Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Rede desorientada

Desde que lançou seu primeiro livro em 2007, o empresário britânico Andrew Keen se estabeleceu como um dos principais críticos da tecnologia no Vale do Silício. Se no primeiro livro, O Culto do Amador, Keen criticava o conteúdo produzido por usuários amadores, o alvo agora é a superexposição provocada por Facebook, Twitter e outras redes sociais.

Em Vertigem Digital, que chega hoje às livrarias, Keen argumenta que estamos substituindo nosso cotidiano pela vida em uma rede ilusória e digitalizada. Em uma passagem, ele afirma que as redes sociais nos transformam em pequenos Big Brothers de nós mesmos e que reputação e amizade viraram mercadorias. Uma rede de “milhões de amigos que não sabem os nomes de seus vizinhos”, escreve.

Keen vem ao Brasil esta semana e participa em São Paulo da conferência” The Next Web Latin America” (dias 22 e 23/8), onde faz uma palestra na quinta-feira. Ele falou ao Link por e-mail sobre os efeitos das redes sociais.

“No Twitter, posso atacar a mídia social”

O que é a “vertigem digital”?

Andrew Keen– Uso o termo de diferentes formas. Primeiro, é uma metáfora do filme Um Corpo que Cai (cujo título original, Vertigo, significa vertigem), de Hitchcock, no sentido de que estamos nos apaixonando por algo que não existe. Do mesmo jeito em que no filme Jimmy Stewart se apaixona por uma loira que não era loira, nós também nos apaixonamos por uma internet que tem algo de “social”, mas que não é realmente social. É exatamente o oposto. Vertigem digital também é a sensação de desorientação, resultado das atualizações em tempo real no Facebook e no Twitter.

Qual é o problema das redes sociais?

A.K.– Ao viver mais e mais em público nas redes sociais, estamos enfraquecendo nosso lado humano, banalizando nosso eu interior, transformando nossos sentimentos e emoções em mercadorias. Quanto mais nos expomos publicamente, mais narcisistas nos tornamos. Como (Michel) Foucault argumentou, a visibilidade é uma armadilha. E em nossa era de hipervisibilidade, ela é uma hiperarmadilha.

Vê algo de valor nelas?

A.K.– Sim. No Twitter, onde eu sou @ajkeen, posso atacar a mídia social.

“No século 21, nós vamos viver na internet”

O Brasil é um dos países com mais usuários de redes sociais. Por que atraem tanta gente?

A.K.– A mídia social é um tipo de narcótico. Quanto mais a usamos, mais ficamos dependentes dela. Há um claro crescimento do vício nas redes sociais, tanto no Brasil quanto em qualquer outro lugar.

Desde que Facebook, Zynga e LinkedIn abriram capital, suas ações só caíram. O lado “social” da web não conseguiu se estabelecer como negócio?

A.K.– Não é verdade. Acho que a mídia social é uma grande coisa. O Facebook ainda vale US$ 60 bilhões, o que é uma incrível e ridícula quantidade de dinheiro para uma startup. O LinkedIn continua a operar bem. O Twitter deve abrir capital nos próximos anos e deve receber uma valorização de bilhões de dólares. Grandes empresas têm feito aquisições recentemente. Não é uma bolha. É o futuro da forma como nos comunicamos, em uma rede cada vez mais onipresente.

Você diz no livro que a rede social está substituindo a vida. Não é exagero?

A.K.– Não é. No livro, eu cito o personagem Sean Parker, do filme A Rede Social, que diz: “Primeiro nós vivíamos em aldeias, depois em cidades, e agora vamos viver na internet.” Acho que ele está certo. No século 21, nós vamos viver na internet. Este será o lugar em que difundimos nossas identidades. Mesmo nosso estado físico vai se espelhar em nossa identidade digital.

“O modelo [de Google e Facebook] não funciona”

Hoje há muitos críticos da ideia de que a tecnologia melhoraria o mundo. A utopia tecnológica está acabando?

A.K.– Há um grupo de pessoas muito inteligentes – Nicholas Carr, Sherry Turkle, Jaron Lanier – que critica a utopia tecnológica. É uma evolução excelente. Precisamos de mais debates sobre os temas que estão mudando a sociedade e a identidade no século 21. O que une esses críticos, e me incluo nisso, é que todos acreditaram na utopia no passado, mas se tornaram céticos em relação aos benefícios da revolução digital. E ainda assim, nenhum de nós é ludita. Não queremos voltar à era analógica. Mas defendemos uma atitude mais moderada e equilibrada em relação ao impacto da tecnologia.

É possível ter privacidade na mídia social?

A.K.– É, mas Google e Facebook têm de abdicar do seu modelo de negócio, em que nos dão a tecnologia “de graça” e nós lhes entregamos nossos dados pessoais, que eles vendem aos anunciantes. Esse modelo não funciona. Nós precisamos começar a pagar por nossas redes sociais. Quando isso ocorrer, então poderemos confiar nelas.

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[Filipe Serrano, do Estado de S.Paulo]