“Os sábios do mundo (…), calcando o pudor aos pés, subornam qualquer panegirista adulador, ou um poetastro tagarela, que, à custa do ouro, recita os seus elogios, que não passam, afinal, de uma rede de mentiras. E, enquanto o modestíssimo homem fica a escutá-lo, o adulador ostenta penas de pavão, levanta a crista, modula uma voz de timbre descarado comparando aos deuses o homenzinho de nada, apresentando-o como modelo absoluto de todas as virtudes, muito embora saiba estar ele muito longe disso, enfeitando com penas não suas a desprezível gralha, (…), e, finalmente, fazendo de uma mosca um elefante. Assim, pois, sigo aquele conhecido provérbio que diz: Não tens quem te elogie? Elogia-te a ti mesmo” (Erasmo de Rotterdam, Elogio da Loucura).
Uma pena. Livraram Policarpo do depoimento na CPI do Cachoeira. Pelo menos por ora. Detentor de grande poder na revista Veja, um dos veículos de comunicação mais respeitados do país, o jornalista Policarpo Junior aparece envolvido com o bicheiro Carlinhos Cachoeira num fantástico esquema de corrupção. O fedor de tudo isso exala pela mídia 24 horas por dia, ainda que, em alguns momentos, todos pareçam entorpecidos pelo circo ou pelo pão. O fato mais grave, e que exige imediata mea culpa, é a absurda manipulação da imprensa por grupos econômicos que se lixam para o interesse público. Jornalista que se junta à bandidagem cospe na cara da sociedade, subverte a ética e dobra os joelhos diante do dinheiro fácil.
São clássicos os casos de colunistas que vendem lotes em suas publicações e, para vergonha de toda a banda nobre da classe, se travestem de jornalistas e, como tais, assinam seus textos. Mas esses podem ser comparados ao poetastro tagarela que aparece no Elogio da Loucura; não fazem bem e muitos menos fazem mal. Não é o caso dos policarpos instalados nas mais suntuosas redações da grande mídia. Longe de serem meros aduladores, vendem sua alma a organizações criminosas e mamam em tetas imundas e inflamadas de um animal alimentado por nós, pobres cidadãos.
Corporativismo saudável
E nós, pobres cidadãos [tão pobres assim?], até quando permitiremos que cachoeiras de dinheiro sejam tragadas dos impostos que deveriam garantir ao povo brasileiro o tratamento digno da tão decantada sexta economia mundial? Se a pressão popular já derrubou presidente por aqui e ditaduras mundo afora, não teríamos poder suficiente para pressionar juízes e parlamentares a ouvirem a voz das ruas e enjaular Carlinhos e seus comparsas?
Massa de manobra é o que somos? Um pouco de pão e circo à vontade tapam nossos olhos e ouvidos, embaçam nosso raciocínio? Disfarçam nosso patriotismo e humilham nossa inteligência? Vamos nos curvar diante do homenzinho elevado ao patamar dos deuses por um adulador que suja a honra do jornalismo sério como o descompensado dos intestinos suja qualquer latrina?
Se há corporativismo na mídia a encobrir grandes e pequenos policarpos, que haja um saudável corporativismo por essa nossa Pátria Amada. Sem violência, com a paz da cidadania inteligente, que tal abatermos as moscas mostradas a nós como elefantes?
Pilares da democracia
Dizem que as grandes mudanças começam em casa. Pais devem conversar com filhos, vizinhos com vizinhos. Massa de manobra, sim, mas pela justa causa do combate final aos homenzinhos de nada, apresentados a nós pela banda podre da mídia e pelas outras bandas podres que os sustentam em pedestal de areia como modelos absolutos de todas as virtudes, muito embora estejam longe disso.
Demóstenes se foi. Que caiam policarpos e cachoeiras. E que os pilares da democracia, Judiciário, Legislativo e Executivo, juntamente com o Quarto Poder – a imprensa livre – se fortaleçam, limpos de toda essa podridão.
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[Rodolfo de Souza é professor e jornalista, Viçosa, MG]