Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Classificação indicativa em discussão

O Observatório da Imprensa na TV nº 407, exibido na terça-feira (6/3), discutiu a classificação indicativa dos programas de TV. As cenas de sexo e violência, cada vez mais freqüentes, levaram o Ministério da Justiça a publicar uma portaria que classifica os programas por faixas etárias. A polêmica se formou e perguntas surgiram. A classificação é justa? Qual é o melhor modelo para classificar? Essa decisão deve ser da sociedade ou do Estado? Ou de ambos?


No editorial do programa [ver abaixo], Alberto Dines criticou a imprensa brasileira que, desde o início de fevereiro, abandonou o debate e o deixou nas mãos do Supremo Tribunal Federal. O problema maior é que a discussão não passou pela sociedade.


O debate está dividido entre a opinião das emissoras de TV, os artistas e criadores e a população. A MTV, por exemplo, se opôs à Rede Globo e ficou a favor da portaria. Os artistas acusaram a decisão de censura e a Ordem dos Advogados do Brasil questiona sua legitimidade. O governo se defende e alega que classificação serve para proteger os menores.


Mais realidade


Participaram do programa, em Brasília, José Eduardo Romão, do Departamento de Justiça e Classificação do Ministério da Justiça e Guilherme Canela, coordenador de Relações Acadêmicas da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI). Em São Paulo, esteve a psicanalista Ana Olmos e, no Rio, o roteirista da TV Record Luiz Carlos Maciel.


No primeiro bloco, cada um dos participantes apresentou seu ponto de vista em relação à questão. Romão, que iniciou o processo do novo modelo de classificação indicativa, disse que a discussão trouxe um elemento novo: a dúvida de como classificar. Mas deixou claro que isso não afasta a necessidade de adotar regras. E que o pólo da questão está entre o lado econômico e a garantia dos direitos dos menores e adolescentes.


Luiz Carlos Maciel defendeu o outro lado da moeda, o daqueles que só têm a perder com essa medida. Para ele, a portaria é censura e há uma intolerância das autoridades responsáveis para com os artistas e roteiristas. Usou o exemplo recente do menino morto e arrastado pelas ruas do Rio para dizer que não são apenas as ficções que chocam e devem ser observadas, mas também a maneira como a imprensa apresenta seus fatos, sem restrições. ‘Se a realidade não tem horário para chocar, por que a arte tem?’, perguntou Maciel.


A psicanalista Ana Olmos deu um exemplo da vida real para ilustrar seus argumentos. Citou o caso da antiga série Malu Mulher, da Rede Globo, que inicialmente tinha um roteiro bem próximo do dia-a-dia, com uma protagonista com defeitos, mas forte e batalhadora. A emissora fez várias pesquisas com os telespectadores e resolveu que a personagem deveria ser uma vencedora – sem tantos obstáculos, mas irreal. Com base nesse exemplo, Ana pediu mais realidade aos roteiristas e TV para que as crianças possam compreender criticamente o universo que as cerca. E sugeriu mais programas como o documentário Falcão, os meninos do tráfico, do rapper MV Bill e Celso Athayde, exibido pelo Fantástico.


Critérios de decisão


Aproveitando o mote, Dines perguntou para Guilherme Canela: se a realidade não tem horário, então, por que a arte tem? Canela disse que a legislação é diferente para ambos os casos e que não há nenhuma correlação com mecanismos de censura. A única diferença, segundo ele, é que esses programas deverão ir ao ar em horários diferentes, mas não serão boicotados. De acordo com Canela, a prática é praxe em democracias ocidentais avançadas. Dessa maneira, a liberdade de imprensa está a salvo e a ficção está sendo apenas regulada.


No segundo bloco, Dines questionou José Romão sobre o que pode acontecer caso as emissoras não cumpram a medida. O representante do Ministério da Justiça respondeu que o Judiciário garante a responsabilidade para as emissoras, que estarão sujeitas a um processo de fiscalização.


A classificação indicativa está prevista na Constituição. Dines, então, perguntou a Luiz Carlos Maciel: ‘Como vocês artistas e escritores encaram essa realidade?’ O roteirista foi taxativo ao afirmar que consideram uma censura. Argumentou que a classificação restringe o alcance do trabalho da categoria profissional. ‘Sabemos o que é bom ou não para esse horário. Somos país de família’, disse.


O apresentador perguntou então a Ana Olmos: ‘Você acha que os artistas devem ficar responsáveis pelo que vai ao ar?’ A pscanalista afirmou que confia nos artistas, mas que não é a partir deles que vem todo o critério de decisão das emissoras de TV. Disse que os departamentos comerciais interferem muito na programação e o que a sociedade assiste não deve ficar sujeito apenas ao interesse do lucro.


O papel do CCS


Ao examinar a questão, Guilherme Canela lembrou que em 1988, em países desenvolvidos, buscaram-se critérios para formular uma legislação sobre o assunto. A referência adotada foi a da classificação indicativa. Hoje em dia, segundo Canela, ela exerce a função de uma recomendação por parte do Estado, mas quem decide no final são os pais. E justificou os horários tardios para os programas inapropriados em função da necessidade de os pais estarem em casa para bater o martelo sobre o que o filhos afinal assistirão.


O terceiro bloco foi direcionado para perguntas dos telespectadores. Dois deles quiseram saber como reclamar da programação, a quem recorrer. Guilherme Canela respondeu que há caminhos, um deles é fazer pressão sobre as emissoras. Outra opção é recorrer ao Ministério Público, que também exerce a função de fiscalizador; e também é possível fazer denúncias através do Ministério da Justiça e da Comissão de Direitos Humanos da Câmara.


No último comentário do programa, Dines lamentou a inoperância do Conselho de Comunicação Social (CCS) na disseminação e qualificação desse debate.


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Classificação indicativa, o debate continua


Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV nº 407, exibido em 6/3/2007


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


Já sabemos que a nossa imprensa cansa depressa. No início de fevereiro estavam todos assanhados discutindo a classificação indicativa para a programação de TV. É um debate da maior importância porque a comunicação na sociedade moderna é uma área estratégica. Mas o debate foi subitamente interrompido bem à maneira brasileira: foi transferido para o Supremo Tribunal Federal.


A sociedade não chegou a discutir uma questão que a toca tão de perto, preferiu transferi-la aos juristas quando o certo seria que os juristas entrassem no fim para dar a palavra final.


Este Observatório acompanha a questão da programação televisiva desde o seu nascimento. Em 1999, o então secretário de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, José Gregori, veio duas vezes a este programa para discutir o assunto sob uma ótica inovadora: a baixaria na TV viola os direitos da sociedade, mas é a sociedade a detentora dos canais de rádio e TV.


O atual governo segue a mesma orientação e até foi mais firme ao estabelecer critérios rigorosos para a classificação da programação para atender, sobretudo, às necessidades das crianças e jovens. Prova de que a classificação da programação transcende as divergências políticas ou partidárias.


Este debate precisa continuar qualquer que seja a decisão do STF.

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Jornalista