de futebol. Conta ele:
‘É o colégio esportivo Shichahai, onde campos de futebol se alternam com prados, pequenos lagos com estátuas de animais fantásticos e dragões. Parece uma academia de artes marciais daqueles velhos filmes de kung fu. Os alunos seriam uns duzentos, entre 15 e 20 anos de idade. Lá dentro estudam somente futebol e nenhuma outra matéria – aprendem práticas e táticas do jogo. Para ensiná-los vêm treinadores da Europa e os uniformes são patrocinados pela Nike. Os meninos que aparecem na foto estão fazendo o exame de admissão, uma espécie de pré-seleção. Não é permitido falar com eles: estávamos sob constante controle, acompanhados por funcionários do Estado. Para fotografar estruturas públicas existe uma burocracia muito complicada. Uma vez dentro das instituições, elas devem ser reduzidas ao mínimo necessário. Para se ter uma idéia, passei um mês na China para fotografar escolas de esporte e nesse período não consegui fazer mais de 200 fotos.’
‘A premiada não é a de que mais gostei’
Max Rossi trabalha na agência Reuters e foi o 1º lugar na categoria sports action. Sua foto de dois ginastas foi tirada 14 de outubro durante o campeonato do mundo de ginástica, na Dinamarca, e ele fala de seu trabalho:
‘Os atletas que podemos ver, um suíço na vertical e um romeno nos anéis, não tiveram medalha. Enquanto se aqueciam, fiz algumas fotos como prova para ver o sistema dos movimentos. Nunca tinha me preocupado com ginástica. Mais que uma fotografia era um teste. Mesmo que possa parecer estudada, dei sorte.’
Massimo Berruti, da agência Grazia Néri, 2º lugar na categoria contemporary issues, foi o único dos cinco que apresentou um trabalho feito na Itália, nos arredores de Roma dentro de um lúgubre edifício que serve de dormitório para os sem-teto, extra-comunitários e ciganos. Seu relato:
‘O de cabeça raspada que se vê chama-se Armando e é operário. Sofre de epilepsia e sua mulher é inválida. Em agosto, quando fiz a foto, eles ainda viviam num buraco de 30 metros quadrados sem água corrente, luz elétrica ou aquecimento. Estava esperando a transferência para um lugar melhor. Armando está acenando para um menino, um cigano que caminha todos os dias pelo local procurando algum centavo.’
Todos têm um fato em comum, além da profissão. Quando questionados se, ao abrir a objetiva, tinham noção que estavam fazendo uma foto importante, respondem a mesma coisa: ‘Não, entre as muitas fotos que fiz naquele momento, a premiada não é aquela de que mais gostei’.
Mas, quando se vê as fotos premiadas, dá vontade de dizer: sorte que a última palavra não foi de vocês.
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Jornalista