Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Quando se vê o ideal e não a realidade

Que direito tem o telespectador de intervir na programação de uma emissora? Será que assistir muita TV dá o rótulo de especialista em programação para dizer o que deve ou não ir ao ar? Imagine acompanhar os Jogos Olímpicos em videotape. Assim fizeram os americanos na competição organizada este ano em Londres. Assim fizeram também nas Olimpíadas de Inverno, realizadas em Vancouver no ano de 2010. Esta é a estratégia da NBC, canal que desde Seul-88 tem acordo com o COI para mostrar aos Estados Unidos os eventos realizados pelo comitê.

Nos Jogos de Londres, houve uma comoção geral de um público que não é o alvo da NBC e de suas transmissões em replay. Isto reverberado com veemência nas redes sociais digitais. Quem observa de fora tende a se inclinar a favor dos revoltosos, contra a emissora. Mas é preciso entender os motivos para compreender as razões usadas pela NBC de apostar no modelo certo para ela: rende mais audiência/dinheiro.

Funciona assim: a rede do pavão (como é conhecido pelos americanos, alusão ao logotipo do canal) passou no horário nobre diariamente, das 20h às 24h, os melhores momentos das Olimpíadas, os grandes destaques do dia. Pouquíssimos eventos foram transmitidos ao vivo via sinal aberto. Nem a corrida final dos 100 metros rasos, com o jamaicano Usain Bolt e três americanos na disputa por medalhas, foi levada ao vivo. Quem quisesse acompanhar em tempo real poderia fazer isto via internet ou nos canais pagos da rede.

Sem interferência

A cada volume de reclamações sem sentido direcionadas à NBC, números eram devolvidos como resposta. Números que mostram o sucesso das transmissões em replay, até essa dos 100 metros rasos que entrou no ar horas depois do evento ser realizado, mas conseguiu colocar muitos telespectadores em frente da telinha. A NBC estuda, tem experiência e conhece seu público. Mais do que isso: conhece o público que acompanha os Jogos Olímpicos. São pessoas que não ligam muito para o esporte em si, estão interessados na história por trás dos atletas. Tanto faz se durante o dia saibam quem venceu determinado jogo, estarão lá assistindo para presenciar o que aconteceu, absorver aquela história emocionante. Isto a NBC sabe fazer, transformar um evento esportivo em entretenimento.

Afinal, televisão é sinônimo de entretenimento.

Fora isso, a NBC mostrou em sua pesquisa que pessoas que assistiram um evento olímpico online – ou ficaram sabendo o resultado de outra forma –, também sintonizaram no canal para rever o que assistira. O telespectador americano, antes de Londres 2012 começar, malhou a emissora por escolher não passar os Jogos ao vivo. Criaram uma hashtag no Twitter, #NBCFail. Como fracasso, se tudo que fora planejado aconteceu? Como fracasso, se rendeu recorde de audiência e arrecadação?

É aquilo, telespectador que pensa que entende de televisão só porque assiste bastante programação na telinha…

O COI, através do porta-voz Mark Adams, divulgou que em nenhum momento o comitê se incomodou ou buscou interferir na decisão da NBC para mostrar os Jogos ao maior e melhor público em potencial de todo o mundo: “Certamente não somos nós que vamos dizer à NBC como deve atingir sua audiência. Para quem quis assistir ao vivo, a transmissão estava disponível online.”

Desde 1988 é assim

Para o COI vale mais ter seus principais produtos exclusivamente num canal que sabe lidar com ele, faz dinheiro e populariza ainda mais o evento, do que ser moralmente certo e exigir transmissão ao vivo.

Ideal, mas longe da realidade. Realidade que é ganhar dinheiro e atingir o maior número de pessoas possíveis. Em levantamento realizado pela própria NBC, 2/3 dos americanos assistiram ao menos seis minutos da cobertura olímpica. Pelos 11 primeiros dias, a audiência de Londres-2012 foi 8% maior que em Pequim-08 e 14% maior que em Atenas-04. E a média diária de audiência dos Jogos foi de 31,5 milhões de telespectadores.

Toda emissora deve fazer isto, pois faz parte de uma indústria, que necessita dos itens citados anteriormente para sobreviver e lucrar. Desde 1988 é assim, ano que a NBC adicionou os arcos olímpicos na sua logomarca. E o rádio fazia a vez da internet, divulgando vencedores e resultados na hora do evento, antes de a emissora transmitir para o país. Mais uma constatação que comprova o quanto não fez sentido tantas murmurações.

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[João da Paz é jornalista, São Paulo, SP]