“O caso ganha contornos de uma trama policial complexa e com vítimas fatais” (jornalistas Izabelle Torres e Cláudio Dantas Sequeira, da IstoÉ)
Está certo. Ninguém pode ser julgado e condenado sumariamente por conta de alguma notícia desairosa de jornal. O Estado de direito que, mercê de Deus, rege “este país tropical, bonito pela própria natureza”, estabelece os procedimentos legais a serem rigorosamente observados em avaliações pertinentes à conduta de personagens da cena pública apontados pela mídia por supostas malfeitorias.
É o caso do suplente do tristemente célebre Demóstenes Torres. Ele acaba de assumir, de forma surpreendente pela rapidez do ato, sem desrespeito todavia aos preceitos regimentais, o posto de Senador pelo Estado de Goiás. Companheiro de lutas políticas do senador destituído, secretário de Estado até outro dia no governo goiano – um governo marcado por suspeitosas ligações com o crime organizado – e , ao que tudo faz crer, pessoa também chegada ao convívio do notório Carlinhos Cachoeira, o agora senador Wilder Pedro de Morais não vai poder se furtar ao dever de oferecer explicação minuciosa e convincente acerca dos fatos graves que lhe têm sido imputados. A opinião pública espera que, a respeito do assunto, tudo seja conduzido nos devidos trinques constitucionais e com a rapidez recomendável pelas circunstâncias. Não existe outra maneira de encarar os acontecimentos. Se realmente comprovada a espúria ligação de Wilder Morais com a quadrilha de Cachoeira, seu defenestramento passa a ser uma questão de honra para o Parlamento. Vai ter que ser processado sem muita delonga.
Escândalo sem precedentes
E por falar em Carlinhos Cachoeira, a cada dia que passa ganha maior robustez na percepção de um bocado de gente a impressão de que a história desse cidadão, apontado como pivô de inacreditáveis malfeitorias, suplanta em gravidade outras maracutaias cabeludas que galvanizam na hora presente as atenções da opinião pública.
Não mais padecem dúvidas a respeito das engrenagens escabrosas que a quadrilha cuidou de montar nos corredores de repartições federais e estaduais, com realce para o Distrito Federal e os estados de Goiás e Tocantins. O envolvimento, além do senador afastado, de pelo menos um governador de estado e de outros políticos de projeção no esquema mafioso, é mais do que certo, a tomar por base as espantosas revelações já vindas a lume. A participação de agentes públicos de diferentes repartições, jornalistas e empresários de realce nos negócios espúrios está também devidamente documentada. A existência de um sistema amplo de arapongagem eletrônica com fitos de chantagem, movimentado por personagens do submundo, ficou devidamente configurada nas investigações.
O que vem na sequência das apurações não é menos chocante. Como registrou a IstoÉ, “o caso do bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, aos poucos vem ganhando também os contornos de uma trama policial complexa e com vítimas reais”. Os sinais dessa trama são copiosos. Reportemo-nos a alguns deles. Ameaças a juízes e procuradores (um deles buscou refúgio provisório com os familiares, no exterior); assassinato em circunstâncias estranhas de um agente da Polícia Federal que havia atuado com destaque nas ações que permitiram o desbaratamento da quadrilha; a não localização do paradeiro, até aqui, de pelo menos três integrantes do grupo mafioso (um contador, um policial e um informante da quadrilha); e a morte, aparentemente por suicídio, de um escrivão que trabalhou nas investigações ao lado do policial assassinado.
São lances, todos eles, que contribuem para que a história adquira dimensão de escândalo sem precedentes.
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[Cesar Vanucci é jornalista, Belo Horizonte, MG]