Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A noiva de Frankenstein

Na temporada de premiações de Hollywood, é comum vermos no tapete vermelho uma celebridade mal vestida, beirando o ridículo. Não tem como não pensar: “Como é que uma pessoa rica e famosa consegue ser tão mal assessorada?” ou “Quem foi que deixou essa mulher sair desse jeito de casa?” Pois é justamente essa a sensação que muitos tiveram assistindo a Encontro com Fátima Bernardes, programa que estreou nas manhãs da Globo na segunda-feira (25/6). Como pode uma jornalista experiente e poderosa, ícone da maior rede de televisão brasileira, ter sido colocada no ar sem o devido assessoramento? Quem foi que disse que um amontoado desconexo de temas e de segmentos – além da discutível formação do painel de convidados, plateia e correspondentes internacionais – seria uma boa ideia para um programa matinal?

Quando Fátima Bernardes anunciou sua saída da bancada do Jornal Nacional para se dedicar a um projeto – um novo programa para a grade diurna da Rede Globo – pensou-se que seria algo no mesmo formato do americano The View, um sucesso comandado pela jornalista Barbara Walters, uma das mais respeitadas da história da TV nos Estados Unidos. The View é transmitido pela rede ABC de costa a costa e reúne, geralmente, cinco painelistas fixas – entre elas, a atriz e comediante Whoopi Goldberg, uma republicana conservadora e uma democrata liberal – e traz convidados diferentes para compor a bancada, dependendo do tema do dia.

O programa também conta com entrevistas ao vivo e matérias externas, sempre relacionadas a um eixo temático central, que varia diariamente. Entre os segmentos mais populares, há o “Cooking with Sherri” – em que uma das painelistas recebe uma “ajudinha” de uma celebridade para melhorar seus dotes culinários –, “Joy’s month in review” – com uma retrospectiva dos principais fatos do mês com um toque cômico – e uma coletânea de tweets de celebridades (e das próprias painelistas) com comentários, para que o programa tenha a hoje tão necessária interação com as redes sociais.

Bonitinhas, mas sem “conteúdo”

Contudo, talvez o sonho de Fátima Bernardes fosse outro: embora jamais tenha confessado, Fátima quer mesmo é ser a Oprah Winfrey brasileira. Isso explica o cenário, a presença da plateia, as matérias externas e até mesmo o nome do programa, centralizado na figura da jornalista mais famosa do Brasil. Mas parece que sua equipe não aprendeu nada com a rainha da televisão mundial: agilidade, segmentação e unidade temática significam tudo quando se fala em televisão diurna.

O primeiro tema de Encontro foi adoção, que seria uma excelente aposta se a discussão não tivesse se arrastado por longos três dias. Além disso, a falta de coesão entre um segmento e outro é chocante: se alguém tirou os olhos da TV por dois minutos, surpreendeu-se com o salto de uma matéria sobre um pai reclamando do relacionamento entre sua filha e um professor mais velho para um quadro sobre gorjetas de garçons aqui no Brasil, em Nova York e em Tóquio.

Outro problema que revela um surpreendente amadorismo na concepção de Encontro com Fátima Bernardes diz respeito ao cenário. O mix de alta tecnologia ao fundo com pessoas comuns sentadas ao redor de Fátima distrai o telespectador, além de causar momentos constrangedores, como a senhora idosa que segurava um bocejo às costas da apresentadora.

Um dos fatores que tornaram a nova atração tão entediante é a composição do painel. Enquanto a presença de Lília Teles, uma repórter experiente, traz credibilidade e agrega valor aos debates, as intervenções do jovem Lair Rennó são de causar vergonha: nenhuma das notícias supostamente “quentes” que ele traz diretamente da internet são interessantes ao público que está ligado ao programa, em sua imensa maioria mulheres, entre 25 e 60 anos. O comediante até que tem funcionado, mas nada muito diferente do que o Louro José já faz há anos junto a Ana Maria Braga (que sai fortalecida diante da decepção com a nova atração, assim como o programa Bem Estar).

As outras duas repórteres – Aline Prado e Gabriela Lian – foram recrutadas “no corredor” da Globo, como a própria Fátima explica em matéria veiculada pela edição online do jornal Extra. Isso explica muita coisa: são bonitinhas, ficam ótimas no vídeo, mas não têm exatamente “conteúdo” para competir com a apresentadora, o que talvez tenha sido a intenção desde o início.

Programa mal planejado

Pior que isso é a participação da plateia: a verdade é que ninguém tem muita paciência em ouvir o que uma pessoa comum – que poderia ser sua vizinha de porta ou aquele senhor sentado ao seu lado no ônibus – tem a dizer sobre o que quer que seja. Se for para ter uma opinião diletante sobre um tema, que seja a opinião de alguém famoso, pelo menos. O “achismo” de sua colega de trabalho nunca será mais interessante que o “achismo” da atriz famosa da novela das oito (Serginho Groissman sempre soube muito bem como fazer isso lá no seu Altas Horas, infinitamente mais dinâmico e alinhado com o novo modo de fazer televisão exigido pela era da informação digital).

Na imprensa, nos últimos dias, falou-se muito sobre a guerra de audiência com o SBT e a Record nas manhãs de segunda a sexta, um monstro que aterroriza a Globo há anos. A impressão que se tem é a de que se criou uma noiva para Frankenstein, com retalhos de diversas atrações da emissora e pedacinhos copiados das concorrentes para ganhar pontos nessa briga.

Na verdade, a baixa audiência é apenas mais um problema. É frustrante ver alguém com o potencial de Fátima Bernardes, que abdicou do posto de apresentadora do telejornal mais importante do país para tentar fazer algo diferente, ir ao ar com um programa tão pobremente planejado. Esperava-se mais dela e de sua equipe, dada a máquina perfeita que tinha nas mãos: a estrutura incomparável da Rede Globo. É incrível que alguém tenha deixado a jornalista sair de casa para entrar numa roubada dessas.

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[Candice Soldatelli é jornalista e tradutora]