A nova série da HBO, The Newsroom faz grande sucesso na TV americana e causa polêmica entre críticos e telespectadores. Muitos gostam, outros odeiam. Mas poucos ficam indiferentes. No Brasil, a série está sendo anunciada para agosto próximo. Apesar de ainda distante dos nossos telespectadores, a saga na redação de um grande telejornal americano já provocou diversos artigos na imprensa brasileira, inclusive neste Observatório (ver “The Newsroome a polêmica do verão americano“, “A TV suporta toda a verdade?“ e “Convocando uma nova imprensa“).
Por um desses milagres da internet, pude assistir aos três primeiros capítulos da série. Como? Milagres são vivenciados e aceitos. Não se explicam. Vou tentar lançar algumas provocações “brasileiras” no debate internacional sobre a série da HBO.
Participação coletiva
Newsroomé mais um sucesso do celebrado roteirista americano Aaron Sorkin – de The West Wing. O ator Jeff Daniels é o protagonista: um cínico e medíocre âncora de TV, Will McAvoy, que impulsionado por sua nova produtora executiva e ex-namorada resolve liderar uma cruzada pela “volta” do jornalismo de qualidade. Diante da baixaria geral que assola o jornalismo americano e todo o país nos últimos anos, não será tarefa fácil. O telejornal quer “recuperar o Quarto Poder”, “recuperar a ideia do jornalismo como uma profissão nobre” e, possivelmente, a audiência perdida e os altos lucros do passado. E que Deus, patrocinadores, controladores da emissora e principalmente a atribulada vida sexual do âncora e dos jovens jornalistas da redação nos ajudem!
Esta sinopse resume a proposta da série americana. Mas para mim, crítico e jornalista que conhece os bastidores de nossas redações de telejornais há mais de quarenta anos, o que interessa mesmo é tentar contrapor a realidade de Newsroom com a nossa realidade.
Primeiro devemos pensar se a redação mostrada em Newsroom é semelhante à nossa. É impossível deixar de comparar a vida e os problemas enfrentados pelo âncora em crise de identidade Will McAvoy escoltado pela sua fiel editora-executiva, em luta pelo jornalismo de qualidade na redação do grande telejornal, com a realidade de alguns dos nossos âncoras mais famosos como William Bonner, William Wack, Boris Casoy ou Ricardo Boechat. Eles teriam semelhanças pessoais e enfrentariam os mesmos problemas éticos e profissionais do âncora americano? Eles convivem com problemas de consciência ou pretendem algum dia liderar cruzadas pela melhoria do nosso telejornalismo?
Em seguida, refletir por que não temos uma série de TV semelhante mostrando os bastidores do Jornal Nacional ou outro telejornal brasileiro. Falta de interesse, de recursos ou falta de coragem? Assim como na série americana, algum executivo do jornalismo da Globo teria coragem de aceitar qualquer imposição pessoal, profissional ou salarial para que a Fátima Bernardes, por exemplo, largasse seu polêmico programa matinal e voltasse para a bancada do JN? Foi somente uma sugestão…
Além da nostalgia pelo passado, o que fica evidente para o público brasileiro que assiste à Newsroom é o quanto somos diferentes dos americanos. Diante dos problemas e do nosso desconhecimento sobre os bastidores de nossos telejornais, a realidade de lá, por aqui, parece ficção científica. Mais parece com um mundo de Prometheus, um outro planeta habitado por seres alienígenas que se parecem conosco, mas que, em verdade, são totalmente diferentes. Newsroom não tem nada a ver com o Brasil.
Nosso telejornalismo sequer tem âncoras. Temos apresentadores que acumulam funções de editores. Mas jamais tivemos um jornalista líder, inspirador de redações e formador de opiniões como Walter Cronkite, Edward Murrow, Peter Jennings, Dan Rather ou Tom Brokaw.
Para nós brasileiros, é difícil entender a polêmica que envolve a série Newsroom em um país que tem como referencia histórica o Repórter Esso, desconhece o trabalho de Heron Domingues (1924-1974) e vive sob a hegemonia do Jornal Nacional.
Não temos bons âncoras porque nossos telejornais jamais conviveram com a independência editorial e a responsabilidade de garantir a credibilidade junto ao público. Por aqui, os patrões, os donos das TVs, mandam muito e têm interesses econômicos e políticos que transcendem aos preceitos do jornalismo de qualidade.
Walter Cronkite ou Edward Murrow eram jornalistas que tinham uma longa e bem sucedida trajetória profissional. Eles se dedicavam a formar a opinião pública e, o mais importante, conviviam com uma liberdade editorial e independência que nossos “âncoras” desconhecem. Eles eram produto de uma era.
O problema é que esses tempos passaram e pelo jeito não voltam mais. Ainda bem! Talvez, o público de hoje não esteja mais interessado em cruzadas messiânicas, líderes carismáticos ou âncoras com a voz de Deus. Os tempos e o público mudaram. Convivemos com participação coletiva e redes sociais que desconfiam de grandes líderes, ideologias únicas e convocações para novas cruzadas rumo ao futuro glorioso.
Tema para discussão
Ou seja, a proposta da série americana é maior do que produzir bom entretenimento. Ela é nostálgica e perigosa. Em crise de tudo, Newsroom tenta recuperar um passado glorioso não só para o jornalismo americano, mas para uma nação em crise econômica, social e militar, os EUA.
Não consigo visualizar a série como uma mera convocação ou retorno à nobreza do jornalismo. Vejo, sim, a vontade de recuperar os grandes líderes messiânicos na TV e na política americana. Afinal, para onde foram os grandes jornalistas e os grandes políticos do passado? Em crise de tudo, os roteiristas americanos como Aaron Sorkin subestimam o poder da rede e das novas formas de fazer bom jornalismo. Em crise, buscam as respostas no passado, nos grandes âncoras ou líderes. Jornalistas e políticos que sabiam tudo e guiavam um povo perdido rumo à terra prometida.
Só para ter uma ideia do poder dos telejornais americanos, nos anos 1970 as principais redes de TV chegavam a garantir 75% da audiência no horário nobre. Em 1972, uma pesquisa de opinião considerou Walter Cronkinte, célebre âncora da CBS durante 19 anos, o “homem que inspira mais confiança à América” – mais do que qualquer político, dirigente religioso ou herói desportivo.
Hoje, os principais telejornais de rede têm 19% de audiência. E, para piorar, os velhos âncoras morreram, se aposentaram, perderam a credibilidade em meio a escândalos, e o pior: agora são protagonistas de séries polêmicas para TV. Novos hábitos, horários alternativos, segmentação do meio televisivo e novas fontes de notícia como a internet não pouparam os velhos âncoras e seus telejornais.
O jornalismo com mão única, em que o todo-poderoso âncora informa com a voz de Deus, é responsável pelas notícias, emite opiniões, monopoliza os grandes eventos e determina como o público deve pensar, está morrendo.
Esse modelo autoritário de telejornais não faz mais sentido. Seu fim é inevitável. O público anseia por um jornalismo menos professoral, hierárquico e dogmático. Algo mais no estilo de uma conversa do que ordem ou ameaça. Um diálogo entre parceiros no qual o público contribui e acrescenta valor às notícias. É o fim do modelo de jornalismo do alto de um pedestal onde o jornalista se considera detentor único do poder das notícias e da verdade.
Em vez de substituir os velhos e poderosos âncoras do passado, deveríamos investir em uma nova constelação de repórteres-apresentadores que contribuiriam para a experimentação e diversidade no jornalismo de TV. A bancada de um telejornal não deveria ser mais um trono reservado aos âncoras iluminados.
A verdade é que, no Brasil ou nos EUA, acreditar que simplesmente substituir os velhos e poderosos âncoras dos telejornais por novos âncoras com boas ou más intenções não parece resolver a crise de audiência e de credibilidade do jornalismo. Ignorar o potencial dos jovens jornalistas, o poder participativo da internet e o futuro podem ser erros fatais para o jornalismo de TV. Novos formatos, linguagens e jornalistas estão sendo preparados para os meios digitais, inclusive a TV na internet. E isso pode significar uma sobrevida para os telejornais ou, pelo menos, para o jornalismo de qualidade.
Em resumo: para navegar rumo ao futuro, os telejornais ainda precisam de âncoras? Tenho minhas dúvidas.
The Newsroomé bom divertimento de TV, razoável tema para discussão e péssima cruzada rumo ao jornalismo de qualidade.
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[Antonio Brasil é jornalista e professor da Universidade Federal de Santa Catarina]