A palavra comunitária teve origem na língua francesa – communautaire – cuja adjetivação ou significado refere-se ao respeito à comunidade, considerada quer como estrutura fundamental da sociedade, quer como tipo ou forma específica de agrupamento. O rádio, forma reduzida de radiofonia, é o aparelho ou conjunto de aparelhos para emitir e receber sinais radiofônicos. Aparelho receptor de programas de radiodifusão, a estação faz a emissão de programas através desse aparelho. A galena vem do grego galene e do latim galena e sua sinonímia refere-se ao mineral monométrico, sulfeto de chumbo, o principal minério de chumbo. (Quando argentífero, é também minério de prata galenita).
No Brasil, galena é o aparelho rudimentar de rádio no qual se usa o cristal de galena; rádio de galena. Pelos idos de 1980, estudantes britânicos insatisfeitos, para burlarem a legislação da Grã-Bretanha que garantia à BBC (British Broadcasting Corporation) o monopólio de rádio e televisão, começaram uma experiência de forma alternativa com uma rádio. A Rádio Caroline serviu de experiência alternativa dos estudantes para enfrentar a legislação daquele país. Foi instalada muito além das 12 milhas marítimas, fora dos controles do país.
Uma medida inusitada, a criação de uma estação de rádio em um barco, de onde passaram a difundir suas idéias, suas músicas, suas opções e cultura. Como todo aluno tem um arzinho de gracejo, eles fincaram uma bandeira de pirata no mastro do barco, fazendo com que a experiência ficasse conhecida como rádio pirata, expressão que pegou em cheio alastrando-se pelo mundo inteiro. De piratas a comunitárias – emissoras de rádio em freqüência modulada (FM) sem fins lucrativos, operadas em baixa potência e de cobertura restrita ao bairro em que se localizam, outorgadas a fundações e associações comunitárias.
Reconhecimento e importância
Em São Paulo, na cidade de Sorocaba, houve uma proliferação de mais de 100 emissoras de rádios ‘pirata’. Devido a essa inspiração, Sorocaba terminou por sediar o maior movimento literário da radiofonia brasileira, ficando conhecida como ‘Verão de 82 da Liverpool Brasileira’. Muitos debates aconteceram na cidade em defesa da liberdade de expressão e uma luta pela liberação das ondas do ar para as emissoras locais. Foi a luta em defesa do espectro eletromagnético. Uma repressão pesada aconteceu, mas muitas emissoras sobreviveram, surgindo um fato sócio-jurídico em defesa dessas emissoras.
Dessa defesa nasceu um movimento forte, surgindo então a criação do jornal impresso Rádiocomunidade, órgão oficial do fórum Democracia na Comunicação, principal fonte de consulta dos estudos sobre a história das rádios comunitárias. A aprovação pelo público da Rádio Verão fez nascer, em 1985, a Rádio Xilique, que tinha como coordenadores professores e estudantes da PUC (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), com cobertura grandiosa da imprensa paulista. Afirmam os estudiosos que a emissora serviu de ponte para denunciar a ditadura do monopólio de comunicação, tornando-se com isso a mais lida e ouvida, mais lida do que ouvida. Imprimia boletins e panfletos, anunciando sua programação de ótima qualidade e fazendo com que milhares de estudantes que não podiam ouvir a citada emissora quisessem saber nuanças da Rádio Xilique. Surgiram as passeatas com estudantes encapuzados junto àqueles que queriam a liberdade de ação e acabar com o monopólio da Rede Globo.
Dom Evaristo Arns deu apoio ao movimento e combateu a repressão policial. Dom Evaristo era o chanceler da PUC-SP. De visível, passou a funcionar subterraneamente, conta o professor José Carlos Rocha – isso até 1988. Com a Constituição, os oligopólios e monopólios eram expressões proibidas. Surgiu então o reconhecimento e a importância do Estado Democrático de Direito, com capítulo inteiro dedicado à comunicação social. Em 1989, surgiram 20 rádios ‘piratas’, 20 ‘radiomantes’, e jornalistas, professores e adeptos do PT (Partido dos Trabalhadores) conseguiram do diretor da Escola de Comunicações e Artes da USP, na época, professor José Marques de Mello, instalação para promoção do evento.
‘Dra. Solange’ e a ‘Dama da Tesoura’
Outras emissoras surgiram, como a Rádio Livre Reversão, da Vila Ré, Zona Leste da capital paulista, coordenada e fundada por Leo Tomás Pigatti, fundador da primeira entidade de rádios livres no Brasil, a Associação de Rádios Livres do Estado de São Paulo (ARLESP). Houve empenho para inclusão de artigos na nova Constituição, nos anos de 1987 e 88. Parece que a intenção não vingou. Muitas autoridades lutaram para a instalação das Rádios Livre, como Cláudia Abreu (diretora de Comunicação da União Nacional de Estudantes) UNE, Frederico Ghedini, do Sindicato dos Jornalistas, e José Marques de Mello. No I Encontro, nasceu o Menerrelê, o Movimento Nacional de Rádios Livres (MNRL). O movimento foi tomando força e surgiu o Coletivo Estadual de Rádios Livres de São Paulo, inspirado pela nova Constituição e houve um movimento querendo substituir a expressão ‘pirata’, por rádios livres.
Muitos protestos aconteceram, principalmente daqueles que queriam continuar sendo ‘piratas da perna de pau’. Aproveitando o ensejo, Jânio Quadros, ex-prefeito de São Paulo, criou uma rádio não autorizada para ser usada na sua campanha para a prefeitura paulista. Travava-se, a cada dia, uma luta titânica pela Rádio Livre. O movimento das rádios comunitárias teria como título ‘Deixe de mentira, Cid Moreira’. Duas mil pessoas compareceram ao teatro da Universidade Católica de São Paulo e depois à ECA. O Comitê se instalou, adquiriu oito transmissores artesanais de rádio, formando duradouro estoque. Os encontros continuavam. O segundo foi realizado em Goiânia (GO), com palestras transmitidas ao vivo por uma ‘televisão livre’. Macaé (RJ) recebeu o terceiro encontro.
A Polícia Federal fechou a Rádio Reversão, tendo um agente apontado uma arma para Pigatti e todos os equipamentos foram apreendidos. Essas rádios deram mais espaços às bandas jovens do que a própria TV Globo. A Rádio Livre ‘Novos Rumos’ também foi fechada em 1991 e outras emissoras espalhadas pelo país tiveram o mesma destino. Em 1991, apesar da repressão, mais de 400 emissoras estavam no ar. O que se estranhava é que no fechamento das emissoras pela PF (Polícia Federal) sempre estava presente um veículo da Rede Globo que transportava os policiais federais. Muitas pessoas, apaixonados pelas rádios livres, lutaram bravamente pelo funcionamento dessas emissoras, como a ‘doutora Solange’ e a ‘Dama da Tesoura’, que participavam ativamente.
Controle e programação
Marchas e contramarchas foram fortalecendo o movimento, até que, em 1998, o movimento conseguiu o seu intento e, através da Lei 9612, o Serviço de Radiodifusão Comunitária teve os objetivos estabelecidos, como: dar oportunidade à difusão de idéias, elementos de cultura, tradições e hábitos sociais da comunidade; oferecer mecanismos para a formação e integração da comunidade, estimulando o lazer, a cultura e o convívio social; prestar serviços de utilidade pública, integrando-se aos serviços de defesa civil sempre que necessário; contribuir para o aperfeiçoamento profissional nas áreas de atuação dos jornalistas e radialistas, em conformidade com a legislação profissional vigente; permitir a capacitação dos cidadãos no exercício do direito de expressão da forma mais acessível possível.
Arnaldo Coelho Neto afirma em seu livro Rádio Comunitária não é crime – Direito de Antena que o espectro eletromagnético, como um bem difuso, relata todas as nuanças e o processamento das rádios piratas, das rádios livres, até chegar à condição de Rádio Comunitária. Uma obra excelente, da Editora Ícone, publicada no ano de 2002. ‘Por certo, todos operadores do direito, comunicadores, os cidadãos e cidadãs em geral, os pesquisadores, poderão, finalmente desfrutar desses conhecimentos. É o exercício do Direito de Antena, uma instituição que afeta o seguimento do Direito Público apenas porque cabe ao Poder Executivo realizar alguns despachos asseguradores do direito de utilizar o espectro eletromagnético.
Aliás, uma questão de sinais de trânsito, muito embora o tráfego das telecomunicações tenha sido, até o momento, um tráfico de influências políticas e outras. Contra tudo e contra todos, em especial os patrimonialistas e os ditos cartorialistas da Comunicação Social, os radiocomunitaristas estão dando uma edificante lição de vida para um setor que, no Brasil, nem capitalista é – o da comunicação pública. E mais: uma história vem sendo escrita onde menos se esperava.’
Estas afirmações são dos editores da obra aqui citada e merecem reflexão. Visto que, mesmo com regulamentação, não se pode sair instalando emissoras e mais emissoras ao bel-prazer dos interessados, o ar, as ondas sonoras ficaram poluídas de ruídos e a interferência teria uma ação prejudicial para as demais emissoras. Mesmo sendo em benefício da coletividade a que pertence, o espaço ou raio de ação deve ser limitado e o controle e organização das programações das rádios comunitárias devem ser previamente estudados para que elementos nefastos não venham prejudicar ou desestabilizar a comunidade a que a rádio esteja subordinada. Tudo, para funcionar bem e a contento, precisa de controle, conforme o decreto n°. 2.615/98 (que regulamenta as ações das Radcom). Poderíamos expor mais fatos, mas a matéria poderia se tornar cansativa e não é esse nosso objetivo.
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Membro da Associação Cearense de Imprensa e da Academia de Letras dos Oficiais da Reserva do Ceará