Os acontecimentos políticos do país, hoje, são diferentes daqueles de tempos recuados, o que não nos impede de pensar em situações vivenciadas e estudadas por historiadores que, além de falarem do passado, o fizeram com o presente de olho no futuro. Muitos acertaram; outros chegaram próximo do real. Ficaram grandes lições.
Atualmente, fala-se demais em corrupção. Houve quadra em que o assunto recorrente era o romantismo, a promiscuidade entre europeus, índios e escravos, a luxúria, a cobiça, a tristeza, a formação da raça e outros pormenores. João Francisco Lisboa, com base histórica, acrescenta: “Esta é uma terra de todos os vícios. Nossos cientistas três séculos depois do descobrimento do Brasil preocupam-se, em particular, sobre a formação da identidade nacional. A tristeza impregnada de luxúria ganha destaque.”
Um dos defensores desse ponto de vista, o paulista e empresário Paulo Prado (1869-1943), que reuniu riqueza, morou na Europa, sempre cercado de amigos, com vocação para historiador, distinguiu-se na tarefa. É considerado um dos líderes da Semana de Arte Moderna de 1922, ao lado do maranhense Graça Aranha e outros, com maior ou menor importância. Prado revelou-se um revolucionário. Comunga, maliciosamente, com a ideia do seu mestre e mentor Capistrano de Abreu. Este diz que a nossa terra se identifica com o jaburu, ave-símbolo do Pantanal mato-grossense. Eu a conheço. A vi de perto, num ônibus e admirei a malandragem. Uma sucuri de cerca de seis metros passava ao lado e como estava ficou. Espanto geral.
Terra radiosa, mas triste
Por que logo o jaburu? Na explicação de Capistrano, seguido por Paulo Prado, a ave tem estatura avantajada, pernas grossas, asas fornidas, e passa os dias com uma perna cruzada na outra, “triste, triste, daquela austera, apagada e vil tristeza”. Teria Monteiro Lobato se inspirado também nela para criar o “Jeca Tatu”?
O historiador-empresário, no livro Retrato do Brasil – ensaio sobre a tristeza do brasileiro (2012), décima edição, com a primeira datada de 1928, sabia o que afirmava. A comparação é irônica entre o brasileiro e a pernalta do pantanal, que ao buscar comida espera imóvel pela presa. Paulo morreu sem saber que a ave-símbolo do Brasil, por decreto de 2002, publicado no Diário Oficial da União, é o sabiá-laranjeira. A escolha é de ordem estética, pelo canto, plumagem e popularidade. Quem se encantou com o pássaro foi o poeta Gonçalves Dias.
Para o escritor paulista, o povo vive numa terra radiosa, mas triste, pelo motivo acima. Considerado por uns como pessimista, por não acreditar na paz e no futuro do país, apesar de pertencer à burguesia, manifestou-se a favor, para solução dos problemas do país, a deflagração de uma guerra civil, não sei se igual à que enfrenta o povo sírio ou a revolução que estourou em Cuba.
Outra ideia?
Esqueceu-se que em um dos dois casos, a primeira vítima seria o seu patrimônio e no segundo, a vida da família como nos tempos do carrasco Stalin. Agripino Grieco, de língua afiada, crítico literário de primeira e arqueiro impiedoso, o refutou: “Essa teoria não me satisfaz. A causa da nossa tristeza deve ser outra – como seja – o fato de sermos vítimas de verminose, impaludismo, sífilis, pobreza, falta de instrução (…). Sim. Somos tristes talvez porque doentes, porque fracos, porque despojados de tudo em nossa própria terra.”
O grande lance do autor de Retrato do Brasil é haver despertado o interesse com a tese defendida por intelectuais como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado, que prosseguiram na busca pela definição do caráter do brasileiro. Macunaíma representou uma ideia nova no século 20. Será preciso outra, hoje?
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[Sebastião Jorge é jornalista]