Hoje, muitos dos melhores blogs brasileiros são mantidos por jornalistas. Não é difícil de entender o motivo. A internet e em especial os blogs oferecem aos jornalistas muitas maneiras de potencializar seu trabalho. Infelizmente, entretanto, também surgem novos problemas.
Vantagem: pré-pauta online
Meu blog Liberal Libertário Libertino (http://liberallibertariolibertino.blogspot.com) tem cerca de mil visitas por dia. No começo da semana, sempre faço um post sobre o assunto da minha coluna internet, na Tribuna da Imprensa, às sextas-feiras. Invariavelmente, o feedback dos leitores se mostra fundamental: mais de uma coluna já foi abortada, ou pautada, por suas críticas e sugestões.
O blog do Alex Teixeira, (http://www.outroscaminhos.blogger.com.br/index.html)
por exemplo, tema da coluna de 12 de março (http://liberallibertariolibertino.blogspot.com/2004_03_01_
liberallibertariolibertino_archive.html#107902452721781499), foi
indicação de uma leitora, a Mitcha, (www.mixellita.com.br/blog/),
em resposta a uma pré-pauta sobre blogs de pessoas mortas.
Vantagem: complementando o jornal
Qualquer matéria sempre fica bem maior do que o espaço disponível. Muita coisa que seria interessante para os leitores acaba cortada.
O blog atua como um complemento à coluna. No blog, publico a versão original do artigo, sem cortes, com todas aquelas informações mais detalhadas que não couberam no jornal, como sites das organizações citadas ou declarações ipsis litteris dos entrevistados. Por isso, seria impossível pensar minha coluna separadamente do blog. Para começar, fui convidado para escrever a coluna por causa do trabalho no blog. É no blog que faço minha pré-pauta online e debato a futura coluna com os leitores. E, por fim, o blog acolhe tudo o que não coube, ou não foi apropriado para publicação no jornal impresso.
Desvantagem: os inevitáveis mal-entendidos
Há alguns dias, uma leitora ficou revoltada com um dos posts do meu blog. Abaixo do post, havia um aviso: ‘Uma versão bastante editada desse texto foi publicada na Tribuna da Imprensa‘. Ao lado, havia um link para a página do site da Tribuna onde a matéria estava publicada.
Minha leitora não clicou nesse link. Ela não comprou o jornal. Leu meu blog, não gostou e reclamou. Mas reclamou para a Tribuna. Foi uma situação sui generis: ela escreveu para o jornal reclamando de um comentário que o jornal jamais publicou.
A explicação é simples: o tal comentário existia apenas no blog, tendo sido cortado da versão final publicada no jornal. Naturalmente, minha leitora poderia ter prestado mais atenção ao aviso ‘versão bastante editada’. Além disso, não custa nada ler um jornal, nem que apenas a versão online, antes de reclamar dele.
Se eu fosse inteligente, deixaria o assunto morrer. Mas não sou inteligente e é uma história boa demais para não virar coluna.
Jornais tentam controlar blogs
Por essas e outras, vários jornais dos Estados Unidos estão tentando controlar os blogs dos seus jornalistas. Recentemente, Steve Outing descreveu os paradoxos dessa nova situação em seu artigo ‘Quando jornalistas blogam, editores ficam nervosos’ (‘When journalists blog, editors get nervous’), na revista Editor & Publisher (http://www.editorandpublisher.com/)
O New York Times, por exemplo, proíbe jornalistas de manter blogs relacionados à sua área de atuação. E quaisquer outros blogs, sobre quaisquer outros assuntos, têm que ser previamente aprovados por uma redação nada simpática ao assunto.
A jornalista Tereza Cruvinel, de O Globo, poderia ter um blog sobre literatura, por exemplo, mas nunca sobre os bastidores da política. Fica implícito que, se ela tem algo a dizer sobre os bastidores da política, que o diga em sua coluna. Também fica implícito que qualquer coisa que ela porventura dissesse sobre os bastidores da política em seu blog poderia ser visto como uma continuação de sua coluna. Muitos leitores não conseguiriam distinguir entre a cidadã falando por si mesma e a colunista escrevendo no Globo – e fariam exatamente como minha leitora: culpariam o jornal por um conteúdo externo a ele.
A pior solução talvez seja a dos jornais que permitem seus jornalistas terem blogs sobre qualquer coisa – desde que cada post seja previamente autorizado por um editor. Acho que se tivesse que esperar minha atarefada editora aprovar cada post do meu blog, eu não conseguiria fazer nem seis posts por ano.
Outing conta que uma jornalista-blogueira, depois de contratada por um grande jornal americano, encontrou tantas restrições ao seu blog que confessou: se soubesse que era assim, não teria aceitado o emprego.
Conversei com diversos jornalistas-blogueiros tupiniquins. Aqui, felizmente, essa questão nem começou a surgir e ainda dá tempo de levá-la com mais jogo de cintura.
Os blogs do Globo
Dentre os jornalões, O Globo partiu na frente e ofereceu blogs a todos os seus colunistas – há planos de oferecer blogs aos outros jornalistas no futuro. Alguns aceitaram, outros não, talvez relutando em abrir mão da liberdade de escrever o que bem quiserem em seus blogs independentes.
Não precisavam ter medo. Pelo menos, não por enquanto. Apesar do Globo hospedar esses blogs dentro do seu próprio site, não há qualquer tentativa de controle do conteúdo. Os colunistas-blogueiros não receberam quaisquer instruções sobre que tipo de conteúdo seria adequado incluir nos seus blogs. A única regra: não deixar o blog parado mais de uma semana.
De certo modo, O Globo está brincando com fogo. Alguém que leia um determinado conteúdo em um blog de um funcionário do Globo dentro do site do próprio Globo estaria completamente justificado em presumir estar lendo um conteúdo endossado pelo Globo.
O jornal exerce controle sobre sua versão impressa, entre outras coisas, por ser legalmente responsável por tudo o que sair nela. No caso dos blogs, a responsabilidade legal é a mesma, mas o jornal não tem controle algum sobre o que é publicado, dependendo apenas do bom senso dos funcionários.
Gravatá, um dos colunistas do caderno de informática do Globo, usa seu blog(http://oglobo.globo.com/online/blogs/gravata/) para potencializar sua coluna, incluindo ilustrações e links que não caberiam na versão impressa, além de escrever sobre outros temas.
Blog oficial mesmo
O blog do Gravatá, por estar dentro do site do Globo, parece um blog oficial mas, na verdade, não é. O Bit a Bit (http://bitabit.blig.ig.com.br/index.html), por seu lado, é o blog oficial do Internet & Tecnologia, caderno de informática do jornal O Dia.
A repórter Mylène Neno, uma das colaboradoras do blog, explica:
‘A idéia foi ter um lugar no qual pudéssemos postar notas sobre o mundinho hi-tech numa linguagem mais informal, algumas vezes até dando a nossa opinião (algo que raramente ocorre no caderno impresso, salvo os testes de produtos, é claro…). Vez por outra, as notas que saem no Bit a Bit são veiculadas depois na coluna chamada On-line, do caderno impresso’.
A subeditora Alessandra Carneiro e a própria Mylène, empolgadas pelo mundo dos blogs e fotologs, são quem mais escrevem, junto com o editor Julio Preuss.
Apesar de ser um blog oficial do jornal, o Bit a Bit não sofre ‘qualquer tipo de interferência sobre o conteúdo postado lá,’ diz Mylène. ‘Esperávamos interagir mais com o público, mas ainda não recebemos tantos comentários quanto gostaríamos.’
Os bastidores da matéria
Mauro Ventura era colunista do Jornal do Brasil. Quando passou para O Globo como repórter especial, sentiu falta daquele contato mais pessoal com os leitores. Por isso, criou o blog DizVentura, (http://www.dizventura.blogger.com.br/) para ‘amenizar orfandade da coluna.’
‘A gente faz reportagens interessantes,’ explica Mauro, ‘mas os bastidores são ainda mais interessantes.’ Recentemente, ele foi a São Paulo entrevistar Chico Buarque durante o lançamento do filme Benjamin. A matéria ficou ótima, mas melhor ainda foi o post onde Mauro conta como teve que se disfarçar de funcionário da produção para poder entrevistar Chico.
Em outra ocasião, Mauro foi convidado para cobrir uma das sessões do cineminha do presidente Lula, no Palácio do Planalto. Lá pelas tantas, bateu aquela vontade de ir ao banheiro e Mauro se pegou urinando lado a lado ao presidente, ali, sozinho no banheiro, sem seguranças nem nada. Como inserir essa informação em um artigo para o Segundo Caderno do Globo? ‘Numa matéria, não cabe o bastidor. O repórter não é noticia, ele tem que se distanciar e deixar os entrevistados aparecerem. Ficaria até cabotino falar dos bastidores em uma reportagem. No blog, faz parte.’
E como faz. Quem lê O Globo não está necessariamente querendo saber das peripécias do Mauro. Quer saber é das últimas notícias e talvez nem repare no nome dele em cima da matéria. Já os visitantes de seu blog são seu público cativo por definição: eles estão lá para ouvir o que ele tem a dizer.
Mas publicar esses bastidores não seria conflito de interesses? Afinal, se não foram apropriados para publicar no jornal, talvez não devam ser publicados em lugar algum. Mauro nega categoricamente: ‘Publico coisas que não cabem no jornal. E claro que tenho bom senso de saber o que colocar.’
O blog de Mauro não é segredo para ninguém. Ele assina com seu nome verdadeiro e faz menção às suas reportagens do Globo. Apesar disso, ele acha que ninguém no jornal conhece o DizVentura: ‘Nunca tive nenhum retorno de nenhum chefe sobre o blog, nem sei se sabem’. E, para Mauro, sua grande liberdade é justamente esse relativo anonimato do blog.
Humor sem papas na língua
Nelito Fernandes assina um dos blogs mais populares e engraçados do Brasil, o Eu Hein! (http://euhein.terra.com.br/). Mas nem sempre foi assim. Embora a autoria do blog não fosse segredo para amigos e colegas, Nelito só passou a assinar os posts quando aceitou uma colaboradora, para diferenciar as contribuições de um e de outro.
Não foi uma decisão fácil. O Eu Hein! é um site de humor ferino. Nelito, jornalista da revista Época, temeu por sua credibilidade: ‘E se eu zoasse de alguém e depois tivesse que entrevistá-lo?’. Mas acabou decidindo assinar: ‘Afinal, é um site de humor, não de notícias.’
Parece que não havia mesmo o que temer. ‘O Eu Hein! não tem papas na língua’, diz Nelito, ‘mas foi abrigado por duas corporações, o que prova que não é inconveniente.’
As corporações são o Terra, que abrigou o Eu Hein!, tornando Nelito o primeiro blogueiro brasileiro a ganhar dinheiro com o seu blog, e o jornal Extra, das Organizações Globo, onde Nelito tem uma coluna semanal baseada no conteúdo do blog. ‘Já fui processado duas vezes’, confessa. ‘Mas a Época nunca se opôs, ou se pronunciou em respeito, bem ou mal, ao Eu Hein!.’
Blog com pseudônimo
Para maior liberdade, alguns jornalistas preferem manter seus blogs com pseudônimos. Quando a jornalista Martha Mendonça, colega de Nelito na Época, começou o blog Elas por Elas (http://www.elasporelas.blogger.com.br/), decidiu usar um pseudônimo por estar tratando de um assunto muito delicado: histórias reais de relacionamentos. Martha queria falar de si mesma e de seus conhecidos, e teve medo que, se usasse seu nome verdadeiro, as histórias fossem facilmente reconhecíveis por seu círculo de amizades.
Com o tempo, entretanto, o segredo foi se esvaecendo. Quando Martha e sua colega de blog Carla Rodrigues, do site NoMínimo, lançaram Mulheres no Ataque, o livro baseado no Elas por Elas, já assinaram com seus nomes verdadeiros.
Marta nunca sofreu qualquer tipo de pressão da direção da Época por causa de seu blog.
A rigidez do meio jornalístico
Mês que vem será lançado pela Editora Civilização Brasileira o livro Blog: comunicação e escrita íntima na internet, de Denise Schittine. No capítulo dedicado à relação entre jornalistas e seus blogs, Denise conclui que esses profissionais caem na rede justamente para fugir das obrigações da profissão, para poderem escrever poesias, romances e contos sem se verem cerceados pela rigidez do meio jornalístico.
Sem dúvida, esse é o caso de Martha e Nelito. Já Gravatá e Mauro escrevem não para fugir de seu trabalho, mas para complementá-lo.
Por enquanto, a situação no Brasil ainda é bem relaxada. Mesmo os jornais que hospedam blogs, como O Globo e O Dia, não impuseram nenhuma diretiva ou controle aos profissionais envolvidos. Outros jornais parecem ignorar solenemente o fenômeno blog.
O leitor, esse sem-noção
Fundei e dirigi o Projeto SobreSites (http://www.sobresites.com/), um portal com guias sobre diversos assuntos, desde Hare Krishna até Harry Potter. Cada guia nada mais é do que uma seleção comentada de links. Cada página do SobreSites segue um template rígido, com o logotipo do site sempre em destaque, as mesmas cores, tudo igual.
Ainda assim, nada era mais comum do que usuários nos escreverem reclamando de conteúdo que não estava no SobreSites. Na primeira vez, demorou para entendermos o problema. A pessoa tinha clicado em um dos nossos links recomendados e estava reclamando de um conteúdo visto em outro site. E nunca percebeu que o tal site sobre o qual estava reclamando não tinha nada a ver com qualquer página do SobreSites.
Com leitores assim, como culpar um jornal por temer que leitores desavisados confundam os posts de um colunista em seu blog pessoal com a opinião oficial do jornal?
Eu estaria sendo cínico se dissesse que esse temor é infundado. Já senti esse problema na pele, tanto na época do SobreSites quanto na semana passada, na Tribuna da Imprensa. Por isso, alguns jornais americanos estão tomando a medida extrema de simplesmente proibir seus jornalistas de manterem blogs. Nelito Fernandes ficou revoltado: ‘É um absurdo! Estão confundindo pessoa jurídica com pessoa física!’
O temor pode ser justificado mas não podemos esquecer que estamos, afinal, no ramo da informação. Se já podemos prever uma possível (para não dizer provável) confusão na cabeça do leitor, cabe a nós, tanto jornais como jornalistas, informar melhor o leitor e prevenir o problema. ‘Nunca proibir’, afirma Nelito.
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Colunista da Tribuna da Imprensa; mantém o blog Liberal Libertário Libertino (http://www.liberallibertariolibertino.blogspot.com/); e-mail (cruzalmeida@sobresites.com)