Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Estufa para o despertar latino

Em seus quase seis anos no poder, o presidente de Equador, Rafael Correa, já deixou sua pegada. Encampou empresas estrangeiras, hostilizou adversários políticos e processou jornalistas. Seu estilo esbravejador conquistou-lhe duas eleições, mas também dividiu o país, atraindo críticas ecumênicas dos defensores de direitos humanos e da mídia a empresas petrolíferas. Mas ao conceder asilo político a Julian Assange, editor do site WikiLeaks, o líder andino mostra que o que está ruim pode sempre piorar.

O gesto de Correa agravou a dura queda de braço entre Quito e Londres sobre o hacker rebelde que violou sua liberdade condicional e, em junho, se refugiou na embaixada equatoriana na capital britânica, onde permanece. O editor do WikiLeaks apelou ao Equador para impedir sua deportação para Suécia, onde é suspeito de assédio sexual e estupro. Já jurou sua inocência, mas desconfia que os suecos estejam a serviço do império americano, onde Assange é acusado de invadir os computadores oficiais e espalhar mensagens classificadas aos quatro ventos.

Há doses iguais de fantasia e marketing ideológico no enredo de Assange, que pinta a Suécia como um país antidemocrático e lacaio do Tio Sam. Mas a concessão de asilo é uma vitória publicitária para o hacker ativista australiano, que transformou sua franquia de vaza segredos na maior indústria de antiamericanismo do mundo. A mera presença desse David digital contra o Golias global atraiu um enxame de repórteres, militantes e “Wiki-tietes” para o pacato endereço em Hyde Park que abriga a missão equatoriana. O que o Equador ganha com o duelo diplomático está menos claro. Ao escorar Assange, Correa comprou uma briga com Grã-Bretanha, Suécia e EUA.

“Bem-vindo ao clube dos perseguidos”

Será esse o plano? Barulhento, briguento e com uma queda para teatro político, o líder andino de 49 anos dedica-se à missão de converter sua pequena nação em estufa para o grande despertar latino-americano. Sócio fundador da Aliança Bolivariana, colegiado do presidente venezuelano Hugo Chávez, Correa governa à moda do populismo à antiga, com um punho no ar e outro no cofre público. Com o cansaço do rebelde octogenário Fidel Castro e Chávez lutando contra o câncer, é Correa que desponta como candidato natural a homem-forte titular das Américas. Só que, primeiro, terá de firmar sua relevância. Para tanto, nada melhor que desafiar um punhado de potências internacionais.

Na sua gestão, Correa já brigou com meio mundo – até mesmo com a Colômbia – (fantoches de Washington, segundo ele) e o Brasil (apropriando-se dos ativos da construtora Odebrecht). Mas dedica atenção especial aos EUA. Fechou a base militar americana em Manta, expulsou a embaixadora americana e costuma debitar aos gringos qualquer tumulto político na região. “Por que não há risco de golpe nos EUA? Porque lá não há embaixada americana”, brincou em entrevista recente com Assange.

Talvez Correa tenha enxergado em Assange uma alma irmã. Na longa conversa que mantiveram em maio, via internet e transmitida depois pelo canal de TV do WikiLeaks, os dois trocaram piadas e juras de afinidade política. “Seja bem-vindo ao clube dos perseguidos”, Correa saudou seu entrevistador, então sob guarda da polícia britânica.

Pelo relógio bolivariano

Rasgar seda sai barato pelo Skype e agora tanto Correa quanto seu novo protegido estão presos em seus labirintos respectivos, sem saída garantida. Correa acenou peitar os poderosos, prometendo asilo a quem não pode desfrutá-lo. Assange, se descer à rua, será preso pela polícia britânica.

No curto prazo, o equatoriano pode emergir vencedor. Ou Londres revoga a imunidade diplomática da embaixada e prende Assange, com o risco de se tornar um fora da lei na diplomacia global; ou cede à pressão e deixa um foragido internacional escapar. Entre um vexame e outro, Londres pode optar pela paciência de Jó, marcando o tempo enquanto os estadistas e juristas internacionais inventam um artifício que possa salvar a cara de todos. Até lá, o líder emergente dos Andes continuará a faturar publicidade, uns 15 minutos de fama pelo relógio bolivariano.

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[Mac Margolis é colunista do Estado de S.Paulo, correspondente da Newsweek, edita o site brazilinfocus.com]