Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

José Queirós

“O artigo ‘Cidade feita por chi­ne­ses em Luanda tem tudo, menos pes­soas’ aborda um tema forte, tem um título ape­la­tivo e é um texto bem escrito. Foi publi­cado no pas­sado dia 5 na edi­ção deste jor­nal para a Inter­net, onde pode ser encon­trado pelos lei­to­res a quem possa ter esca­pado e que se inte­res­sem por conhe­cer melhor a rea­li­dade angolana.

A his­tó­ria que nele se narra é a do empre­en­di­mento Nova Cidade de Kilamba, cons­truído por uma empresa chi­nesa e pago com o petró­leo ango­lano, que deve­ria alber­gar por esta altura meio milhão de pes­soas às por­tas de Luanda, mas não passa por enquanto de uma cidade-fantasma, em que foram ven­di­das menos de dez por cento das habi­ta­ções dis­po­ní­veis. É um retrato exem­plar das con­tra­di­ções e dis­fun­ci­o­na­li­da­des de um país rico e desi­gual, onde, como refere o artigo, apar­ta­men­tos como os desta mega-urbanização desa­bi­tada ‘estão a ser ven­di­dos a pre­ços que variam entre os 120 mil e os 200 mil dóla­res’, quando ‘se estima que dois ter­ços dos cida­dãos vivam com menos de dois dóla­res por dia’.

Cons­truída a par­tir da obser­va­ção no ter­reno e do recurso a fon­tes locais iden­ti­fi­ca­das, a his­tó­ria da cidade-fantasma cha­mou a aten­ção do lei­tor Fran­cisco Soa­res, que não apre­ciou a forma como ela lhe foi apre­sen­tada no Público Online. Por um motivo que explica: ‘Há dias (2 de Julho) li na BBC online um artigo, ‘Angola’s Chinese-built ghost town’, assi­nado por Louise Red­vers e a par­tir de Kilamba, Angola. Mas eis que, em 5 de Julho, os meus olhos caem no artigo do Público Online ‘Cidade feita por chi­ne­ses em Luanda tem tudo, menos pes­soas’, com auto­ria de ‘Público’. Senti algum des­con­forto pela sen­sa­ção de que já tinha lido isto. Depois notei que, a par­tir do oitavo pará­grafo, se cita por meia dúzia de vezes a ‘BBC’, mas que nou­tros casos se citam entre­vis­ta­dos sem a referir’.

O lei­tor parte da cons­ta­ta­ção para a per­gunta: ‘Será legí­timo fazer um resumo, quase cópia, de um artigo assi­nado de outro órgão de infor­ma­ção, sem nunca o refe­rir, nem a res­pec­tiva autora, e ape­nas inter­ca­lando refe­rên­cias a decla­ra­ções à BBC?!’. A ques­tão não é nova; tem sido colo­cada por outros lei­to­res a res­peito de arti­gos tra­du­zi­dos de órgãos de comu­ni­ca­ção estran­gei­ros, com maior ou menor grau de adap­ta­ção, em que não é refe­rida, ou é defi­ci­en­te­mente assi­na­lada, a sua auto­ria original.

Pedi expli­ca­ções aos res­pon­sá­veis pela edi­ção on line, depois de veri­fi­car que a peça em causa era de facto um mero resumo, aliás bem feito, de um artigo mais extenso da refe­rida jor­na­lista da esta­ção pública bri­tâ­nica. Susana Almeida Ribeiro, que redi­giu o texto para o Público Online, alega que ‘o artigo (…) não é omisso em rela­ção à fonte de notí­cia’, já que ‘a BBC é refe­rida por cinco vezes ao longo do texto’ e, ‘quando as cita­ções não são atri­buí­das àquela esta­ção bri­tâ­nica ime­di­a­ta­mente antes ou depois da frase entre aspas, essa atri­bui­ção fica suben­ten­dida nos pará­gra­fos ante­ri­o­res ou posteriores’.

É ver­dade que a peça cita, a par­tir de certa altura, decla­ra­ções pres­ta­das à BBC e infor­ma­ções atri­buí­das àquela esta­ção. Mas está longe de tor­nar claro, como obri­ga­riam as boas prá­ti­cas de iden­ti­fi­ca­ção da auto­ria, que todo o texto é, afi­nal, o resumo de uma repor­ta­gem alheia. Vic­tor Fer­reira, edi­tor do Público Online que leu o artigo de Louise Red­vers e com­pre­en­deu a impor­tân­cia de o divul­gar aos lei­to­res deste jor­nal, reco­nhece que, ‘não sendo um ori­gi­nal nosso, a fonte da his­tó­ria deve­ria ter sido citada logo na pri­meira opor­tu­ni­dade (pri­meiro ou segundo pará­grafo)’. Tendo edi­tado o texto, assume: ‘Foi uma omis­são que tam­bém não iden­ti­fi­quei e que não deve vol­tar a acontecer’.

É impor­tante, de facto, garan­tir essa vigi­lân­cia. Em alguns casos ante­ri­o­res apon­ta­dos por lei­to­res do Público Online, peças inte­gral­mente reti­ra­das de meios de comu­ni­ca­ção estran­gei­ros apre­sen­ta­vam como único indí­cio desse facto a cita­ção, geral­mente na parte final do texto, de uma ou duas decla­ra­ções reco­lhi­das por esse órgão infor­ma­tivo, como se se tra­tasse de uma notí­cia ori­gi­nal do PÚBLICO, ape­nas com­ple­tada com outros con­tri­bu­tos. É uma prá­tica con­de­ná­vel, que pode legi­ti­ma­mente ser vista como uma forma de usur­pa­ção do tra­ba­lho alheio.

Neste caso, em que se trata de uma repor­ta­gem ori­gi­nal, que pres­su­põe um inves­ti­mento edi­to­rial de quem a pro­mo­veu e aco­lheu, seria sem­pre obri­ga­tó­ria a refe­rên­cia a quem a assi­nou. A redac­tora do Público Online escreve que ‘pode­ria ter refe­rido o nome da autora do artigo ori­gi­nal’, mas seria mais cor­recto dizer que o ‘deve­ria’ ter feito. Este e outros erros ou equí­vo­cos na atri­bui­ção de cré­di­tos de auto­ria indi­cam que devem ser repen­sa­das as regras que ori­en­tam o uso fre­quente da men­ção ‘por PÚBLICO’ na assi­na­tura de peças da edi­ção on line. Na minha pers­pec­tiva, trata-se de uma men­ção enga­nosa em todas as situ­a­ções em que, podendo haver tra­ba­lho redac­to­rial pró­prio (de tra­du­ção, resumo ou adap­ta­ção), não há, cla­ra­mente, um con­tri­buto jor­na­lís­tico autó­nomo que a justifique.

Susana Almeida Ribeiro admite tam­bém que ‘pode­ria (…) ter reme­tido, atra­vés de uma hiper­li­ga­ção, para o link ori­gi­nal em inglês’ da repor­ta­gem de Louise Red­vers. Mais uma vez, penso que deve­ria tê-lo feito, sobre­tudo para per­mi­tir aos lei­to­res o acesso a uma infor­ma­ção mais com­pleta. Essa é, aliás, uma recla­ma­ção fre­quente e jus­ti­fi­cada de nume­ro­sos lei­to­res, à mar­gem da ques­tão dos cré­di­tos de auto­ria. Surge fre­quen­te­mente asso­ci­ada a notí­cias sobre estu­dos soci­o­ló­gi­cos, des­co­ber­tas cien­tí­fi­cas, docu­men­tos polí­ti­cos e outras maté­rias redi­gi­das a par­tir de fon­tes escri­tas dis­po­ní­veis na Inter­net. Na era do jor­na­lismo on line, a remis­são para as fon­tes de ori­gem atra­vés de liga­ções hiper­tex­tu­ais é um recurso vali­oso e um ser­viço incon­tor­ná­vel a pres­tar aos leitores.

E o que vale para tex­tos, vale para ima­gens. Veja-se, por exem­plo, o caso da notí­cia publi­cada no pas­sado dia 8 sob o título ‘NASA mos­tra a pai­sa­gem mar­ci­ana onde o rover Oppor­tu­nity pas­sou o Inverno’, infor­mando que a agên­cia espa­cial norte-americana dis­po­ni­bi­li­zara ‘uma foto­gra­fia pano­râ­mica’, ‘com­posta por 817 ima­gens’, com pers­pec­ti­vas iné­di­tas da pai­sa­gem do pla­neta em redor do local onde aquele enge­nho se fixou durante alguns meses. Neste caso, em que a notí­cia era a pró­pria foto­gra­fia, o Público Online mos­trou ape­nas, por limi­ta­ções téc­ni­cas, uma ima­gem insus­cep­tí­vel de ampli­a­ção. O lei­tor Daniel Gon­çal­ves pro­tes­tou con­tra a falta de um link que o con­du­zisse à foto­gra­fia pano­râ­mica da NASA. Pro­tes­tou com razão e com sucesso: essa liga­ção está desde ante­on­tem dis­po­ní­vel na notícia.

Vol­tando à Terra, e a essa outra pai­sa­gem deso­lada de Kilamba, Vic­tor Fer­reira con­si­dera útil recor­dar, a pro­pó­sito das crí­ti­cas rece­bi­das, que ‘os jor­na­lis­tas do PÚBLICO têm sido impe­di­dos de obter visto de entrada em Angola’. E acres­centa: ‘Não é por essa razão que dei­xa­mos de nos empe­nhar em pro­mo­ver uma cober­tura pró­pria sobre o que se passa no país. Prova disso é, por exem­plo, o tra­ba­lho edi­tado em Feve­reiro ‘Angola, os mitos e a rea­li­dade em dis­curso directo pelos emi­gran­tes por­tu­gue­ses’, que mere­ceu cinco pági­nas no PÚBLICO. Neste caso, dado o teor da notí­cia, não achá­mos que hou­vesse maneira de dar uma mais-valia nossa à his­tó­ria con­tada pela BBC, cuja cre­di­bi­li­dade não nos merece reservas’.

Só posso dese­jar que esse empe­nha­mento se torne ainda mais visí­vel, num tempo em que cada vez mais por­tu­gue­ses bus­cam opor­tu­ni­da­des em Angola, e em que cresce a influên­cia ango­lana na eco­no­mia por­tu­guesa. Julgo que, além de recla­mar o devido esforço do governo por­tu­guês com vista à alte­ra­ção da ati­tude dis­cri­mi­na­tó­ria das auto­ri­da­des ango­la­nas, o PÚBLICO deve­ria, enquanto não isso não acon­te­cer, pro­cu­rar meios pró­prios alter­na­ti­vos e fide­dig­nos para dar a conhe­cer aos seus lei­to­res, de forma regu­lar, a rea­li­dade polí­tica, social, eco­nó­mica e cul­tu­ral de Angola.”