Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O frenesi pela sustentabilidade

Há semanas a mídia brasileira faz uso inflacionário do substantivo “sustentabilidade”.
Numerosos anúncios em horário nobre bancados por empresas de médio e grande porte assegurando pensar no meio ambiente, num planeta melhor, e recheados de expressões de impacto imediato, ao mesmo tempo em que trazem de bandeja a nós, consumidores, uma confortável conscientização-blitz sobre o meio ambiente. Assim, as empresas possibilitam que seus clientes usem seus serviços com a consciência ambiental limpinha.

A empresa mais experiente naquilo que os marqueteiros denominam de product placement é a Natura Cosméticos. Anúncios com slogans impactantes, imagens bucólicas da embalagem de xampu embaixo da cachoeira nos mostram um mundo perfeito, insinuando que não precisamos nos preocupar. A Natura cuida do meio ambiente para nós.

Uma empresa bem mais inexperiente no curso intensivo de sustentabilidade é a JB FM: durante todo o último fim de semana, de hora em hora, locutores em tom frenético esquentavam o clima anunciando o "kit ecológico JB" e listando seu conteúdo: "boné, lápis, bloco, sacola". E ainda: para obter o kit seria necessário "passar no point da JB FM com o adesivo colado no seu carro". Se o papel do bloco é do tipo reciclável e se a sacola é feita de polietileno ou de saco de juta, são apenas detalhes que não podem nem devem inibir a euforia do ouvinte nem mesmo aguçar o seu senso crítico.

A conferência e a mídia

Quanto mais perto do início do evento, mais morno se tornava os discurso de políticos.
Na quinta-feira (14/06), no programa Terra Sustentabilidade, a ex-candidata à presidência da República Marina Silva se referia à conferência Rio+20 como uma plataforma para encontro de ativistas, de parceiros pela mesma causa nobre. Em nenhum momento de sua entrevista – enfadonha, para dizer ao mínimo – formulou qualquer revindicação concreta a ser colocada em pauta. No programa conduzido pelo empresário Ricardo Young não transpareceu para o espectador o objetivo ou a estratégia da ex-ministra do Meio Ambiente no contexto do evento.

Young também não contribuiu para o esclarecimento do que se pode esperar da Rio+20. Exemplo disso é que ele fez uso de um tempo valioso do programa para exibir, na íntegra, o discurso de Severn Cullis-Suzuki na Rio92, na época com 12 anos de idade. Na sequência, Marina Silva informou estar na mesma mesa de debates da "hoje mulher adulta", em tom bem próximo de uma tietagem política.

Essa entrevista, como tantas outras, espelhou mais uma vez um problema seriíssimo da mídia brasileira: a renitente discrepância, a incompatibilidade entre forma e conteúdo.
Os anúncios em horário nobre feitos com a tecnologia mais moderna, os spots do premiado Hanns Donner são um deleite visual, mas longe de substituir o papel-chave da mídia: informar e esclarecer.

A ingenuidade vs. conscientização ambiental

Ao contrário do Brasil, a Alemanha tem uma longa e sistemática tradição na prática da sustentabilidade, que se espelha no dia a dia por medidas tomadas pelo governo. O cuidado com o meio ambiente começa dentro de casa: como separar o lixo, como usar a água para lavar a louça. Não porque os alemães sejam extremamente sociáveis, mas porque a vontade política do governo acoplou ao desperdício de reservas naturais algo infalível: o dinheiro no bolso do contribuinte.

Quem for exagerado vai ter que pagar, quem usar demais a calefação vai ter uma conta astronômica no final da estação. A dor no bolso do consumidor é uma das pilastras além da conscientização arraigada em grande parte da sociedade de que é nossa obrigação deixar o planeta em boas condições para as próximas gerações.

Crianças do primário já aprendem isso na escola, pública ou particular. Esse trabalho de base da sociedade livra a mídia de permanentes spots na TV chamando a atenção dos consumidores para o uso econômico e comedido das reservas naturais.

Há poucas semanas, a ministra alemã da Agricultura Ilse Aigner lançou na mídia uma campanha alertando sobre o desperdício de alimentos no país, apelando ao consumidor a não se render às regras da data de vencimento etiquetada nos pacotes. A iniciativa foi muito criticada pela opinião pública pelo volume de verba usado para uma campanha de “tom paternalista".

As imagens exibidas nos telejornais dos políticos e porta-vozes sem qualquer noção de como alcançar um compromisso mostram claramente que a Rio+20 corre o mesmo risco de outras tantas conferências: ter no final apenas uma "carta generalizada", sem
acordo concreto entre os países campeões em emissão de CO2. A ausência do presidente americano Barack Obama é um indício que a Carta do Rio será somente um documento contendo orientações para convenções futuras.

Carta da Terra

O escritor e teólogo Leonardo Boff, um dos responsáveis pela Carta da Terra, foi implacável: "O futuro que preparam na Rio+20 vai nos levar ao abismo". E ainda acrescentou, no portal oficial do evento: "Só se fala de economia verde. Mas o que eles querem é apenas uma economia pintada de verde. Temos que ter uma ruptura com o sistema atual".

Quando a conferência tiver terminado e as bicicletas oferecidas gratuitamente pela prefeitura do Rio de Janeiro tiverem sido recolhidas, depois que o “kit da JB FM” tiver esgotado, o horário nobre da TV ainda será preenchido com spots de "empresas verdes" e a novela, logo em seguida, terá dicas para um life-style moderno, com personagens de alta popularidade conduzindo o Rover 4×4. e modelos Kia em cenas de efeito dramático e impactante. Enquanto isso, o meio ambiente é só pintado de verde.

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[Fátima Lacerda é formada em Letras, RJ, e gestão cultural em Berlim, onde está radicada desde 1988]