Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O julgamento jurídico do “mensalão”

Com a previsão de que o Supremo Tribunal Federal julgará, nos próximos dias, o processo identificado como do “mensalão”, intensificaram-se as especulações com a publicação de opiniões de pessoas que a imprensa considera diretamente envolvidas ou interessadas, e também com manifestações da própria imprensa, nem sempre objetivas e imparciais.

Um dado fundamental, que não tem sido observado, é que o julgamento ocorrerá no Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do sistema judiciário brasileiro, que deverá julgar segundo o direito, fundamentado na Constituição e nas leis aplicáveis ao caso, tendo por base os elementos de prova constantes dos autos.

Aqui está um ponto que deve merecer especial atenção: as provas dos autos. O que se sabe é que existe uma quantidade enorme de documentos compondo os autos do processo, com a indicação de fatos e o registro de dados que deverão ser levados em conta pelos julgadores, que, além do enorme desafio que é o exame cuidadoso de todo o fartíssimo material carreado para os autos, enfrentam ainda o desafio de avaliar a credibilidade das informações contidas nessa volumosa documentação.

Para facilitar a tarefa dos julgadores serão apresentados dois relatórios, um do relator e outro do revisor, que fizeram a leitura e o exame de todo o material ali reunido e que deverão procurar apresentar um resumo dos argumentos da acusação e da defesa, analisando as colocações teóricas e as alegações de caráter jurídico – tudo isso confrontado com os elementos de provas apresentados pela acusação e pela defesa.

Jurídico, político

Considerados todos esses aspectos, fica evidente que a manifestação antecipada de uma opinião sobre qual deverá ser o resultado do julgamento, sem ter conhecimento dos elementos de prova constantes dos autos, não tem qualquer consistência. Apesar disso, vários órgãos da imprensa já se manifestaram externando suas expectativas ou transmitindo a avaliação prévia do julgamento feita por políticos favoráveis ou contrários aos réus do “mensalão”.

Lamentavelmente, tanto de um lado quanto de outro se tem feito uma avaliação leviana e desrespeitosa do desempenho dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Assim, uma parte da grande imprensa refere-se ao julgamento como se fosse mera formalidade para confirmar uma decisão que consideram a única aceitável: os réus deverão ser condenados, pois está fartamente comprovada sua culpa.

Quem afirma isso não examinou o processo, não conhece o conjunto das provas e não teve como avaliar a confiabilidade dos elementos informativos apensados aos autos e, além disso, nem tem condições para a consideração de todos esses elementos sob o ângulo jurídico.

E levianamente afirmam que se os acusados forem absolvidos o julgamento terá sido político, e não jurídico. Com essa mesma irresponsabilidade têm sido externadas opiniões em sentido contrário, afirmando que se não houver a interferência de fatores políticos os réus deverão ser necessariamente absolvidos.

Decisão respeitada

Por uma série de circunstâncias o julgamento do “mensalão” adquiriu grande importância, despertando o interesse da opinião pública. Para isso pesou muito a exploração política das acusações, embora tenha havido sempre bastante dubiedade quanto ao relato dos fatos e comportamentos que caracterizariam uma ilegalidade e ao papel de cada um dos implicados.

Assim, é frequente encontrar-se na imprensa uma acusação ou insinuação com o verbo no condicional, dizendo-se que fulano “teria recebido”, que outro “seria o destinatário dos recursos” ou “estaria a par da negociata”. Dessa forma o órgão de imprensa que faz a divulgação procura fugir da responsabilidade, pois se for acionado dirá que não fez uma afirmação, mas apenas repercutiu um boato.

Em síntese, o que se pode concluir é que o caso “mensalão” não é exemplar e não terá qualquer influência para reduzir as práticas de corrupção política, administrativa, empresarial ou eleitoral. Seja qual for a decisão haverá exploração política do resultado, mas é indispensável que a decisão do Supremo Tribunal Federal, absolvendo ou condenando qualquer dos acusados, seja respeitada e que os interesses contrariados não se vinguem agredindo o Judiciário e estimulando o seu descrédito perante a opinião pública.

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[Dalmo de Abreu Dallari é jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo]