Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Traços de direita’ e evidencias de tribalismo

Luiz Weis está coberto de razão ao indignar-se com o necrológio do poeta Gerardo Mello Mourão publicado na Folha de S.Paulo [‘O poeta, o espião e ‘os traços de direita‘]. A Ação Integralista Brasileira (AIB), a qual pertenceu GMM e tantos outros intelectuais que, como ele, mais tarde assumiram posições muito à esquerda, não foi uma inocente agremiação conservadora e nativista.

Os camisas-verde com o braço erguido gritando ‘Anauê!’ eram militantes assumidamente fascistas, muito bem organizados (300 mil oficialmente registrados), ligados tanto a Benito Mussolini como ao nacional-socialismo (nazismo) alemão. Jogavam pedras, espancavam mas também ajudaram a quinta-coluna do Eixo, mesmo depois do desmantelamento da AIB em 1938.

Premido pela pressa ou pelo empenho em branquear a biografia do seu colaborador e ex-correspondente internacional, o obituarista da Folha foi condescendente com um perigoso movimento político que deixou profundas marcas tanto na elite civil como militar brasileira. O grande Ezra Pound (1885- 972), também condenado pelo passado nazi-fascista, não precisou ser maquiado quando morreu. Nem o filósofo Martin Heidegger (1889-1976). Nas sociedades civilizadas, justamente porque são civilizadas, é possível entender estes percursos truncados.

Sistema perverso

Pecado maior, porque premeditado e profundamente injusto, foi cometido pelo resto da grande imprensa diária. Para não prestigiar um poeta de altíssimo nível que durante algum tempo era concorrente na condição de funcionário da Folha, os obituaristas de plantão simplesmente esvaziaram a avaliação literária de Gerardo Mello Mourão.

Os traços de maquiagem combinados ao tribalismo paroquial são as duas faces de um perverso sistema que uma imprensa democrática e humanizada deveria rejeitar.