Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Rádio, comunicação e política-Parte I

Das reportagens de televisão às manchetes da editoria de política, Celso Russomano, o candidato à prefeitura de São Paulo que a zoologia eleitoral classificou de zebra, cumpre uma trajetória que transforma a expressão adjetiva “comunicação política” em substantivo. Empatado tecnicamente na primeira colocação com o veterano José Serra na primeira pesquisa do Datafolha, divulgada em meados de julho, e à frente de Fernando Hadadd, cuja necessidade de vitória fez Lula buscar o abraço de urso de Paulo Maluf, Russomano entra naquela tipologia que os cientistas políticos chamam de “comunicadores”. Vestem pelo avesso a camisa-de-força do marketing político-eleitoral: profissionais da comunicação social atuantes em níveis locais, regionais ou nacionais metabolizam esse capital público em impulso para pular a etapa, difícil e indelével à amálgama indistinguível que se lança às candidaturas, de se fazerem conhecidos.

Está-se a falar da maior cidade do Brasil; porém é provável que na maioria dos mais de cinco mil e quinhentos municípios brasileiros, senão em todos eles, haja candidatos a prefeito e vereadores que, ao longo do ano, ganham a vida como radialistas e apresentadores de televisão. Não é preciso ir tão longe; basta descer e atravessar a divisa de São Paulo com o Paraná: aí, Carlos Roberto Massa Júnior, o Ratinho Júnior, um jovem de 31 anos e dez de carreira política, aparece também empatado tecnicamente na pesquisa para prefeitura de Curitiba.

“Gente que fala a língua do povo”

Ratinho Júnior, como se pode inferir, é filho de Carlos Massa, o Ratinho, nacionalmente conhecido apresentador de televisão, hoje no SBT, e dono da Rede Massa de Comunicação, um conglomerado formado por cinco emissoras de rádio FM de perfil popular e por quatro de televisão, afiliadas do SBT no Paraná, seu estado de origem. As quatro emissoras cobrem todos os 399 municípios paranaenses, graças às mais de 200 repetidoras de sua programação. Ratinho Júnior, conquanto apresente quadro e programa nas rádios e nas televisões da Rede Massa, não é comunicador no sentido estrito do termo, como seu pai; entretanto, seria ingenuidade menoscabar a influência da associação de sua imagem à de Ratinho pai, presente até no nome que ele escolheu para lhe alavancar a carreira política. Mas também não se deve superestimar. Na terminologia político-eleitoral, denomina-se “poste” o candidato que, à sombra de uma ascendência, beneficia-se da influência dela ante os eleitores, como se estes se comportassem como cordeiros. Dilma Rousseff, quando saiu candidata, foi apontada como poste: eleitores votariam nela porque Lula lhes faria esse pedido – e porque, votando nela, votariam em Lula. Há dois problemas nessa teoria: tira totalmente a autonomia do eleitor de fazer suas escolhas e põe ênfase num determinismo eleitoral que a realidade muitas vezes desmente.

Sobre a influência dos comunicadores nas eleições do Paraná, é interessante reproduzir a comentário do colunista André Gonçalves, colunista do jornal Gazeta do Povo:

“Candidatos populares sempre fizeram estrago nas eleições curitibanas. Radialista famoso, Algaci Tulio orgulha-se de dizer que a campanha dos 12 dias que elegeu Jaime Lerner em 1988 só deu certo pelo apoio dele como vice. Em 1996, Algaci ainda ajudou do mesmo jeito Cassio Taniguchi. Há outros nomes dessa estirpe, como os irmãos Carlos e Íris Simões e o ex-deputado Ricardo Chab. Sem contar que nas últimas eleições o vereador mais votado na cidade foi o repórter policial Roberto Aciolli. Sem fazer juízo de valor político, todos eles são ou foram comunicadores de sucesso, gente que fala a língua do povo.”

Moldando uma cultura política

Celso Russomano, pela dimensão das forças em disputa na eleição de São Paulo e pelo protagonismo da cidade no cenário político nacional, leva ao paroxismo um fenômeno que remonta aos anos 80, mas que desponta mais visível na década seguinte. Balzaquianos já se lembram dele fazendo sucesso nacional no extinto programa Aqui e Agora, do SBT, predecessor dos policialescos vespertinos, num estridente quadro de direito dos consumidores. Isso no início dos anos 90. Nas eleições de 94, elegeu-se deputado federal, o mais votado do Brasil. Em paralelo à carreira política, continuou atuante em televisão. Reelegeu-se outras três vezes; na última, em 2006, foi novamente o mais votado, com mais do que o dobro da votação de doze anos antes. Nas últimas eleições para governador de São Paulo, em 2010, foi o terceiro colocado, com mais de um milhão de votos – um capital político considerável. Antes de se afastar para tentar a prefeitura paulistana, atuava no Balanço Geral da TV Record, programa de grande audiência.

Há inúmeros exemplos em todo o país. Fiquemos com os do Rio de Janeiro: Wagner Montes, Pedro Augusto, Cidinha Campos, Antony Garotinho, Alberto Brizola (primo do ex-governador Leonel Brizola e um dos comunicadores mais populares dos anos 80). Homens e mulheres de rádio e televisão que comutaram sua capacidade de comunicação em expressivos votos. Na relação dos mais votados, um desses nomes sempre está presente.

Como não se fala de política, sobretudo de políticos conhecidos, sem cutucar os nervos passionais de militantes, correligionários e fãs, cabe ressaltar alguns que nada há de ilegal em que profissionais da comunicação lancem-se candidatos. A lei não proíbe esta prática – desde que, segundo a legislação eleitoral, o candidato se afaste dos programas em que atuam a partir da realização das convenções dos partidos. Tampouco se pretende afirmar que eles são menos preparados dos que os políticos profissionais – aqueles com histórico de militância e de vida político-partidária – e os desconhecidos desprovidos de câmeras e microfones para lhes ampliar a imagem (Ratinho Júnior é sempre citado como um dos parlamentares mais atuantes).

A discussão, em tempos de simbiose entre marketing e política, deve basear-se na capacidade de a comunicação interferir decisivamente tanto na capacidade de escolha política dos cidadãos quanto na maneira pela qual o comunicador se comporta perante o público que o ouve ou o vê – moldando, com isso, toda uma cultura política. É a este assunto, meio explosivo, porém de importância proporcional à quantidade de pólvora que comporta, que voltarei na próxima coluna.

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[Bruno Filippo é jornalista e sociólogo]