Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A teoria da subserviência

O nome de Fernando Henrique Cardoso parece ser a bola da vez. O sociólogo e ex-presidente brasileiro entrou para o centro das atenções da grande mídia ao receber da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos o polpudo Prêmio Kluge. Em reportagem de Luís Fernando Silva Pinto (11/7/2012), “FHC recebe prêmio dos EUA por atuação nas ciências humanas”, podemos ouvir e ler que: “Os organizadores do prêmio lembraram que, há 50 anos, Fernando Henrique já dizia que países em desenvolvimento deveriam se abrir ao capital externo e se integrar ao modelo econômico mundial. A teoria nem tinha nome na época. Hoje, é conhecida como globalização.”

Teoria que nem tinha nome? Globalização? Por qual motivo uma reportagem do badalado Jornal Nacional utiliza de subterfúgios para se referir a uma teoria conhecida no meio acadêmico das ciências humanas? Em matéria do Correio Braziliense, “FH e o Prêmio Kluge”, já não vemos tal precaução: “Autor de 23 livros e 116 artigos acadêmicos, coformulador, com Enzo Faleto, da Teoria da Dependência, a escolha de FH foi atribuída às duas condições, a de intelectual e a de político.”

Ao que parece o termo teoria da dependência foi considerado pesado para os telespectadores do Jornal Nacional. De acordo com a teoria da dependência, os países latino-americanos se encontram em situação de atraso graças aos ciclos de dependência externa que lhes são intrínsecos – a dependência colonial, a primário-exportadora e a dependência tecnológico-financeira. As interpretações guiadas por essa teoria nos impediram no Brasil, e onde mais teve influência, de ter uma consciência maior dos problemas internos, da relação entre Estado e Sociedade e do papel de nossas próprias elites na perpetuação da situação de dependência.

Sem sapatos

A reportagem do Correio diz ainda que FHC foi escolhido para receber o prêmio devido às condições de intelectual e político. Há algumas semanas, o sociólogo Chico de Oliveira afirmou que FHC, seu colega no Cebrap, havia chegado a ingressar no Partido Comunista, para espanto de uma jornalista entrevistadora. E quando inquirido sobre o que havia feito Fernando Henrique mudar de polo ideológico de forma tão radical, Oliveira respondeu: acho que ele entendeu que nunca alguém de esquerda chegaria à presidência da República no Brasil.

Na entrega do Prêmio Kluge, FHC pronunciou discurso em inglês. Certamente uma ocasião para matar as saudades do período em que era presidente e fazia pronunciamentos em outros países, mas nunca na língua oficial do Estado do qual era chefe. Alguns atribuíam isso à sua vaidade de pavão, mas o gesto deixa uma mensagem clara: sou civilizado, sei falar seu idioma e meu país vai se abrir ao capital internacional, sim; de forma tão escancarada que vai continuar onde sempre esteve. Vamos ser os melhores, em matéria de dependência.

Em palestra, na Universidade Estadual de Ponta Grossa UEPG, o deputado federal Florisvaldo Fier, Dr. Rosinha, afirmou que havia perguntado ao ministro das Relações Exteriores do governo Lula, Celso Amorim, se este havia tirado seus sapatos para entrar nos EUA. Amorim responde que se tivesse de tirar não entraria. Numa postagem do blog de Paulo Henrique Amorim é reproduzida uma fala de Lula: “‘Ministro meu que tirar o sapato deixará de ser ministro’, disse ele, no Itamaraty, ao comentar uma ordem que teria dado a seus colaboradores no início do governo.” Amorim emenda: “Lula se referia ao ministro das Relações Exteriores do Farol de Alexandria, Celso Lafer – um dos chanceleres da GloboNews – que, nos Estados Unidos, em 2002, na qualidade de chanceler, tirou os sapatos no aeroporto para funcionário da segurança.”

Na reportagem de Silva Pinto, é mencionada uma teoria que nem tinha nome na época. O Prêmio Kluge pode não ter sido dado a Fernando Henrique por esse ter dito há bastante tempo que países como o Brasil deviam se abrir ao capital externo, mas também pelo motivo de enquanto presidente do Brasil ter criado e levado a cabo a Teoria da Subserviência.

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[José Alexandre é professor de História, Ponta Grossa, PR]