“O bom jornalista é aquele que consegue me fazer dizer o oposto do que eu disse sem mudar minhas palavras.” (Slavoj Zizek, filósofo)
Se continuar a valer a máxima da língua inglesa sobre critérios de noticiabilidade, as notícias ruins ainda são as boas notícias para os profissionais das redações. O jargão bad news is good news, porém, não circula sozinho. Por extensão e complementando o ditado jornalístico, a boa notícia também não seria considerada notícia (good news is no news), pois a negatividade ainda permanece como um dos fatores mais atrativos a imprimir “valor” (no sentido de interesse público e potencialidade) à notícia. Fato já observado e analisado pelos cientistas sociais noruegueses Johan Galtung e Mari Holmboe Ruge em seu estudo-referência “The Stuctures of Foreign News”, nos idos de 1965.
Recentemente, duas informações com altas doses de negatividade foram veiculadas pela mídia: uma, quantificando o montante anual de negócios do crime organizado internacional, algo em torno de 870 bilhões de dólares, segundo relatório divulgado pelo escritório da ONU Sobre Drogas e Crimes (UNODC, na sigla em inglês); e a outra, revelando os números da sonegação no país, calculados em cerca de 520 bilhões de dólares (mais de 1 trilhão de reais) não declarados à Receita Federal e depositados ilegalmente em bancos no exterior, nos chamados “paraísos fiscais”, de acordo com estudo realizado pela organização inglesa Tax Justice Network.
Mais que orçamentos governamentais
Em relação à primeira notícia, é dito ao leitor que a cifra de 870 bilhões de dólares, o equivalente a mais de 1,7 trilhão de reais, representa mais de seis vezes o total destinado ao desenvolvimento dos países, igual a 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial (“Crime Internacional gera US$ 870 bi” – O Globo, em 17/7/2012). O estudo do UNODC destaca que o tráfico de drogas e a pirataria comercial são os carros-chefes dos ilícitos penais e têm nos países do Cone Sul, e principalmente no Brasil, mercados cada vez mais promissores. Relatórios anteriores desse escritório internacional já apontavam que a indústria da droga no Brasil movimenta 5 bilhões de dólares por ano (320 bilhões de dólares no mundo) e que o país é o maior mercado de cocaína da América do Sul, com 890 mil usuários (em 2008).
Por meio da segunda notícia fica-se ciente de que o Brasil detém a quarta posição no ranking mundial de dinheiro expatriado para bancos de países que operam à margem da legislação e incentivam a sonegação de impostos. Perdendo apenas para os chineses, russos e coreanos, essa fortuna não declarada de brasileiros, avaliada em mais de 1 trilhão de reais, grande parte advinda de ilícitos e da corrupção, corresponde a mais de 17 vezes o orçamento de 2012 do governo federal para o Plano Brasil Sem Miséria (que pretende tirar 16 milhões de brasileiros da extrema pobreza até o fim de 2014). Ou a metade de todos os recursos do PAC 2 (Programa de Aceleração do Crescimento), o projeto de modernização das infraestruturas do país, nos quatro anos do governo de Dilma Rousseff (“R$ 1 trilhão em paraísos fiscais” – Correio Braziliense, em 23.07.2012).
Sem propostas
Em sentido contrário a essas notícias que expõem dados preocupantes e escancaram ameaçadoras fraturas no topo social das nações – e que singularmente nem mais produzem as tais “marolinhas”, para lembrar expressão usada pelo ex-presidente Lula –, o governo federal divulgou o aumento do valor médio do benefício pago pelo Bolsa Família (que atinge 13,5 milhões de famílias) para uma parcela de 1,97 milhão de famílias com filhos de até seis anos de idade. Os grupos familiares são participantes da Ação Brasil Carinhoso, programa anunciado pela presidente Dilma por ocasião da celebração do Dias das Mães. De acordo com a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), os valores foram reajustados de R$ 153 para R$ 237, garantindo uma renda mensal de R$ 70 por pessoa àquelas famílias. “Cerca de 90% dessas famílias receberão até R$ 352. Apenas 16 mil famílias receberão um valor maior que R$ 532 – o que representa 0,1% dos 13,5 milhões que participam do programa”, acentuava o texto. A Secom também informava que o novo valor do benefício elevou a folha de pagamento do Bolsa Família de R$ 1,6 bilhão em maio para R$ 1,8 bilhão em junho (Em questão, edição nº 1564, de 03/7/2012).
As explicações tornaram-se necessárias face à reportagem de O Globo que, de forma investigativa, denunciava que o Bolsa Família estava pagando mais de dois salários mínimos de benefício, segundo dados obtidos pelo jornal através da Lei de Acesso à Informação (“Bolsa Família já registra benefício de até R$1.332”, em 26/6/2012). Diante do que parecia ser mais um escândalo a se avizinhar na esfera governamental, o leitor viu-se surpreendido ao verificar, lendo o parágrafo abaixo da manchete, que o tal benefício se referia a uma única família de brasileiros composta de 19 pessoas. Uma exceção no Brasil de hoje, onde as famílias são menores, segundo o pesquisador do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marcelo Neri. Para ele o governo acertou no foco porque a taxa de pobreza das crianças é 7,8 vezes maior que a dos idosos.
Nesse episódio cabe lembrar primeiramente de Walter Lippmann, um festejado jornalista e analista político norte-americano (1889-1974), para quem “a ansiedade da imprensa reside mais em conquistar a atenção do público do que servir com informação privilegiada e relevante aos indivíduos”. Isso dito em 1922, no livro Public Opinion. E citar novamente o filósofo esloveno Slavoj Zizek, 63 anos, autor de mais de 50 livros, entrevistado por Diego Viana. Para o autor de Vivendo no Fim dos Tempos, a situação do mundo atual exige muito mais organização em nível global e por isso é preciso repensar certos conceitos: “Temos que acabar com essa ideologia de ver o Estado como inimigo, aquele que controla e oprime”, alerta Zizek, que lamenta não avistar no horizonte propostas animadoras para enfrentar as variadas crises já instaladas nos países (“A Ironia e o apocalipse” – revista Eu & Fim de Semana, doValor Econômico, em 20/7/2012).
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[Sheila Sacks é jornalista, Rio de Janeiro, RJ]