Em 1998, quando os Estados Unidos desencadearam a segunda Guerra do Iraque, um canal de televisão impôs sua importância e atingiu o primeiro lugar de audiência entre as emissoras de língua árabe. Trata-se Al-Jazeera, com sede no pequeno emirado do Quatar. Seu avanço no mundo ocidental ocorreu logo depois do atentado terrorista nos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001, já que menos de um mês depois (7/10) transmitiu com exclusividade uma proclamação de Osama Bin-Laden.
Há dois meses foi lançada a Al-Jazeera English (AJE), o novo braço inglês da mais conhecida e controvertida televisão árabe. Mas a emissora tem dificuldades de encontrar, nos Estados Unidos, um provider disponível. No mundo são mais de 40 milhões de casas que sintonizam o novo canal, mas nos EUA o único modo de acesso é via internet.
Custará ao governo do Quatar 300 milhões de dólares a implantação total desse canal, que vem de uma televisão cuja a matriz é tida por muitos como ‘politicamente incorreta’ – haja vista que além das mensagens de Bin Laden, manda ao ar vídeos exclusivos sobre os raptos no Iraque e os cruentos massacres de civis durante a última guerra do Golfo. Mas poucas emissoras podem dizer-se única voz livre do Oriente Médio para dezenas de milhões de espectadores arabófonos – e mostrar os Estados Unidos como um verdadeiro demônio.
‘Há anos Al-Jazeera perturba o sono da administração Bush e agora, como num pesadelo, se multiplica na tentativa de infiltrar sua propaganda em milhões de tranqüilas casas americanas’, diz um oficial americano acantonado em Doha (capital do Quatar).
Muito a fazer
A nova AJE deverá enfrentar muitas dificuldades antes de tentar conquistar o coração de 200 milhões de estadunidenses, o seu ambicionado alvo. Nesse momento é só possível através de web, vigiada pelos analistas americanos que investigam a política editorial e peneiram os conteúdos, palavra por palavra. Tudo isso tem o bafio de censura. Todavia os conservadores alegam a emissora se recusa em a definir o Hamas e o Hezbollah como organizações terroristas, que a correspondente no Líbano chama de ‘mártires’ os mortos na guerra intestina do país e os milicianos armados do Hamas passa a ser vítimas.
A organização American Daily pede a intervenção de Jack Bauer, o herói que combate o terrorismo da série televisiva 24 Horas, interpretado por Kiefer Sutherland, para dê fim aos ‘verdadeiros inimigos’ dos Estados Unidos: ‘Os árabes, com os petrodólares, já compraram grandes fatias da Apple Citigroup e Pepsi e agora querem tomar o ‘ar’ enquanto a América baixa a guarda’.
A coisa vai mais longe. A Accuracy in Media, organização que monitora a qualidade das informações nos EUA, diz sem meios termos: ‘Faremos o possível para que a AJE não encontre nenhum distribuidor’.
Mas também existem os que estão satisfeitos. Por exemplo, o diário USA Today: ‘Al-Jazeera em inglês? Que venha mais competição, mais objetividade’. O Los Angeles Times reconhece que com mais correspondentes que todas as redes americanas somadas, a AJE será uma pedra no sapato das duas grandes concorrentes, a americana CNN e a britânica BBC.
Mas ainda há muito a fazer. Até agora o canal esforçou-se em cobrir com eficácia as notícias. De todo modo, uma rede financiada a fundo perdido pelo governo do Qatar, com profissionais de 40 nacionalidades deslocados para onde outros não estão, tem todas as condições de conseguir.
[Texto de apoio: ‘Ora Al Jazeera parla inglese’, em Venerdi (encarte semanal do jornal la Repubblica)
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Jornalista