Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Tiroteio cibernético

Se você vai à loucura quando, mesmo com todos os filtros no computador, alguém lhe passa uma mensagem com vírus, imagine quando isso é feito entre países, para invadir ou sabotar grandes operações. É o que está acontecendo entre os EUA e o Irã, ou os EUA e a China – um tiroteio cibernético em que vírus impensáveis atacam os sistemas do outro país, escangalhando, digamos, a programação de seu aparato nuclear ou drenando informações que se julgavam à prova de piratas.

O que o cientista americano Norbert Wiener (1894-1964), pai da cibernética, acharia disso? Wiener queria criar uma ciência do controle e da autorregulagem – em que, a partir de um estoque de informações, sistemas mecânicos ou elétricos fossem capazes de analisar e selecionar decisões. Enfim, capazes de automação. Pois criou e foi formidável. Já o uso dessa ciência é outra coisa. Wiener aprovaria, por exemplo, os veículos não tripulados que localizam e matam os militantes da Al Qaida?

Afinal, alguns desses robôs cabem direitinho na sua teoria. São autômatos que, baseados em informações que colhem sozinhos, decidem por si se devem ou não despejar mísseis sobre os alvos. Alvos esses cheios de civis para servir de escudo, como os robôs não ignoram. E se a decisão de disparar não levar em conta somente as probabilidades de o ataque ser bem-sucedido? (Quanto aos civis, quem os mandou estar ali?) Na qualidade de pensador do pós-Guerra (quando o mundo estava farto de combater), Wiener talvez sonhasse para suas descobertas um valor apenas defensivo. Mas era também o começo da Guerra Fria, e ele não precisaria ser o gênio que era para antever o uso bélico que se faria de suas teorias – e, quem sabe, achasse isso ótimo.

Resta saber se é válido que autômatos decidam pela vida de seres humanos.

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[Ruy Castro é jornalista, escritor e colunista da Folha de S.Paulo]