Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O bom, o belo e o injusto

Após a divulgação neste Observatório do texto “Crônica da república dos publicitários”, a Prefeitura de Osasco parou de fazer propaganda na Rede Bandeirantes de Televisão. Retomo este assunto desagradável porque na semana passada a Band voltou a veicular a mesma propaganda da Prefeitura de Osasco. A credora do precatório mencionado no texto divulgado pelo OI há quase um ano, entretanto, ainda não recebeu seu modesto crédito referente a verbas trabalhistas.

O governador do estado de São Paulo recebeu o ofício do TJESP para nomear interventor em Osasco há mais de um ano e ainda não tomou qualquer providência. Alckmin não pode alegar que desconhece a decisão do TJESP ou sua obrigação. Ele já foi alertado inclusive aqui mesmo no OI em novembro de 2011 (ver aqui). Desde então, ele tem sido constantemente instado a fazer o que deve ser feito pelo Twitter.

Como a credora tem direito de receber o precatório em questão (R$ 14.467,80 em valores de 01/10/2002), recentemente foi enviado, em nome da credora, uma representação a Comissão de Direitos Humanos da OEA. O fundamento é singelo: os agentes públicos brasileiros não estão respeitando a Convenção Americana de Direitos Humanos que garante aos cidadãos dos países signatários, caso do Brasil, a solução de demandas judiciais num tempo razoável; o pagamento desta credora está sendo indefinidamente protelado.

“Moralidade administrativa”

Não vou cansar o leitor com tecnicalidades jurídicas para defender o cumprimento de decisões judiciais imutáveis. Este caso já transbordou a esfera do Direito brasileiro para adentrar no do Direito Internacional. Na verdade já deixou o campo jurídico para penetrar no da comunicação e até no da estética escolástica. Antes de 1243, Roberto Grosseteste, em seu comentário a Dionísio, afirma: “Si igitur omnia communiter bonum pulchrum 'appetunt', idem est bonun et pulchrum”. Em seu livro Arte e beleza na estética medieval (Record, 2010, p. 53), Umberto Eco traduziu esta afirmação como “se, portanto, todas as coisas têm em comum o fato de tender para o bem e o belo, então o bem e o belo são a mesma coisa”.

A Prefeitura de Osasco não pagou sua credora e usa sistematicamente dinheiro público para propagandear supostas virtudes do município na Rede Bandeirantes de Televisão. O governador do estado de São Paulo se recusa a cumprir a ordem judicial para nomear interventor em Osasco para que a credora possa receber a modesta quantia que lhe é devida e, em razão de sua omissão, obrigou-a a representar o Brasil na Comissão de Direitos Humanos da OEA. As atitudes do prefeito de Osasco e do governador do estado de São Paulo não podem ser consideradas expressões do “bem” referido por Grosseteste, nem, portanto, do belo.

O “belo” município de Osasco que é visto na propaganda veiculada pela Band é enganoso. Desde que o texto “Crônica da república dos publicitários” foi publicado no OI, a Rede Bandeirantes de Televisão sabe ou deveria saber que se locupleta às custas do sofrimento de uma credora do município. A mesma Band que prega insistentemente a “moralidade administrativa” nos seus telejornais reforça a imoralidade pública ganhando para fazer propaganda enganosa de uma Prefeitura caloteira. Mas nada disto parece importar o clã Saad. O show tem que continuar e dar lucro, mesmo que não seja bonun et pulchrum.

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[Fábio de Oliveira Ribeiro é advogado, Osasco, SP]