Exatamente há uma semana [12/3] o ministro Hélio Costa apresentava à presidência da República o anteprojeto daquilo que chamou Rede Nacional de TV Pública – e depois se verificou que nada tinha de pública, era estatal.
O Estado de S.Paulo teve a primazia de noticiar a idéia e o fez com grande destaque. O assunto foi intensamente debatido pela imprensa com participação de todos os setores interessados, inclusive aqueles situados no próprio governo e que se opunham à idéia.
Mas a Folha de S.Paulo encerrou com chave de ouro a primeira fase do debate em suas edições de sábado e domingo (17-18/3) ao provar que o cálculo inicial do ministro Hélio Costa estava errado e que as TVs estatais já gastam quase 600 milhões de reais por ano para manter o sistema de emissoras educativas, culturais, universitárias e legislativas. [Ver, abaixo, editorial da Folha (19/3) sobre o assunto.]
O episódio serviu para mostrar o despreparo de setores da administração federal que sequer conhecem a diferença entre o que é estatal e o que é público, mas serviu, sobretudo, para evidenciar a sofreguidão do governo e do partido do governo para aumentar a intervenção no processo de comunicação do país.
O cidadão-telespectador precisa de uma programação alternativa capaz de impor-se às telenovelas, reality shows e besteirol de auditório oferecidos pela TV comercial. É nesta esfera que o governo pode realizar uma verdadeira revolução.
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Aparelho na TV
Copyright Folha de S.Paulo, editorial, 19/3/2007
A primeira resposta do governo Lula aos reclamos petistas pela ‘democratização’ da mídia foi anunciar a criação de uma TV chapa-branca. Só a título de implantação, a chamada Rede Pública do Executivo sacaria do contribuinte R$ 250 milhões, na estimativa oficial – avaliações realistas elevam esse custo para, no mínimo, R$ 500 milhões.
O ministro Hélio Costa (Comunicações) diz que o governo encontra dificuldades em ‘mostrar suas idéias’ nos canais privados e que, ‘até por segurança nacional, não se pode prescindir de uma rede pública’. Falta ‘liberdade de circulação de opinião’, afirma seu colega Tarso Genro, agora na Justiça.
São argumentos pueris, reiterados na tentativa de dourar a pílula de uma iniciativa que visa tão-somente à autopropaganda dos governantes. Os problemas do presidencialismo brasileiro, no que tange à sua exposição e à sua influência nos meios de comunicação, dizem respeito a excesso, e não a carência.
Por conta da formação histórica do país e do atraso econômico e institucional a que estão entregues vastas porções do território, o Executivo federal no Brasil sofre de hipertrofia também no campo da mídia. As verbas publicitárias do governo e das estatais sustentam as finanças de uma miríade de veículos. As concessões de rádio e TV são das mais prolíficas moedas de troca com oligarquias regionais.
Além disso, um considerável aparato de comunicação estatal veio se amontoando com os anos sob os auspícios do governo federal. A Radiobrás, com mais de mil jornalistas e orçamento anual de R$ 100 milhões, congrega duas agências de notícias, quatro rádios e duas TVs – entre elas um canal dedicado à divulgação das ‘idéias’ do Executivo, o NBR, produzido para TV a cabo.
O arsenal amazônico de comunicação do Estado brasileiro não se limita à esfera federal. A última década assistiu à expansão frenética de veículos de divulgação institucional, como os canais do Senado, da Câmara, da Justiça, das Assembléias estaduais. Sob a saudável diretriz de dar transparência aos atos dos Poderes, criou-se uma máquina gigantesca, que extrapola o objetivo original. Apenas no âmbito do Legislativo, 58 TVs foram criadas no país em 12 anos.
Os 26 maiores canais estatais de TV consomem por ano mais de R$ 400 milhões em recursos dos impostos. Apesar de gastarem tanto, esses notáveis cabides de emprego atraem audiência desprezível. Como costuma acontecer com veículos dirigidos sob a lógica da política partidária, do corporativismo e do clientelismo, as TVs estatais brasileiras se transformaram no império da irrelevância.
Uma TV pública interessante, moderna e dinâmica só terá chances de vingar no Brasil se tiver autonomia em relação aos governos. Uma fração dos recursos torrados no sistema estatal bastaria para lançar uma iniciativa inovadora nesse campo.
O PT e o governo Lula, no entanto, optaram pela marcha a ré. Sequiosos por deixar gravada sua marca no telecoronelismo nacional, desejam abrir uma nova sucursal de autopromoção para acomodar apaniguados, à custa do erário. A idéia de criar a TV do Executivo é um despropósito.