Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A elite brasileira

O colunista esportivo tricampeão mundial de futebol Tostão alvejou os jogadores Neymar e Ganso em um dos seus últimos comentários às vésperas do massacre de 4 a 0 sofrido pelo Santos diante do Barcelona, em Tóquio (18/12/2011). Para o colunista, eles se diferenciam dos seus colegas do Barcelona, Messi e Xavi, no que os primeiros agem como artistas milionários e os segundos como pessoas normais – que, inclusive, andam de metrô e ônibus.

O advogado criminalista do ex-senador Demóstenes Torres – Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay – não age como advogado normal porque é advogado da elite brasileira. Já defendeu os ex-presidentes José Sarney e Itamar Franco, o ex-vice Marco Maciel, cinco presidentes de partido (ao mesmo tempo), quarenta governadores, dezenas de parlamentares, treze ministros do governo Fernando Henrique Cardoso, três ministros do governo Lula, dois do governo Dilma, um deputado estadual presidente de Assembleia Legislativa, um juiz de Tribunal de Contas estadual, as empreiteiras Andrade Gutierrez, Odebrecht, OAS; os bancos Sofisa, BMG (envolvido no mensalão), BMC, Pine; os banqueiros Daniel Dantas, Salvatore Cacciola, Joseph Safra e defende, no momento, Adriana Villela – filha do ex-juiz do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) José Guilherme Villela –, que é acusada de matar a mãe, como assinala a jornalista Daniela Pinheiro, na reportagem “O Protetor dos Poderosos”, da revista piauí número 62 (novembro de 2011).

“Deus me deu a sorte de só ter cliente inocente”

Cinquenta e quatro anos, dois implantes capilares, operado na Rússia do olho, Kacay gosta de dizer “Eu amo o Sarney”, “Ai, que saudade do ACM” (Antonio Carlos Magalhães, ex-governador, ex-ministro, ex-senador e ex-dono da Bahia) e “Ninguém aqui vai falar mal do Zé Dirceu” (José Dirceu, ex-ministro chefe do Casa Civil e deputado federal cassado). A porta da frente da mansão de Kakay em Brasília tem sete metros de altura e uma escultura gigante de um rinoceronte. Dentro, 1.500 metros quadrados e três andares luxuosos. Ainda na reportagem de Daniela Pinheiro, na piauí, Kakay diz que um amigo “ficou encantado com o clube que admirava da varanda. ‘Clube ? É meu quintal!’, respondeu Kakay”. Paredes e salas com dezenas de esculturas e quadros de artistas de galeria e uma adega de dois andares, com quatro mil garrafas de vinho – um computador controla a entrada e saída dos rótulos – completam o humilde lar do advogado. Os artistas que decoram o escritório de Kakay são outros, porém: Lula, Sarney, ACM e Roberto Carlos (o cantor), em fotos ao lado do causídico.

No total de um patrimônio na faixa de R$ 100 milhões, segundo palpite de um conhecido, Kakay tem, além da mansão em Brasília, um apartamento de 400 metros quadrados de frente para o mar em Ipanema, no Rio; vários imóveis e participações em diversas empresas, como uma firma especializada na instalação de lombadas eletrônicas e radares de trânsito que tem contratos com o governo federal; e a Construtora Divitex – em sociedade com o presidente do Senado, José Sarney. O mais recente negócio é um cemitério em Belo Horizonte ( MG). “É o melhor investimento para retorno imobiliário hoje. Você compra em alqueire e vende a terra em palmos”, disse ele à piauí.

Quanto cobra Kakay? Numa batida da Polícia Federal no escritório do banqueiro Daniel Dantas – um dos seus clientes –, foi descoberta uma nota fiscal de R$ 8 milhões de pagamentos feitos ao advogado. Honorários suficientes, portanto, para pagar uma fertilização in vitro da mulher (dele) ao caríssimo médico Roger Abdelmasih, antes deste ser preso e estar foragido.

No meio do Direito, comenta-se que Kakay é o rei do “embargo auricular”, quando o advogado cochicha com o juiz. Foi assim que libertou por habeas corpus um advogado que chegaria algemado a Brasília. Bastou uma conversa com o ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello. Na base da conversa, o advogado já derrubou até capa de revista. Ao defender o banqueiro Salvador Cacciola, descobriu com antecedência que a revista IstoÉ faria uma reportagem de capa noticiando que Cacciola havia fretado um jato e as despesas do principal assessor do então presidente do Banco Central, Francisco Lopes. Dito e feito. Kakay ligou para o jornal Folha de S.Paulo e entregou a notícia ao concorrente. Não à toa, ele gosta de proclamar em palestras para universitários de Direito: “Deus me deu a sorte de só ter cliente inocente”. Cacciola que o diga.

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[Zulcy Borges de Souza é jornalista, Itajubá, MG]