Saturday, 16 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Nos jornais, apenas o trivial variado

 

Se o leitor de jornais tivesse que definir qual é o tema central da imprensa brasileira nos dias de hoje, certamente haveria tal diversidade de respostas que seria impossível estabelecer um padrão.

Nas últimas semanas, os diários se concentraram no caso Demóstenes-Cachoeira, abordaram alguns escândalos no Judiciário, acompanharam as disputas por espaço nas chapas de candidatos às eleições municipais e deram curso a declarações de líderes partidários em seu jogo de composições e alianças. Paralelamente, muita notícia de violência em São Paulo e algumas especulações sobre o estado da economia nacional, por conta de números considerados decepcionantes no desempenho do Produto Interno Bruto.

No cenário internacional, prossegue no alto das páginas o criminoso massacre imposto aos sírios pelo ditador Bashar al-Assad e de vez em quando repercutem por aqui detalhes da disputa eleitoral nos Estados Unidos. Aparentemente, a crise econômica na Europa tem ocupado menos espaço, apesar de não haver propriamente dados otimistas e resultados concretos das medidas de socorro aos países endividados.

No noticiário local, destaques para o clima, os engarrafamentos diários de trânsito e o futebol, sempre um assunto renovado e uma alternativa para dias sem grandes manchetes. Mais recentemente, a proximidade das Olimpíadas de Londres produz cadernos especiais e reportagens apresentando nossos atletas mais promissores.

Para o leitor distraído que só lê jornais, pode parecer que o mundo anda calmo demais, ou que, no cenário complexo em que vivemos nesta segunda década do século, pouca coisa é capaz de produzir o estranhamento que é a raiz de toda notícia.

Pode ser que, de tanta manchete inócua, o leitor tenha ficado anestesiado contra o impacto dos acontecimentos, como se não houvesse mais novidade capaz de mexer com as emoções do público. Mas também há outra possibilidade: a de que a mídia tradicional, aquela que funcionava como catalizadora, organizadora e distribuidora de notícias e opiniões, esteja se tornando menos relevante.

Talvez estejamos assistindo a um processo acelerado de entropia dos meios centralizadores de informações.

O deslocamento da notícia

Observe-se, por exemplo, como os principais jornais do país prepararam a ressurreição do Fundo Monetário Internacional. Ausentes do noticiário há quase oito anos, quando a economia do Brasil passou a crescer, distribuir melhor a renda e reduzir o endividamento, os conservadores conselheiros do FMI sumiram do noticiário, com suas receitas recessivas e sempre penosas para o lado do assalariado. Mais recentemente, os analistas começaram a aparecer aqui e ali, dando palpites nas medidas contra a crise em alguns países da Europa, sempre fiéis ao modelo do arrocho.

Nesta terça-feira, dia 17, o FMI retorna à primeira página dos jornais brasileiros, reabilitado do ostracismo a que foi relegado em quase uma década. Mas, atenção: alguma coisa mudou.

O FMI aparece nas chamadas principais com previsões de crescimento mais modesto para a economia do Brasil e de outros países, mas, ao contrário dos analistas nacionais preferidos pela imprensa, os especialistas do Fundo não consideram que o baixo desempenho do Produto Interno Bruto brasileiro seja um sinal do fim do nosso período de crescimento. Pelo contrário, o Departamento de Pesquisa do FMI diz que o recuo nas atividades econômicas do Brasil e da China, por exemplo, tem sido deliberado, por causa de sinais de superaquecimento.

Assim, da mesma forma como a imprensa brasileira andou exagerando na interpretação dos números sobre endividamento das famílias, também carregou nas tintas no que se refere ao baixo desempenho do PIB.

As previsões do FMI são de que no próximo ano o cenário deverá melhorar, com a aposta do governo brasileiro numa política monetária mais frouxa e da decisão da China de aumentar os investimentos na construção de moradias, segundo se pode ler no pé da reportagem do Estadão.

Esses dados mais otimistas estão praticamente escondidos sob o noticiário mais sombrio, que está sempre em destaque nos jornais.

Se o leitor é do tipo que procura mais informações para formular sua opinião sobre esse e outros assuntos complexos, a resposta não está nos jornais: o eixo principal do jornalismo está se deslocando das grandes redações para blogs e sites independentes da mídia tradicional.