Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Noticiário fragmentado

Notícia sobre tráfico de drogas sai todo dia há muitos anos. Um estudo como o divulgado na quarta-feira (18/7) sobre a mortandade de crianças e adolescentes no Brasil desde 1980 é, por definição, raro. Cada vez menos raras, entretanto, são matérias sobre escândalos bancários. Mas só esporadicamente, e de forma tangencial, se estabelecem vínculos entre os três assuntos.

Disputas entre traficantes estão entre as causas principais de mortes de jovens no Brasil. O estudo divulgado na terça-feira (17/7) para os meios de comunicação – “Mapa da Violência 2012 – Crianças e Adolescentes do Brasil” aponta desde 1980 aponta média de 55 mortes diárias de pessoas com até 19 anos de idade em todo o país. A metodologia usada nesse cálculo suscita discussão, mas para o coordenador da pesquisa, Julio Jacobo Waiselfisz, é evidente que há algo errado quando se sabe que no Brasil se matam 130 vezes mais crianças e adolescentes do que no Egito (declaração ao Estado de S. Paulo, 18/7).

Adeus, reputação

Na mesma quarta-feira, os jornais destacaram o pedido de demissão do chefe do departamento de Governança Corporativa e Risco do HSBC, David Bagley. Trata-se do maior banco europeu, sediado em Londres. Opera no Brasil desde 1997, quando comprou parte do Bamerindus após intervenção do Banco Central no banco da família Andrade Vieira.

O HSBC foi acusado de lavar dinheiro do narcotráfico, principalmente no México. Sua divisão americana é suspeita de fornecer “dinheiro e serviços bancários a bancos na Arábia Saudita e em Bangladesh que teriam ajudado a financiar a Al-Qaeda e outros grupos terroristas”, noticia o Estadão.

É o segundo grande escândalo a abalar a City londrina em poucos dias. Martin Wolff, editor do Financial Times, escreveu no Valor (18/7), a propósito de uma gigantesca fraude do Barclays Bank:

“O escândalo da taxa interbancária do mercado de Londres (Libor) foi o último prego no caixão da reputação dos bancos. Depois da imensa crise financeira e da longa lista de escândalos, os bancos agora são vistos como firmas aproveitadoras e incompetentes comandadas por parasitas.”

De Salinas a Peña Nieto

Não há propriamente novidade. O executivo do Citibank Antônio Giraldi foi condenado em 1994 por lavagem de dinheiro de traficantes mexicanos. Caso célebre foi o de Raúl Salinas de Gortari, irmão do presidente mexicano Carlos Salinas de Gortari. Raúl teria transferido entre US$ 90 e 100 milhões de dólares do México por intermédio do Citi. O caso foi denunciado em 1995. Raúl passou dez anos preso, condenado por homicídio.

Durante o mandato de Salinas de Gortari, a estatal Telmex foi privatizada em regime de oligopólio. O empresário que assumiu a empresa, Carlos Slim, se tornou o homem mais rico do mundo, de acordo com listas feitas por publicações americanas. Salinas saiu do México depois de encerrado seu mandato e passou a maior parte do tempo na Irlanda. De vez em quando, volta a seu país. Os jornalistas mexicanos Jorge Toribio Cruz Montiel e Francisco Cruz Jiménez afirmam que ele ajudou o candidato do PRI (Partido Revolucionário Institucional), Enrique Peña Nieto, na campanha que reconduziu o partido ao poder federal, no início do mês.

A volta do PRI à presidência do México era prevista como saída para a carnificina em que se tornou a “guerra às drogas” de Felipe Calderón. O PRI nunca apertou muito os narcos mexicanos. Segundo a jornalista Anabel Hernández, porque tem laços com as máfias de traficantes, assim como os tem o PAN (Partido de Ação Nacional), de Vicente Fox e Calderón. O assunto é tratado em “O narcotráfico e o abismo mexicano”.  

A salvação da banca

Em 1999, o economista Randy Kroszner, hoje professor da Universidade de Chicago, na época funcionário do Federal Reserve americano, afirmou que “as transações financeiras internacionais são realizadas num terreno próximo da anarquia. Numerosos comitês e organizações tentam coordenar políticas regulatórias domésticas, e negociar padrões internacionais, mas não têm poder para agir concretamente.”

Dez anos depois, o chefe do escritório da ONU para as Drogas e a Criminalidade (UNODC), Antonio Maria Costa, declarou que bilhões de dólares do tráfico impediram o sistema financeiro de naufragar durante a crise iniciada em 2008. Segundo Costa, dinheiro de traficantes foi o único “capital líquido de investimento” disponível para certos bancos no ponto mais crítico (até aqui) da crise.

Por meio de empréstimos interbancários que salvaram determinados bancos, o sistema financeiro internacional absorveu a maior parte dos US$ 352 bilhões provindos do tráfico de drogas e de outras atividades criminosas em 2009, calculou o funcionário da ONU. A cifra foi alvo de polêmica, mas o fenômeno não é negado.

Não basta noticiar isoladamente tráfico, homicídios e atividades bancárias ilegais. É preciso juntar essas informações, descrever os fenômenos que as enlaçam. Inclusive no Brasil, onde um tema em especial, entre outros, merece ser associado a essa tríade: a debilidade do sistema educacional público.