Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A vontade dos poderosos

 

Romulo e Ronaldo Maiorana não perdoam Alex Fiúza de Melo, ex-reitor da Universidade Federal do Pará e atual secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado. Alex cometeu o crime capital de depor como minha testemunha de defesa em alguns dos processos que os irmãos moveram contra mim, depois que Ronaldo me agrediu, em janeiro de 2005.

É bom ressaltar que fiz a indicação do nome de Alex diretamente à juíza dos processos, sem combinar previamente nada com ele, que só ficou sabendo pela intimação judicial. Mesmo que não quisesse depor, Alex não podia fazê-lo.

O então presidente da Vale, Roger Agnelli, tentou se livrar dessa responsabilidade. Ao confirmar que queria ter o depoimento do executivo, autorizei a juíza que tratava do caso no foro do Rio de Janeiro a usar força policial para levá-lo sob vara para depor, se necessário.

Roger acabou indo. Embora para mentir. Já fizera acordo com os donos do grupo Liberal para não levar em frente a ação de indenização que movera contra a empresa dos Maioranas porque ela cobrara em juízo duplicata fria, sem endosso do alegado devedor, que seria a Vale.

No dia em que ajuizaram a ação, os advogados da mineradora, vindos do Rio, me convidaram para um café da manhã no Hilton. Queriam que eu lhes relatasse minha experiência de tantos anos na linha de frente judicial com os poderosos Maiorana (quase que sai o Prizzi).

Falei-lhes também da sensação de espanto e repulsa quando vi os autos da ação monitória baseada num título de crédito imprestável, mas recebido pelo juiz da vara. Ficaram satisfeitos com a minha exposição e foram para o fórum, onde registrariam a primeira reação de uma grande empresa à tentativa de – digamos assim – coação ilegítima do grupo Liberal sobre integrantes da sociedade civil e empresarial da terra.

Mas depois Roger jantou com Ronaldo no restaurante Satyricon, no Rio, e acertaram as contas. A Vale continuaria a inundar os veículos do grupo com anúncios, como faz até hoje, e sairia da condição de Belzebu para a de arcanjo nos veículos da família. Onde se lia que ela explorava o Pará, se passou a ler que o Pará é um presente da Vale. Por milhões e milhões de argumentos, é claro. O acordo informal em mesa de restaurante foi agora sacramentado na justiça e cada parte se retirou com sua respectiva demanda. Já com Murilo Ferreira no cargo que Agnelli ocupou por 10 anos.

O carrapato e o elefante

Alex Fiúza de Melo foi à juíza e disse a verdade, verdade essa apresentada em abundância de provas pela minha defesa, enquanto a acusação nada tinha a opor. Minha convicção sobre o que publiquei era tal que recorri à exceção da verdade, assumindo o polo ativo do processo para demonstrar cada afirmativa que fiz. Com isso ganhei todas as ações penais que os irmãos Maiorana propuseram, com leviandade e arrogância tal que jamais compareceram às audiências, nem mesmo quando sua presença era imposta pela lei. Comportamento inusitado para autores de ação.

Desde então, Alex tem sido vítima da vendetta desses falsos donos da moral e dos bons costumes. Na última edição de domingo O Liberal voltou a fustigar o ex-reitor com matéria sobre as contas da sua administração. O jornal tem todo direito de noticiar a respeito da tramitação da prestação de contas de Alex junto ao TCU (Tribunal de Contas da União).

O que não pode é deixar de ouvi-lo, como faz sistematicamente, contrariando regra de ouro do jornalismo. Foi justamente essa recusa a dar voz à outra parte da questão que me fez recorrer ao testemunho de Alex nos processos. Ele era a comprovação de que o grupo Liberal não pratica o jornalismo sério, honesto e de credibilidade que sua má propaganda alardeia.

Quando Agnelli se recusou a mandar endossar os títulos que o grupo Liberal emitiu para cobrar mais patrocínio da mineradora às suas promoções, o jornal foi inundado, em páginas e mais páginas, por matérias contra a Vale. Só quando a campanha já estava avançada é que a assessoria jurídica dos Maioranas deu o alerta: eles estavam se sujeitando a uma ação de indenização por atacarem sem darem o direito de defesa ao réu do seu tribunal especial.

Mas já era tarde: a Vale se armara com munição bastante para a cobrança de ressarcimento. Ganharia na certa. Não aqui, na justiça paraense, é claro, que morre de medo dos Maioranas. Mas nas instâncias superiores seria impossível deixar de reconhecer a procedência do pedido.

O poderoso Roger Agnelli, contudo, recuou e achou melhor ceder à cobrança voraz dos donos do grupo Liberal. Assim se livraria de um carrapato (com todo respeito ao distinto) para tratar das suas batalhas com elefantes pelo mundo. Se fora para agir dessa maneira covarde, o melhor teria sido nunca entrar no terreiro. Alertei os integrantes do corpo jurídico da mineradora para o nível rasteiro da conflagração que se pratica na imprensa local. Mas eles disseram que a iniciativa seria para valer. Não foi.

Caminho natural

Continuo torcendo para que Alex e outras vítimas da ação imoral e antiética do grupo Liberal resistam e mantenham sua dignidade, sem ceder aos golpes, por mais baixos que sejam. Se não conseguir ser ouvido pela empresa que os ataca, então recorram a outros meios legais e legítimos, se consideram-se corretos e se foram injustiçados.

É uma frase surrada, mas continua valendo: a verdade tarda, mas não falha – mesmo que não venha através da justiça, caminho natural para esse tipo de situação nas democracias e nas sociedades civilizadas. Não somos ainda desse tipo. Mas, quem sabe, no futuro, se conseguirmos manter nossos princípios, venhamos a ser?

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[Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)]