No universo dos quadrinhos, o mundo corporativo só faz sentido para personagens como Tony Stark e Bruce Wayne, CEOs de empresas, ou Peter Parker e Clark Kent, subalternos em conglomerados de mídia. Mas eis que os quadrinhos fazem o caminho oposto: trazem um herói do mundo corporativo para os gibis. A ideia da graphic novel O Zen de Steve Jobs (de Caleb Melby e Jess3) nasceu e se desenvolveu no mundo das agências de criação publicitária. Por sinal, Jess3 é o nome de uma agência. Para completar, a revista Forbes é a madrinha do “empreendimento”.
É consenso que o fundador da Apple, Steve Jobs (1955-2011), triunfou no mundo dos negócios com métodos e ideias heterodoxas. A graphic novel busca mostrar que parte dessas ideias vieram do convívio com o zen budismo e com as ideias também heterodoxas do monge japonês Kobun, herdeiro de uma linhagem de sacerdotes de zen soto de Kyoto. Kobun era um rebelde em sua terra natal. Frequentou a universidade de Kyoto de 1957 a 1965 e indispôs-se com seus mestres zen por causa da tradição de castigos corporais, que rejeitou. Em 1967, recebeu uma carta de outro monge que estava lecionando num mosteiro em São Francisco, nos Estados Unidos. Ele o convidava a ir à América para criar o primeiro mosteiro zen do país. Kobun foi desaconselhado por seu mestre, mas desobedeceu a ordem e foi para a Califórnia.
No início dos anos 1970, Kobun era professor no subúrbio de Los Altos e conheceu um jovem chamado Steve Jobs. Tornaram-se grandes amigos, numa relação de muito atrito e generosidade mútua. “Você é esperto e presunçoso. Eu já fui como você. Temos de mudar isso”, disse Kobun a Jobs. Foi o monge que celebrou seu casamento com a mulher de sua vida, Laurene Powell.
Pensar como os vencedores é melhor
O cartunista Caleb Melby disse que essas tensões constantes entre o monge budista e o businessman o levaram a buscar inspiração no personagem Calvin, de Bill Waterson, e a relação que este mantém com seu tigre de pelúcia, Haroldo. Foi Kobun quem ajudou Jobs a se reerguer após o “tombo” que levou de John Sculley, que o afastou de sua própria empresa em 1985.
Mas o que poderia haver de comum entre a sabedoria de um mestre zen e as ambições de um milionário da tecnologia? “Na mente do perito, existem poucas possibilidades. Na mente do principiante, existem muitas”, disse Kobun certa vez. Jobs tentou muitos caminhos antes de seu triunfo. Consumiu drogas lisérgicas, viveu um tempo alimentando-se somente de frutas. Mas foi por meio do estudo da caligrafia, dos grafismos, dos epigramas e dos koan (forma de contar histórias usada pelos budistas zen rinzai) que chegou às formas revolucionárias – como o primeiro grande círculo de controle do iPod.
Kobun era uma espécie de antimonge. Adorava fast-food, fumava maconha, parecia distraído. Mas logo se via por que o consideravam um sábio. “Você fez aquilo que precisava fazer”, lhe diz Jobs uma vez, sobre sua decisão de vir aos Estados Unidos. “Aquilo que eu queria fazer”, foi a resposta.
Jobs foi até Kobun porque intuía que o caminho dos novos negócios não passava pela forma de pensar dos velhos negociantes – acreditava tanto nisso que fez de Kobun o guru espiritual da Next. É claro que há um esforço de doutrinação na graphic novel, um substrato de autoajuda. Pensar como os vencedores é melhor que pensar como os perdedores, raciocina a cultura americana de business.
Kobun afogou-se ao tentar salvar a filha
Mas Melby não é chapa-branca na sua história. “Na cultura pop, estamos habituados a imaginar os sacerdotes budistas como indivíduos absolutamente serenos e sábios, mas a vida de Kobun foi cheia de tumultos. No fim, foi isso que afastou os dois. Um deles queria ser o inovador perfeito, fazendo produtos em escala maciça. O outro estava trabalhando para atingir a paz interior. Quando Steve começou novamente a ter sucesso nos anos 1990, ele e Kobun já não se entendiam. A perfeição foi o prego que estilhaçou a relação deles.”
Em 2002, na Suíça, onde vivia, Kobun afogou-se ao tentar salvar a sua filha de cinco anos, Maya, que caíra do cais em um lago gelado. Morreram ele e a filha.
***
[Jotabê Medeiros, do Estado de S. Paulo]