Os jornais costumam incensar as empresas que exibem altos índices de desempenho em curto prazo. Esse critério de sucesso, que parece andar na contramão das melhores práticas defendidas pelos gurus da administração, foi fortemente influenciado pelo advento das empresas pontocom, que se caracterizam pela expansão desenfreada, por duas razões muito claras: atuam com base nas chamadas tecnologias disruptivas e não dependem de mídia externa para se apresentar ao mercado – os próprios usuários são seus propagandistas.
Quando a mídia tradicional se interessa por um desses casos, como nas iniciativas de comércio eletrônico ou de aplicativos que se tornam populares rapidamente, ela está apenas apresentando à “velha economia” um fenômeno que opera na economia digital. No entanto, diz o manual do jornalismo de negócios que é preciso desconfiar dos fenômenos que desafiam as leis da economia.
Uma dessas leis afirma que dinheiro não nasce como capim.
Todo jornalista tem a obrigação de desconfiar das histórias fabulosas de sucesso que parecem fazer o capital brotar do chão. O capital tem que vir de algum lugar aceitável em termos de mercado e de acordo com a legislação.
Algo ia mal
Por exemplo, uma empresa de sucesso que tem como um de seus financiadores um notório explorador de jogos de azar muito certamente está sendo alimentada com dinheiro sujo. Outro exemplo: iniciativas de negócio que têm por trás personagens que já frequentaram escândalos financeiros precisam ser vistas com desconfiança, pela ampla possibilidade de carregarem o DNA malicioso de seus fundadores.
Uma falência no agronegócio pode gerar uma empresa “inovadora” no mundo da alta tecnologia, assim como alguém pode se apresentar como empresário de sucesso “nessa tal de internet” logo após encher as burras com dinheiro de campanha eleitoral.
Em todos esses casos é obrigação do jornalismo de negócios investigar de onde vem o capital e quais são as qualidades especiais que produzem esses milagres do capitalismo. Porque, na vida real, quem rala para colocar uma pequena empresa em pé sabe que por trás de muitos desses empreendimentos fabulosos haverá alguma história pouco edificante para ser contada.
Mas tudo que se lê, nos cadernos especializados, é a louvação irrestrita do empreendedor – e, eventualmente, sua crucificação, quando a coisa desanda. São muitos os casos, mas os jornais trazem uma história exemplar nas edições de terça-feira (12/6). Trata-se do caso do Banco Cruzeiro do Sul, que acaba de sofrer intervenção por parte do Banco Central, com um rombo que pode chegar a R$ 1,5 bilhão.
Depois do desastre, os jornais começam a alinhar os sinais de que alguma coisa ia muito mal na instituição, mas ninguém foi capaz de enxergar qualquer indício de irregularidade na rápida expansão que antecedeu sua queda. Sabe-se, por exemplo, que a família Índio da Costa, controladora do banco, retirou cerca de R$ 200 milhões em dividendos entre 2009 e 2011, quando o banco já vinha acumulando grandes prejuízos.
Porteira arrombada
Os jornais também divulgam agora a informação segundo a qual, dois anos atrás, o Banco Central havia informado à Justiça que o Banco Cruzeiro do Sul se havia transformado em uma “grande lavanderia de dinheiro das mais diversas origens e de forma premeditada”. Segundo a imprensa, o banco foi complacente “com operações que podem estar relacionadas a atividades criminosas”.
Tudo isso depõe contra a suposta capacidade da imprensa de cobrir com senso crítico o mundo dos negócios. Desde o caso Banestado, que, aliás, os jornais resolveram esquecer, os métodos para lavagem de dinheiro são mais do que conhecidos pelos jornalistas. Surpreende, portanto, que essas informações sobre suspeita de crime financeiro no Banco Cruzeiro do Sul só venham à tona dois anos depois de abertas as investigações.
Em 2010, um dos acionistas do banco, o deputado Antonio Pedro de Siqueira Índio da Costa, foi candidato a vice-presidente da República na chapa do ex-governador José Serra. Nenhum jornalista manifestou qualquer sinal de curiosidade em relação aos negócios do candidato. Nessa altura, as suspeitas do Banco Central já haviam sido comunicadas à Justiça – portanto, havia material oficial para alimentar uma reportagem.
Mas a imprensa parece que só enxerga a boiada solta depois de arrombada a porteira.