Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O exilado

 

Acostumados pela praga das ditaduras a considerar todos os desterrados como refugiados políticos, eliminamos uma categoria inteira, especialíssima, dos autobanidos, exilados voluntários. Tropa de elite sofrida, exigente, inconformada, inovadora.

Ivan Lessa foi um deles. E está em excelente companhia: Ovídio, Sêneca, Dante, Camões, Rousseau, Heine, Victor Hugo, Joyce, Nabokov [com os agradecimentos a Maria José Queiroz pelo seu belo Os Males da Ausência, ou a Literatura do Exílio (Topbooks, 1998)]. Empurrado para fora do país pela estupidez fardada, não se animou a retornar depois da redemocratização simplesmente porque para ele a tal abertura não eliminou a poderosa, arraigada, descomunal burrice entrementes institucionalizada – o “bananão”.

Foi um nostálgico à sua maneira: queria de volta o magnífico Rio de Janeiro dos anos 1950 e 60. Intacto e inteiro. Colecionava informações, vivências, mapas, filmografias, bibliografias, iconografias, músicas, jingles, times de futebol, pessoas, rostos, parentescos, alcunhas, dados históricos, atmosferas, modismos, passadismos. Sabia de cor o itinerário de todas as linhas de ônibus e bondes de Copacabana para o centro – mesmo duas décadas depois de deixar o país.

Mas o que perseguia com empenho, incansável, era a inteligência, a verve, o talento. Não conseguiu recuperá-los nem reencontrá-los. Dizia que o tempo tem sido implacável com o Brasil, as novas gerações canibalizam, sequer ruminam, não devolvem. Em Londres, ao menos desfrutava das benesses da cultura cosmopolita, sempre oxigenada.

Falta de ar

Elitista? E por que não? Sem elites exigentes, severas, não se processam renovações. Quando a exigência é espirituosa, engraçada, sarcástica, é duplamente bem-vinda. Ivan Lessa era irresistível, sobretudo quando resmungava tentando ser mal-humorado.

Não deixou uma obra extensa, mas distribuiu generosamente o seu engenho, suas percepções e seu carinho a algumas gerações de jornalistas-escritores como ele. Não se considerava jornalista, era mais do que isso: crítico intransigente, cultor do esmero, carrasco do descaso e da ignorância. Alma-gêmea de Paulo Francis – se imitavam mutuamente, até mesmo no timbre de voz abaritonada, quase de baixo, musical.

Estava longe, mas não ausente. Mario Sergio Conti, então diretor da revista piauí, conseguiu trazê-lo ao Brasil há alguns anos para uma breve temporada; voltou correndo, mais decepcionado com o que viu do que intuía.

Sofreu muito, no último ano foi obrigado a passar 15 horas diárias numa campana para respirar. Emagreceu, não sentia mais sabores. O pior: percebia que estava sendo esquecido, isso incomoda mais do que a falta de ar.

O exilado, forçado ou voluntário, espera sempre uma retribuição. Oxalá saibam trazê-lo de volta. Vai adorar.