De maneira geral, a mídia condena o cenário de desequilíbrio entre homens e mulheres na sociedade. Critica as distorções no mercado de trabalho, a diferença dos salários, os mecanismos de opressão, a sobrecarga sobre elas. Entretanto, a mesma mídia – numa espécie de comportamento padrão – reproduz uma lógica sexista em sua cobertura. Basta ler o diagnóstico que este Monitor oferece esta semana. Elas só aparecem como protagonistas nas páginas das seções menos influentes, como se a elas fosse relegado um espaço menos decisivo e nobre. Como se a elas coubesse ainda o setor das amenidades, das perfumarias.
Apesar disso, cada vez mais, mulheres ocupam postos-chaves no mercado de trabalho jornalístico. Elas não são apenas mais as repórteres novatas, mas respondem por editorias, por departamentos de jornalismo, por veículos inteiros. Nada demais se esta mesma importância estivesse espelhada nas páginas dos jornais ou nos minutos da TV. Mas essa contradição, essa miopia contumaz ainda assola as redações.
Parece não adiantar que elas dividam com os homens espaços exíguos nas coletivas de imprensa; que elas ditem tendências de coberturas; que elas ‘oxigenem’ o noticiário. As pautas mudam pouquíssimo, quase nada. Os meios de comunicação criticam a sociedade, mas seu trabalho atua como reforço do estereótipo. Basta lembrar: o diagnóstico que o Monitor oferece nesta edição se concentra numa semana atípica, em que elas são ‘as homenageadas’. Se neste período a coisa está assim, que dirá em outras épocas…
Por que isso se mantém? Que tipo de vírus sexista ainda infecta as mentes e as redações? Como oferecer uma cobertura diferenciada, inteligente, sensível e equilibrada nessas datas? Essas são questões para homens e mulheres.
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Mulheres têm pouco destaque nas editorias mais influentes
Na semana do Dia Internacional da Mulher, o Monitor de Mídia observou como essas personagens freqüentaram o noticiário nos jornais catarinenses. No período de 3 a 8 de março, atentamos para o protagonismo delas nas matérias, o destaque que alcançaram e a centralidade de suas figuras na semana. Os resultados apontam para o fato de que elas pouco aparecem com relevância nas seções de Política, Economia, Polícia e assuntos mais ‘sociais’. A figura da mulher tem melhor visibilidade quando as personagens são famosas, e nesses casos, suas maiores vitrines são os cadernos de Lazer. Uma distribuição irregular que espelha a situação ainda existente de desequilíbrio dos papéis de homens e mulheres.
Onde elas estão?
A sociedade concorda com o crescimento do papel social e econômico da mulher, mas elas ainda assumem um papel secundário. No livro ‘A arte da fazer um jornal diário’, Ricardo Noblat cita a importância dos jornais atraírem um público maior. Isso faz refletir diretamente a situação dos periódicos catarinenses, que transparecem acreditar que a mulher apenas se interessa por resumos de novela, horóscopo e frivolidades.
Diário Catarinense
Das 14 matérias/notas/entrevistas protagonizadas por mulheres, apenas 5 não faziam parte dos cadernos de Lazer:
No dia 3/3, a matéria ‘Coleção de dar inveja’ saiu na contracapa do jornal. No dia 6/3, uma nota sobre a senadora Ideli Salvatii foi publicada no ‘Informe Político’ e outra nota sobre uma ‘palestra sobre a mulher’ foi publicada na seção ‘Diário do Leitor’. Em 7/3, foi publicada a matéria ‘Cresce força da mulher em SC’, na página 18 da editoria de Economia. Neste mesmo dia, novamente foi publicada uma nota sobre ‘palestra para mulheres’ no ‘Diário do Leitor’.
Os outros nove textos (matérias maiores e com fotos) foram todos publicados nas páginas menos nobres: 3 no ‘Variedades’, 3 no ‘TV+Show’ e 3 no ‘Donna DC’.
A Notícia
O jornal com sede em Joinville começou manso. No dia 5/3, pôde-se conferir a matéria ‘Gordura para girar motores’ na editoria de Meio Ambiente, com destaque e foto da engenheira química responsável pela purificação dos componentes na extração do biodiesel a partir de gordura. Neste dia, o AN também apresentou uma matéria sobre a exposição e vida da artista Camille Claudel. Nas segundas-feiras, dentro do Anexo, o suplemento cultural veio com espaço dedicado somente a elas. Entretanto, não havia nada de especial, nem mesmo menção ao Dia Internacional da Mulher. O ‘especial’ publicou matéria sobre gravidez e prevenção na adolescência, além de uma crônica ‘Nem menina, nem mulher’, que se referia ao mesmo assunto.
Na edição do dia 6/3, as mulheres apareceram novamente no caderno Anexo. O jornal publicou uma matéria sobre o livro da mãe da dupla sertaneja Zezé Di Camargo e Luciano relatando sua trajetória como genitora, esposa e trabalhadora; e ainda, uma entrevista com Brigitte Bardott, que há anos se dedica à fundação a que empresta o nome e que luta pela defesa dos direitos dos animais.
Em nota, Raul Sartori divulgou em sua coluna o lançamento do livro de uma criciumense, com homenagem no shopping de Criciúma e destaque para as mulheres da região que foram notícia no ano passado.
O tema mesmo ficou para o dia 7/3, em que foi manchete: ‘Mulher em SC estuda mais e ganha menos’. Tudo bem que o assunto já ficou repetitivo, afinal todos os anos os periódicos fazem o mesmo balanço e comparação, mas o fato de aparecer como manchete e não sendo o dia das mulheres já significa alguma coisa.
Em ‘Destaque’, o assunto foi abordado com matérias sobre as diferenças salariais, a dificuldade de ascensão profissional entre as mulheres e a participação no mercado catarinense em ‘Mais estudo, mas menos salário’; as mulheres que ocupam funções tradicionalmente masculinas em ‘Os redutos masculinos são ocupados’; e ainda faz um paralelo nacional, com São Paulo, sobre o desemprego maior entre mulheres em: ‘Participação feminina se mantém estável em SP’.
Na editoria de Política, saiu apenas uma nota na coluna ‘Canal Aberto’ em que Bete Anderle assumirá a superintendência da Fundação Catarinense de Cultura no dia 8 em homenagem ao Dia Internacional da Mulher.
Jornal de Santa Catarina
Na edição de 5/3, a seção ‘Opinião do Santa’ publicou o artigo intitulado ‘A força da mulher’, que sintetizava o abandono da idéia de que ser mulher é ser frágil. Já o caderno ‘Vida’ trouxe a matéria ‘Governada pelos hormônios’, em que abordou a influência causada por eles nas ações e decisões tomadas por mulheres.
Na edição do dia 7/3, ‘Cresce participação de mulher no mercado’ apresentou dados sobre a participação do sexo feminino no mercado de trabalho, informou entre outros que o crescimento em 20 anos foi de 7% e que apesar de possuir grau de escolaridade maior, normalmente recebe menos que os homens quando exerce a mesma função. O ‘Informe Econômico’ trouxe notas sobre homenagens que seriam prestadas às mulheres em Blumenau e região.
Homenagens nada especiais
Em 16/03/2006, na edição 85 do Monitor, o Dia Internacional da Mulher entrou na pauta pela precária e cansativa cobertura que recebeu dos periódicos catarinenses.
‘(…) De maneira geral, não fugindo a um clichê jornalístico, todas as matérias dos jornais sobre o Dia Internacional da Mulher foram baseadas na conquista de espaços no mercado de trabalho e da maior participação e força de decisão das mulheres na sociedade. Será que o leitor (e as leitoras) não se cansa(m) disso? É possível fazer diferente? Quem se habilita?’
Em 2007, a coisa não mudou muito. De maneira geral, nada de novidade para as leitoras. A mesmice foi comum nos três jornais analisados. A falta de criatividade, de pautas novas e interessantes deixou claro que os periódicos pretendiam somente cumprir a agenda. A cobertura morna, sem nenhum especial em homenagem ao público feminino, decepcionou. E a pergunta ainda continua: alguém se habilita a fazer diferente?
Diário Catarinense
A edição de 8/3 do Diário Catarinense não trouxe nada especial referente à data. Os leitores – em especial, as leitoras – que folhearam o jornal na esperança de ler alguma matéria exclusiva, ficaram na expectativa.
Apesar do título ‘Que dia é hoje?’, o texto do colunista Luiz Carlos Prates apenas criticou a postura das mulheres e meninas que usam cor-de-rosa e as roupas da senadora norte-americana, Hillary Clinton.
Na ‘Opinião’, o DC fez um breve comentário sobre o crescimento das mulheres no mercado de trabalho no estado. Tratou dos seus salários, em média 15% menores que os dos homens, além das mulheres ocuparem apenas 20,7% dos cargos de direção.
Já na página 12, dois artigos foram publicados: ‘Comemorar ou mudar?’ e ‘Dia da Mulher’. O primeiro, de Ângela Amin, é uma reflexão sobre a participação da mulher da esfera pública, enquanto o segundo, de Saul Alcides Sgrott, explicou porque a data é comemorada no dia 8 de março.
Na página 4 do caderno ‘Variedades’, saiu ‘A saga de uma grande religiosa’, matéria curta que descreveu o documentário sobre Santa Paulina. Na página 6 do mesmo caderno, a matéria ‘A cultura de portas abertas’ apresentou uma entrevista com a diretora da Fundação Catarinense de Cultura, Elisabete Anderle.
Na editoria ‘Geral’, as matérias de cunho feminino foram ‘Violência contra a mulher fere 15 em cada 100 brasileiras’ e ‘Dona Fofa abriga vítimas de agressão’, preencheram a página 35.
Ao que parece, no ano passado o DC fez melhor:
‘(…) No Diário Catarinense, as páginas 4 e 5 foram destinadas a uma reportagem especial no Dia Internacional da Mulher. ‘Mulheres que constroem Santa Catarina’ contou com a bela foto da pedreira Rosemarli Tanaka abrindo a publicação e um infográfico que trouxe em percentuais a etnia, ‘ocupação’ e ‘remuneração’ das mulheres catarinenses.’
Será que, este ano, nenhuma ação feminina foi digna de destaque?
A Notícia
No Dia Internacional da Mulher, A Notícia deixou as mulheres em segundo plano. Isso porque a data comemorativa recebeu pouco destaque. A manchete na edição passada reduziu-se a apenas à chamada de capa: ‘Mulheres fazem o que gostam’.
A opinião registrou com maior evidência a data. Foram três artigos: ‘Mulher, metade homem’ de Paulo Stolf; ‘Revolução feminina’ de José Roberto Provesi, também publicado no Jornal de Santa Catarina, no mesmo dia; e ‘Mulher, a última esperança’ de Daniel Valois.
A editoria ‘Destaque’ apresentou matéria de mulheres que largaram o emprego para cuidar dos filhos e da casa, como uma fisioterapeuta, além de histórias da dona de uma fazenda e sua rotina, de uma noviça de 16 anos e de uma professora, com o título: ‘Elas fazem aquilo que gostam’.
Jornal de Santa Catarina
No dia 8/03, com a chamada de capa ‘Mulheres que trabalham pesado para sobreviver’, o Santa apresentou a história de três mulheres que venceram em profissões antes exercidas apenas por homens. Na editoria ‘Geral’, a matéria ‘Elas ralam’ contou a história de uma mulher que trabalha operando caminhão de guincho, de uma frentista e de uma desempregada que encontrou na coleta de materiais recicláveis a garantia do sustento de casa.
No mesmo dia, na ‘Opinião do Santa’, foi destacada a importância da mulher e o histórico da data comemorativa. Entre os colunistas, Cláudio Holzer, da ‘Passe Livre’, escreveu que não há nada mais magnífico que a mulher e homenageou as atletas blumenauenses. No artigo ‘Nós, mulheres’, a jornalista e colunista semanal Anamaria Kovács descreveu situações reais e confrontou a realidade, expondo a conquista da mulher no mercado de trabalho e as conseqüências de se ter uma dupla jornada.
Os leitores do Santa demonstraram interesse e valorização à data. O espaço destinado a artigos, na seção ‘Opinião’, teve como assunto abordado a mulher em dois textos. O primeiro de José Roberto Provesi, reitor da Univali, e o segundo da conselheira da câmara da Mulher Empresária da Acib, Vivian Persuhn Gielow.
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