O caso Watergate ficou tão famoso que virou roteiro de cinema no filme Todos os homens do presidente em 1976 e levou quatro estatuetas do Oscar no ano seguinte. A produção, baseada no livro homônimo de Bob Woodward e Carl Bernstein, conta a história de dois jornalistas que descobrem uma rede de espionagem e lavagem de dinheiro (Woodward e Bernstein, eles mesmos).
Publicada no Washington Post, a história acabou levando, dois anos e dois meses mais tarde, à renúncia do então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon. O caso Watergate foi “o maior escândalo de seu tempo e um dos maiores da história moderna”, na opinião do jornalista especializado em defesa Roberto Godoy, que acompanhou de perto a cobertura do caso no jornal O Estado de S. Paulo, há exatos 40 anos.
O professor de Relações Internacionais e integrante do Grupo de Conjuntura Internacional da USP (GACInt) Cristian Lohbauer acredita que o mundo mudou depois do impeachment do presidente americano. “Todos os regimes democráticos e mesmo os não democráticos aprenderam muito com esse fato”, disse, em referência ao escândalo.
Lohbauer arrisca dizer que os processos que aconteceram com o ex-presidente brasileiro Fernando Collor (1990/92) e com Carlos Andrés Pérez (1989/93), na Venezuela, talvez não encontrassem um caminho jurídico aplicável se não houvesse uma jurisprudência internacional, apesar de as constituições serem diferentes.
“Moral e sociológico”
Para a professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Cristina Pecequilo, o impacto do caso Watergate no mundo é mais moral e sociológico do que prático. Segundo ela, a mudança de legislação posterior na tentativa de proibir o abuso de poder não surtiu efeito na prática, pois as questões continuam sendo tratadas do ponto de vista político e não jurídico.
Apesar de não acreditar em mudanças práticas, Cristina assinala para uma crise moral sem precedentes, que teve impacto na eleição que se seguiu ao escândalo do caso Watergate. Ela avalia Jimmy Carter, que assumiu o poder em janeiro de 1977, como um candidato totalmente distinto. “Ele veio trazer um discurso de moralização da política e de todas essas questões”.
O resultado inusitado das eleições foi reflexo da decepção da população, que havia elegido Nixon no segundo mandato com popularidade bastante elevada. “É algo que pegou os Estados Unidos em um período muito difícil e a sociedade ficou marcada por isso. As pessoas votaram no Nixon e de repente foram confrontadas por essa grande decepção”, avalia.
O primeiro impeachment
Neste cenário de alta popularidade e com os riscos de o presidente cair no auge da Guerra Fria, o impeachment de um líder americano no mundo democrático se tornou o primeiro e mais importante da história, de acordo com Lohbauer. Para o professor, isso mostra a força das instituições americanas. “Elas se impuseram sobre os interesses e perigos daquela época. Ele (Nixon) acaba renunciando, mas só depois de ver que não tinha saída”, disse.
Lohbauer comparou o escândalo ao mensalão, um esquema de compra e venda de votos parlamentares que gerou a maior crise política sofrida do governo Lula. “O mensalão é um caso de impeachment. Se as instituições brasileiras tivessem a força, seriedade e celeridade das americanas, o presidente teria caído”, aposta o professor. Cristina também comparou o caso Watergate ao de Collor, que tirou o ex-presidente do poder em 1992, após denúncias de corrupção política envolvendo o tesoureiro PC Farias. As denúncias foram feitas pelo irmão do presidente, Pedro Collor de Mello. “Em termos de conteúdo, ele é mais similar. Ele se refere a corrupção, abuso de poder e do cargo de maneira geral”, disse.
Para os especialistas, o caso Watergate foi um grande exemplo para o resto do mundo e abalou a política norte-americana, conhecida por uma democracia sem rompimentos. Lohbauer descreve o desfecho do primeiro impeachment do mundo democrático com uma marcante fotografia da história, “quase grotesca”. Após a renúncia, o presidente Richard Nixon sobe no helicóptero presidencial, vira-se para os fotógrafos e faz sinal de vitória. “É o político tradicional, ele sai como se não estivesse fazendo nada e assume o vice, como ordem legal”.
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[Bruna Ribeiro, do Estado de S.Paulo]