Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Crítica diária

27/12/07

O HC é ONG?

A pergunta, em tom irônico, foi feita hoje por leitor em mensagem ao ombudsman.

Depois do título em uma única coluna na primeira página de ontem para o incêndio no Hospital das Clínicas, o jornal promove hoje o assunto a manchete: ‘HC adiou obra em central que pegou fogo’.

Se conta histórias das pessoas prejudicadas pelo baque no atendimento, a cobertura praticamente omite os vínculos do HC com o Estado de São Paulo.

Não se trata de produzir investigações jornalísticas com cacoetes inquisitoriais, mas, no mínimo, de indagar as autoridades, ainda que o hospital tenha autonomia de gestão.

Nem na primeira página nem em nenhuma das três páginas internas, incluindo a capa de Cotidiano, dedicadas ao episódio a Folha destaca os vínculos do HC com a administração estadual.

O máximo que se lê, no último parágrafo de um texto: ‘No dia 25, a direção do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, que está sob alçada da Secretaria de Estado da Saúde, informou que nenhum paciente havia morrido durante o incêndio’.

A Folha não traz declarações do secretário Barradas Barata, a não ser nos votos de Boas-festas no Painel do Leitor. Nem do governador Serra. Aparentemente, nem foram procurados para se pronunciar sobre a situação do hospital. Eles não são acusados de nada, o governador correu ao local quando soube do fogo, mas é dever do jornal cobrar a palavra deles.

Chama atenção o fato de a Folha não ter tomado nem a providência mais elementar, consagrada pelo próprio jornal, de investigar as despesas públicas. O principal concorrente local fez isso, e obteve a manchete ‘Estado só gastou 17,8% da verba para obras no HC’.

E acrescentou na linha-fina: ‘Desde 2005 a Prefeitura pede melhorias no prédio que pegou fogo segunda-feira’ _outra informação não encontrada na Folha.

Se a Folha descobriu que houve adiamento em reforma elétrica, repetiu insistentemente que o motivo foi ‘questão burocrática’, aceitando um argumento que pode ser correto ou não.

A Folha preconiza, não custa lembrar, um jornalismo crítico.

Sem equilíbrio

Todo ano é assim, o que não torna menos grave o problema: ao suprimir cadernos nas edições de virada do ano, a Folha não chega inteira aos leitores.

Hoje foi a vez de o caderno Equilíbrio não circular.

Os leitores, na época das festas, não têm o que comemorar.

Erramos 1 (pré-colombiano)

O pé biográfico do autor do primeiro artigo da seção Tendências/Debates data como ‘1083’ o ano do início do seu primeiro mandato como deputado.

A história bate à porta

Depois de não dar nem ao menos uma linha ao assunto na edição de ontem, a Folha dedica hoje quatro altos de página ao mandado de prisão da Justiça da Itália referentes à Operação Condor.

A cobertura de hoje, a despeito de muitos problemas técnicos, tem um espírito pluralista que merece permanecer.

Imprecisões

O quadro ‘Operação Condor’ (pág. A4) afirma ser este o ‘objetivo’ da empreitada: ‘Coordenar serviços de inteligência para perseguir supostos dissidentes dos regimes militares’.

Se fossem apenas serviços de ‘inteligência’, não teriam existido tantas operações. A definição é limitada e indevida.

A maioria dos perseguidos não era de ‘dissidentes’, mas de oposicionistas. As palavras não querem dizer a mesma coisa.

Até os mortos pelas ditaduras eram ‘supostos’ perseguidos? Não se trata mais de imprecisão. É erro de informação.

Lei de Anistia

Sugiro que o jornal informe aos leitores o que é a Lei de Anistia.

É no mínimo arriscado citar tantas vezes essa norma, inclusive na primeira página, se só são beneficiários dela aqueles que cometeram crimes até meados de 1979.

Se os crimes contra italianos ocorreram em 1980, a Lei de Anistia não poderia ser invocada em favor dos autores, a não ser que se faça uma releitura legal que não está contemplada hoje nas páginas do jornal.

O que houve, afinal?

Em quatro páginas, a Folha dedicou apenas oito linhas para falar dos dois desaparecimentos de 1980.

É a maior deficiência da edição.

Há informações históricas abundantes, embora mistérios permaneçam.

Erramos 2 (tribo)

O quadro ‘No Brasil’ (pág. A4) diz que o general Luiz Henrique Domingues era ‘chefe maior do 3º Exército’.

Talvez ele fosse comandante, talvez chefe do Estado-Maior.

‘Chefe maior’, contudo, impossível.

Linha de comando

O mesmo quadro não esclarece o que faziam em 1980 os brasileiros procurados pela Justiça italiana.

Com certeza, Octávio Medeiros não foi citado por ser ‘ex-ministro do SNI’, nem Euclydes Figueiredo (faltou o ‘Filho’!) por ser ‘ex-diretor da Escola Superior de Guerra’.

Pelo que eu entendi, os acusados integrariam uma cadeia de comando de órgãos de segurança no RJ e no RS. Isso é o que interessa, para permitir que se faça juízo de valor sobre a eventual responsabilidade de cada um nos desaparecimentos.

Está vivo!

Parabéns à Folha por não ter ‘matado’ o general Euclydes Figueiredo Filho, cujo pai foi um dos mais importantes oficiais e personalidade política do Exército na primeira metade do século 20.

Enquanto a concorrência dava o general Euclydes como morto, a Folha o entrevistou.

Elas por elas

Faltou à Folha contar o outro lado da legislação que impede (impede mesmo, é preciso deixar claro) que brasileiros sejam extraditados para a Itália: italianos mafiosos não são extraditados para o Brasil.

A mesma legislação protege ex-terroristas italianos, detidos ou livres no Brasil, de serem levados para seu país.

Seria importante mostrar alguns casos recentes de integrantes de grupos extremistas italianos que o Brasil acolheu, negando os pedidos das autoridades estrangeiras.

Erramos 3 (a ditadura encolheu)

O texto ‘Documento dos EUA prova ação brasileira’ (pág. A6) afirma que a ditadura militar no Brasil terminou em 1982.

A data correta é 1985, quando o general João Baptista Figueiredo deixou a Presidência.

É o contrário

Na mesma entrevista, a Folha afirma que a Argentina foi ‘mais rápida’ que o Brasil ao colocar os ‘arquivos [militares] à disposição do público’.

A informação, em todos os aspectos, está errada.

Os arquivos da ditadura argentina não são conhecidos, sumiram.

No Brasil, uma parte (limitada) está à disposição do público.

Erramos 4 (não vai à guerra)

É improvável ou impossível que o general Luiz Henrique Domingues, aos 85 anos, esteja na ‘reserva’ (‘Militares criticam decisão da Justiça italiana’, pág. A7).

Que eu saiba, isso significa que ele pode ser chamado para as trincheiras em caso de guerra.

Nessa idade, ele é general ‘reformado’, como a reportagem afirma corretamente em outro trecho.

Sua Excelência

A edição Nacional foi igual à São Paulo/DF: só deu a tabela com os jogos dos principais clubes paulistas no Campeonato Brasileiro de 2008.

Em vez de publicar os jogos dos clubes brasileiros de maior torcida e dos Estados onde a Folha tem muitos leitores, a edição Nacional preferiu publicar notícia sobre o Campeonato Inglês.

A concepção de edição Nacional e edição São Paulo perdeu o viço, com a notável exceção de Cotidiano.

Erramos 5 (borbulhantes)

Espero que nenhum leitor siga as instruções da Folha (‘Espumantes rosés nacionais são boa pedida’, pág. E3): essas bebidas devem ser servidas de 60 a 80 graus Celsius, recomenda o jornal…

Erramos 6 (tardio)

É errado apresentar Eduardo Paes como ‘deputado federal (PSDB-RJ)’, já que ele não exerce a função (‘Isca de VIP’, pág. E2 do domingo).

Seu cargo é secretário estadual de Turismo, Esporte e Lazer do Rio.

26/12/07

Fogo no hospital; gelo na Folha

A primeira página informa com título de uma coluna (acompanhando fotografia de quatro): ‘Após incêndio, prédio do HC reabre hoje só para urgências’.

Como diz a chamada, na noite de Natal, o fogo no Prédio dos Ambulatórios do Hospital das Clínicas provocou ‘pânico entre os cerca de 200 pacientes e 600 funcionários’.

A cobertura do jornal, de frieza jornalisticamente insensível, não traz o depoimento das pessoas que passaram pelos maiores sustos.

Repleto de relatos de quem sofreu, o Estado fez uma cobertura mais informativa, mais emocionante, melhor. Rendeu-lhe a manchete do dia (a Folha preferiu o aumento do número de mortes nas estradas federais no feriado natalino).

Não foi só a cobertura distante, como se não houvesse tantas histórias para contar, que marcou a Folha.

O jornal não cumpriu a função de fiscalizar o poder, averiguando investimentos, obras e manutenção das instalações elétricas do HC.

Nem mesmo o ‘jornalismo de serviço’, prioridade indicada pelos títulos, foi bem-sucedido. Afirma a Folha: ‘A direção do HC diz que ainda não há prazo para o atendimento ser totalmente normalizado e recomenda que os pacientes que tenham consultas marcadas para hoje telefonem para reagendá-las’.

Pois o jornal não informa um só número de telefone.

Notícia menosprezada

Em um período habitualmente de noticiário fraco, a Folha informou ontem: ‘Justiça italiana pede prisão de militares da Operação Condor’. A medida atingia 13 brasileiros, já sabia o jornal, mesmo sem ter acesso à lista (a maioria provavelmente já morreu).

Mérito: publicar a novidade antes dos principais concorrentes.

Demérito: escondê-la em pé de página (A4), em duas colunas. Nada de primeira página.

Hoje, o jornal não trouxe nenhuma informação. Nem se o Ministério das Relações Exteriores foi notificado.

Pois o Globo deu manchete (‘Brasileiros ligados à ditadura têm ordem de prisão na Itália’) e o Estado, chamada na primeira página (‘Justiça da Itália manda prender 13 brasileiros’).

O Correio Braziliense descobriu a lista e contou a história, a dos cidadãos italianos presos e desaparecidos com a ajuda da ditadura militar no Brasil.

Parentes no TCE

A boa reportagem ‘Todos os conselheiros do TCE paulista empregam parentes’ (pág. A4) tem um problema recorrente no jornal: ela se limita a reproduzir opiniões quando deveria investigar a legislação e ouvir mais vozes.

Linha-fina: ‘Para os sete titulares, contratação de familiares sem concurso público não é ilegal’.

E para juristas?

E outros órgãos de controle?

No Tribunal de Contas da União os ministros empregam parentes?

O jornal obteve informações de interesse público, mas não foi a fundo, mesmo que para eventualmente confirmar que a legislação permite as contratações.

Lugar-comum, bola de cristal

‘Se vivo estivesse, Graciliano Ramos certamente diria que as vidas nunca deixaram de ser secas. Ele só não saberia explicar como pode haver tanta água a poucos quilômetros de um cenário tão ríspido.’

É o que se lê no lide da reportagem ‘São Francisco se transforma no rio da discórdia com obras’ (pág. A8).

Devassa da devassa

Título da capa de Dinheiro: ‘Receita inicia devassa no uso de cartões corporativos’.

O jornal deveria evitar o emprego ligeiro do substantivo ‘devassa’.

No caso em questão, não há elementos para saber se há mesmo uma ‘devassa’ em curso, se há condições técnicas e disposição política para empreendê-la.

Ao lançar mão de expressão assim, de certo modo o jornalismo promove as operações oficiais.

Em época de CPIs e vedetismos, não faltam anúncios de devassas, quase sempre negadas depois pelos fatos.

É mais prudente esperar o fim das investigações para assegurar que houve mesmo devassa, operação de maior envergadura e rigor.

Coisa de Natal

Em 27 de novembro, um leitor atento avisou que na edição de três dias antes a Folha errara.

O Erramos corrigindo a informação só saiu ontem, 25 de dezembro.

Mais uma vez: não basta o jornal se corrigir; ele deve se corrigir logo.

Pior ainda

No dia 3 de novembro, uma leitora apontou erro na edição de 28 de outubro, em texto sobre a profissão da protagonista da série ‘Samantha Who?’.

A Redação manteve sua posição, e a leitora insistiu.

A correção, enfim, foi publicada anteontem.

Nem no Natal

As últimas edições têm sido mais tolerantes com palavrões, creio.

Algumas vezes, com razão, conforme já escrevi.

Mas era dispensável publicar mais um, no alto da primeira página, no Natal.

Manchete-editorial

O jornal transformou um estudo controverso na manchete de ontem: ‘Brasil lidera gastos com Previdência no mundo’.

Como a chamada já esclarecia, ‘o cálculo tradicional estabelece o percentual do PIB (a soma das riquezas do país) gasto com aposentadorias. Segundo esse critério, o Brasil ocupa a 14ª posição’.

A Folha cresce quando apresenta visões distintas sobre a Previdência. E diminui quando trata como notícia o que na verdade é opinião.

As conclusões dos pesquisadores do Ipea têm valor noticioso, mas deveriam ser apresentadas como o que são, opinião.

Sem capricho

Títulos da primeira página da edição Nacional da segunda-feira, concluída às 20h35:

1) ‘Bisbo do jejum diz que o Lula do passado morreu’.

2) ‘Nizan diz que vai disputar a direção do Masp’.

3) ‘Colômbia diz que não atrapalhará a soltura de reféns’.

4) ‘Papai Noel era bispo, tinha 1,68 m e o nariz quebrado, diz biografia’.

A edição São Paulo/DF, fechada às 23h06, manteve todo o diz-que-diz dos títulos repetitivos formulados horas antes.

E daí?

Título na primeira página de anteontem: ‘Ex-presidiário, primo do jogador Ronaldo morre em chacina no RJ’.

A condição de primo de celebridade merecia referência em reportagem.

Não na primeira página.

Com sua opção, a Folha mimetizou os jornais ditos populares.

Manchete atrasada

Manchete do Globo no sábado: ‘Um terço dos vôos atrasa e Jobim diz que caos acabou’.

Manchete da Folha no domingo: ‘Mais de 1/3 dos vôos tem problemas’.

Pareceu mais sóbrio o título da primeira página do Jornal do Brasil de sábado: ‘Aeroportos: transtornos sem apagão’. Foi o resumo do feriado.

No domingo, a Folha não comparou atrasos e cancelamentos com os do ano anterior.

O jornalismo tarda…

É interessante a reportagem dominical que ganhou na primeira página o título ‘A Justiça tarda, mas… Ação de inventário leva 93 anos para ter sentença proferida no interior de MT’.

Tudo bem que a informação mais relevante era a longevidade do processo, mas não custava ter explicitado qual foi a sentença.

O leitor da Folha segue sem saber.

Obsessão por números

A primeira página do domingo expressa o fascínio do jornal por números (ainda que relativo a efeméride), mesmo em um dia quando poderia contar mais histórias:

1) ‘1/3’ dos vôos com problemas.

2) ‘50% dos órgãos para transplante são perdidos’.

3) ‘Setor automotivo aumenta 14% e dá mais impulso para a economia’.

4) ‘Livro de Roland Barthes faz 50 anos’.

5) O ranking do futebol, com a vasta numeralha.

6) E outros mais.

Histórias de gente

É muito boa a reportagem dominical ‘Famílias pobres nos EUA se aquecem com óleo de Hugo Chávez’ (título da primeira página).

Não seria assim se o repórter não tivesse ido a campo para ouvir e contar as histórias das pessoas.

Senti falta de um contraponto: quantos venezuelanos pobres ou miseráveis poderiam ser ajudados se o governo da Venezuela destinasse a eles o montante empregado na ação de propaganda nos EUA.

Outra

Ficou boa a reportagem ‘Árvores-de-natal ´nascem` no extremo sul de São Paulo’ (pág. C8 do domingo), concentrada no relato dos plantadores de tuia (pinheiro).

Choque

Menos de uma semana depois de noticiar a morte de um adolescente por tortura no interior de São Paulo, a Folha no domingo já não tinha mais nada a contar sobre o caso.

Se tinha, não contou.

Longe da primeira

Pela relevância do episódio e da medida do governador, merecia estar na primeira página do sábado a informação ‘Serra indenizará família de adolescente’ (pág. C5).

Quem é vivo

É verdade que, após mais de um apelo, o jornal passou a explicar o que é ‘swap cambial reverso’.

Isso não quer dizer que todos os leitores já saibam ou sejam obrigados a saber do que se trata.

No sábado (pág. B8), o tal ‘swap reverso’ reapareceu.

O que é mesmo isso?

A turma do Masp

O título ‘Prefeitura vai exigir transparência da gestão do Masp’ (pág. C3 do sábado) não está à altura da boa reportagem, uma aula sobre o grupo secreto que decide os destinos da instituição.

Indagado sobre o sigilo da identidade dos sócios do museu, o presidente do conselho consultivo do Masp, Adib Jatene, respondeu: ‘Vocês tratam o museu como órgão público e ele não é’.

O que não o impede de receber recursos públicos.

Última Ceia branca

A fotografia produzida para a capa do caderno Vitrine (‘Ceia sem frescura’) no sábado chama a atenção por dois motivos: ela remete à Última Ceia, e não ao nascimento de Cristo; parece um evento na Europa, com as 13 pessoas brancas.

Brevíssima contribuição ao Erramos

Para que a edição de amanhã não saia como a de hoje, sem apontar um só erro: o quadro ‘Correlação de forças em 2007’ (pág. A4 dominical) repete a agremiação PR. Em uma das fatias, deveria aparecer o PP, creio.’