No dia que antecedeu o Carnaval de 2007, o Ministério da Cultura publicou uma matéria em seu site, de cunho ufanista, na qual explicita a participação da Lei Rouanet nas atividades carnavalescas. É preciso lembrar que esse episódio é mais uma cena desta comédia de erros vivida por artistas, políticos e jornalistas.
Não há nada para se comemorar; ao contrário, os números evidenciam que vivemos num país do ‘faz de conta’. A matéria – em boa hora, diga-se – reforça o abismo entre a realidade brasileira e o que pensam sobre essa mesma realidade os artistas, políticos e jornalistas. Entendam o que queiram entender, quem faz este alerta é um dos poucos que jogou todas as fichas nesse governo. Isso não nos impede de dizer que tem muita comida podre na dispensa.
Minc não trata de economia
Os números indicam que 78 projetos aprovados pelo Ministério da Cultura (CNIC), totalizam aproximadamente 87 milhões de reais, todos eles voltados para atividades carnavalescas, contra o quadro calamitoso em que vivem outros importantes segmentos da cultura nacional. Este episódio e tantos outros indicam que a informação sobre determinados itens da atividade estatal não está sendo pautada com o objetivo de uma discussão civilizada a respeito.
Na terça-feira gorda (20/2), o blogueiro Josias de Souza, da Folha de S.Paulo, não perdeu a oportunidade para destilar seu veneno e informar coisa nenhuma aos seus leitores sob o título ‘Carnaval vai custar ao Tesouro R$ 86,7 mi em 2007‘. Sua fobia em ‘militar’ a favor de uma desmoralização do governo federal, além de doentia chega a ser patética. Ele nos quer fazer entender que a totalidade financeira citada será destinada a projetos para serem queimados nos quatro dias de carnaval; isso não é verdade, antes fosse. Esse montante é o que foi autorizado para ser ‘captado’ pelo proponente, ou seja, a Escola de Samba, o Bloco Carnavalesco, ou mesmo a empresa contratada para realizar o evento.
A fúria com que esse assunto é tratado no blog do soldado opositor ao governo impede que ele aponte verdadeiramente os reais problemas envolvendo o patrocínio estatal às atividades carnavalescas. Não é nossa missão reciclar o papel dos jornalistas na sociedade atual, e sim chutar o pau da barraca na bandalheira que vem acontecendo e, na medida do possível, pautar de maneira mais produtiva tudo o que nos diz respeito.
Aos fatos: um respeitável senhor contesta o blogueiro com o seguinte comentário: ‘Josias, tenha a santa paciência. Por que não informa que estes milhões em renúncia fiscal pela Lei Rouanet geram o dobro em outros impostos recolhidos, além de empregos e tudo mais?’
Está errado também, este senhor. Não é função do Ministério da Cultura (MINC) resolver questões econômicas, tampouco de atividades econômicas voltadas para os trabalhadores das artes e da cultura nacional. Essa é tarefa das entidades representativas de trabalhadores, empresários e outros segmentos, ligados à infra-estrutura do setor.
Este erro crasso é fruto da adesão às ‘grandes teses do momento’, como uma tal economia das artes. O ministro entrou nessa, talvez por sua formação como administrador de empresas, no tempo em que fazia jingles para as baterias Heliar. A tarefa do Ministério da Cultura não é essa, e sim fazer chegar a todos os brasileiros a arte produzida por Braguinha, Arrigo Barnabé, Riachão e milhares de outros; e, por que não, a obra do artista Gilberto Gil?
Antigos senhores de engenho
Ainda o carnaval: anualmente, sempre com espantoso crescimento no seu volume, o CNIC, órgão colegiado do MINC, autoriza projetos para captação de recursos junto à iniciativa privada. Espantoso, também, é o crescimento de mecanismos que fogem ao espírito da Lei, que outro não é senão ‘incentivar e proteger a cultura nacional’. Só não vimos crescimento proporcional quanto à fiscalização da aplicação dessa Lei. Para fiscalizar, é preciso que o Estado cresça, mas isso tem pela frente a ferrenha oposição de blogueiros e de políticos hoje fora do governo federal.
A constatação não é nossa, e sim de conhecido teórico da direita brasileira que dizia: ‘A burguesia nacional e toda classe dominante sempre usou o Estado para fortalecer seus tentáculos, ao longo de séculos. O que era a coroa imperial senão a manifestação explícita do Estado?’ O que se trava por traz da ladainha de Estado mínimo e menos impostos é o papel que um Estado democrático pode exercer, na distribuição de rendas e oportunidades neste Brasil.
O que assusta os antigos senhores de engenho é que o desenvolvimento da sociedade brasileira tenha dialeticamente produzido acesso – de forma predatória, às vezes – a um número grande de outros brasileiros que, até ontem, nunca tinham ouvido falar em ‘Lei Ro… Lei o quê?’
O tema é vasto e os artistas, políticos e jornalistas sérios não podem se omitir dessa discussão.
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Dramaturgo, São Paulo, SP