Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O que ensina a ESPN americana

Desde 21 de junho último, o site do jornal Folha de S.Paulo passou por remodelação, tentando se adaptar ao novo momento da mídia. Deixou de se chamar Folha.com, passou a ter o logo do jornal e implantou uma modalidade nova na imprensa online brasileira: cobrança por conteúdo. Apesar de uma prática difundida entre grandes nomes do jornalismo mundial, a Folha não está preparada para pôr em atividade o modelo chamado de paywall(“muro de cobrança”) e deveria olhar para a ESPN americana como exemplo, ao invés de se espelhar no New York Times.

O paywallda Folha funciona da seguinte maneira: o leitor tem acesso ao conteúdo completo do jornal (antes, alguns textos eram restritos a assinantes), porém só pode ler 20 textos por mês. Após atingir esta cota, receberá um convite para preencher um cadastro que lhe dará direito a outros 20 textos. A partir do 41º, o convite passa a ser para assinar o jornal e ler o site sem limites.

Vários erros são possíveis de observar, a começar pela iniciativa e passar pelo trâmite do processo. O jornal diz que são 40 textos/mês livres ao usuário. Mas na verdade são 20, pois a outra metade não terá muitos adeptos pelo “simples” cadastro a ser feito. Nem os primeiros 20 devem ser utilizados realmente, visto que muitos leitores não irão voltar a visitar o site justamente por saber que terão uma parede logo à frente para bloqueá-los.

Apostar no paywallnão é a melhor estratégia

Um fato dito por Sérgio Dávila, editor-executivo da Folha, é que o leitor geral não sentirá esta restrição. Quem lê mais de 20 textos por mês no site? Porém só o funcionamento desse método afastou os leitores. Sérgio justifica a ação da Folha dizendo que o jornalismo de qualidade custa caro. Por isso quer angariar mais assinantes para bancar o conteúdo do jornal. Quem responde melhor a este tópico é a ombudsman da Folha, Suzana Singer, responsável por avaliar o comportamento do jornal e de suas iniciativas:

“Para ler pequenos informes sobre o que aconteceu nas últimas horas, em textos mal-ajambrados, ou para saber das fofocas mais recentes sobre celebridades do ‘mundo B’, ninguém precisa gastar um centavo, há uma oferta enorme de sites e blogs gratuitos na rede.”

A Folha se compara ao New York Times, jornal americano que cobra por conteúdo. Entretanto, são realidades totalmente diferentes (e conteúdos diferentes, diga-se). Uma coisa é o NYT criar o tal “muro de cobrança”, outra coisa é a Folha querer o mesmo. No NYT você não vê manchetes deste naipe: “Gretchen toca sino de 'A Fazenda' e pode deixar programa“. O diretor-executivo do jornal paulistano se sustenta na boa receptividade que os leitores do NYT tiveram com o paywall, aumentando o número de assinantes online – e com um detalhe, reduzindo o limite de textos gratuitos de 20 para 10. Mas esqueceu de pontuar um aspecto importante, a resposta para a pergunta: por que existe o paywall?

O New York Times está no limbo, como tantos outros jornais do mundo, tendo queda no número de vendas em banca que acarreta uma gravidade, que é o declínio da publicidade impressa. No último bimestre de 2011, o lucro do NYT caiu 12%, puxado pela queda das propagandas no jornal impresso (8%). Isto contribuiu para que a perda do NYT em 2011 fosse de US$ 40 milhões. Apostar no paywallpara cobrir o rombo que o jornal impresso presenteia não é a melhor estratégia para a o NYT (muito menos para a Folha). Ao invés disto, a estratégia tem de ser outra, apostar num conteúdo gratuito online que seja diferencial do impresso, gerando mais leitores de página única e assim atraindo mais patrocinadores.

Quem é assinante irá encontrar matérias exclusivas

O jornalismo de qualidade entra em cena agora.

E o exemplo melhor disto é o que a ESPN americana faz. O canal de esportes via TV por assinatura tem uma vantagem, visto que arrecada muito através da venda individual que tem nos EUA – o canal é vendido separadamente pelas operadoras, num custo em volta dos 5 dólares, o canal mais caro (de longe) das TVs por assinatura. Nesta brincadeira se ganha um bom dinheiro.

Mas a plataforma digital é outra mina de ouro que a ESPN explora com eficiência e chama a atenção o que ela faz gratuitamente. Antes, vale ressaltar, que eles têm um espaço para assinante, chamado de insider, lugar com conteúdo exclusivo onde as análises de comentaristas/especialistas são os destaques – e não a notícia. Isto evita que um futuro “muro” impeça que um internauta, em meio a um momento de notícia urgente (breaking news), encontre uma indesejada mensagem-convite ao procurar o desdobramento do assunto mais quente em questão. Risco que correm os jornais adeptos do paywallem notícias.

A ESPN fez de seu site um portal esportivo completo de informações e notícias. Conforme medição em maio deste ano, realizada pela comScore Media Metrix, foi o terceiro site esportivo mais visitados por americanos, atrás da Fox/MSN e Yahoo. O site espn.comtraz conteúdo diferente do que é visto na TV e em rádios pertencentes ao grupo. Assim, quem é assinante do canal e/ou ouvinte sabe que no site irá encontrar matérias exclusivas. Abrange um maior público, que pode ser leitor do site e não telespectador ou ouvinte. Como se fossem veículos independentes. Ou seja, a atração do site da ESPN não é o que a Folha prega para que você “atravesse o muro da cobrança” e leia o conteúdo completo do jornal impresso.

Tráfego, page viewse patrocinadores

Um exemplo claro deste trabalho primoroso da ESPN é o realizado com o programa Outside The Lines, grife da emissora que só perde para o Sportscenter em importância. O OTL é um programa investigativo e de debates sobre assuntos “além das linhas” de jogo. Somente ia para o ar aos domingos de manhã, mas ganhou uma versão diária pela tarde e transmissão via rádio também.

No site, o trabalho é magnífico e as matérias publicadas são diferentes das edições diárias ou semanais do OTL na TV. Clique nos links abaixo e observe:

>> Matéria sobre os fãs da cidade de Seattle

>> Matéria sobre o jogo Madden de football

>> Matéria sobre os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro

Note a extensão do texto, o trabalho gráfico, as fotos, a qualidade da informação… Tudo isso de graça, sem custo algum para o internauta. A ESPN aposta nisto para gerar tráfego, page viewse atrair patrocinadores – arrecadando dinheiro para fazer um jornalismo de qualidade.

Esta é a melhor estratégia.

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[João da Paz é jornalista e articulador do blog Grandes Ligas]